Saber usar um multímetro com todos os seus recursos é muito importante para todo praticante de eletrônica. Não só devemos levar em conta, nestes casos, as inúmeras possibilidades deste instrumento, como também o fato de que, em muitos casos, o multímetro é o único instrumento disponível. Na bancada de reparação, quando usado em todos os seus recursos, o multímetro é insuperável. O leitor que possui um, mesmo que dos mais simples, deve estar sempre informado sobre suas possibilidades.
A maioria dos leitores está acostumada a usar o multímetro pura e simplesmente na medida de tensões e correntes, na escala de resistências e no teste de componentes.
Resistores, bobinas, lâmpadas, diodos e transistores são testados fora do circuito, numa operação que nem sempre leva à descoberta de problemas de funcionamento num circuito, apesar de ser trabalhosa.
Como usar um multímetro na análise de funcionamento de um aparelho? Como usar o multímetro para ajustes e na monitoração de sinais em amplificadores, receptores e outros aparelhos?
A utilização do multímetro diretamente na análise de um equipamento em funcionamento é dinâmica. O leitor não deverá somente observar a indicação final da agulha do instrumento, mas sim suas variações e,às vezes, são estas variações muito mais importantes que os valores estáticos.
Tensões em Transistores
Em funcionamento, os transistores devem apresentar tensões determinadas que dependem de sua polarização e do seu tipo.
Na figura 1 temos exemplos de tensões típicas em transistores NPN e PNP polarizados no centro da reta de carga, ou seja, em classe A.

Nestes circuitos, os sinais aplicados à base provocam variações de tensão no coletor, conforme mostra a figura 2, ou seja, em tomo de um valor fixo.
Problemas de polarização podem deslocar a tensão de coletor neste tipo de circuito o que acarretaria uma operação fora do centro da reta de carga.
Por exemplo, se a tensão for destocada, conforme mostra a figura 3, na aplicação de um sinal de entrada, passaremos a ter uma operação com distorção.
E claro que isso deve ser considerado nos casos em que a tensão original exigida no projeto for uma e se constatar outra.
Um transistor pode ser polarizado de modo a operar em classe B ou AB, de modo que apenas metade dos semiciclos do sinal de entrada seja ampliada.
Qual é a causa do eventual deslocamento do ponto de operação de um transistor? Como verificar isso com o multímetro?
Na figura 4 temos os valores típicos de polarização de base de um transistor como amplificador e a ligação do multímetro para a medida de tensão.
O resistor RB1 determina, em conjunto com RB2, a corrente de base e, portanto, o ponto de operação do transistor.
O resistor RB1 é responsável pela corrente que entra na base do transistor NPN a qual, somada com a corrente de fuga ICEO, determina a corrente de coletor.
Se o resistor RB1 abrir ou tiver seu valor sensivelmente alterado para mais, o resultado é uma corrente menor de polarização e consequente subida da tensão de coletor, conforme mostra a figura 5.
Por outro lado, uma elevação da corrente de fuga do transistor, por problemas internos ou devido a aquecimento, pode fazer com que a tensão de coletor caia em função do aumento da corrente de base. (figura 6)
Nos dois casos, o deslocamento do ponto de funcionamento pode ter como consequência uma distorção do sinal.
Não é preciso dizer que, em consequência do que foi visto, é muito importante para o técnico saber quais são as tensões certas que devem estar presentes nos diversos pontos de um circuito.
Conferindo com o multímetro as tensões nos diversos terminais dos transistores de um circuito, podemos não só chegar a conclusões a respeito de anormalidades, como localizar os componentes danificados.
Um outro caso interessante é mostrado na figura 7.
Numa etapa em que o transistor alimenta um transformador com o sinal amplificado, a tensão de seu coletor é determinada tanto pela polarização de base como pela própria resistência do enrolamento deste transformador.
O transistor neste caso, normalmente, é polarizado em classe B ou C, de modo a iniciar sua condução apenas com o

Assim, a tensão de coletor deve manter-se bem próxima da tensão de alimentação, quando tudo está em ordem.
Se o transistor apresentar problemas, ou então o transformador, as mudanças de tensões serão facilmente percebidas. No caso do transformador, o que pode acontecer é uma interrupção do seu enrolamento.
Neste caso, a tensão de coletor cai a zero e a etapa torna-se totalmente inoperante. No caso do transistor entrar em curto ou abrir, a etapa torna-se também inoperante: no primeiro caso a tensão de coletor cai a zero com graves consequências para a fonte se não existir nenhum resistor limitador. (figura 9)
No segundo caso, a tensão de coletor mantém-se no valor da fonte com mudança apenas na tensão de base.
Tensões em TV
A maioria dos diagramas de televisores traz os valores das tensões que devem ser encontradas nos principais pontos do circuito.
Se bem que normalmente estas sejam expressas para um instrumento de 10 kohms/V, existem casos em que as características do instrumento usado são indicadas.
Assim, se o técnico usar um instrumento de menor sensibilidade poderá compensar isso, pois saberá que em alguns pontos as tensões encontradas serão ligeiramente menores, dada a resistência do instrumento. (figura 10)
Do mesmo modo, se o instrumento for mais sensível, valores ligeiramente maiores não devem fazer com que o técnico pense em possível defeito.
Os valores de tensões, conforme mostra a figura 11, permitem uma análise de funcionamento das etapas com a indicação do modo de polarização.
Assim, através das anormalidades podemos facilmente chegar às causas de um problema.
Tomemos como exemplo o televisor PC-2001 da Philco.
Na figura 12 temos um “pedaço" de seu diagrama onde observamos as tensões que devem ser encontradas nos diversos pontos em condições normais de funcionamento.
Imaginemos que o televisor em questão fique “sem azul". Indo diretamente à etapa responsável pelo azul, que está em torno do transistor Q803, medimos as tensões nos seus terminais.
Se o transistor estiver aberto, teremos uma tensão anormalmente alta no seu coletor. Se o transistor estiver em curto, a tensão de seu coletor será anormalmente baixa.
As causas para as tensões anormais, caso o transistor esteia bom, podem ter diversas origens como:
a) R325 aberto, caso em que a imagem ficará amarelada. Este defeito tem por origem a falta de polarização de base, via R802, que também pode abrir com as mesmas consequências. A tensão de base será maior que o normal.
b) R817 aberto, caso em que a tela ficará azul. A tensão encontrada no coletor do transistor será anormalmente baixa.
c) R820 aberto, caso em que teremos uma tensão anormal de coletor, sem azul, mas com a tela normal.
Conclusão
Não basta ter o instrumento e o diagrama para se encontrar um problema de funcionamento em qualquer aparelho.
É preciso saber interpretar as leituras. Estas leituras indicam por suas variações o que ocorre de anormal, mas sua interpretação exige o conhecimento do princípio de funcionamento do circuito analisado.
Por este motivo é que (já salientamos em outros artigos juntamente com outros colaboradores) não basta ter defeitos catalogados para que alguém se torne um técnico.
A localização de defeitos exige conhecimento e raciocínio e isso não pode ser obtido de um dia para outro.