Inocentemente muitas pessoas acreditam que uma estação "comunitária" não pode causar qualquer tipo de problemas, e que os alertas das autoridades visam apenas proteger interesses políticos ou ainda evitar que elas concorram com estações devidamente estabelecidas com equipamentos que obedeçam as rígidas normas dos serviços de telecomunicações. Não é verdade. Neste artigo mostramos os perigos que estas estações representam para as telecomunicações e para a própria segurança do leitor.

 

 

Durante muitos anos temos publicado nesta revista e na Eletrônica Total (da mesma editora) projetos de pequenos transmissores de FM, de baixa potência, sempre alertando para que eles não sejam usados de maneira a causar problemas aos serviços de telecomunicações. Isso significa a não utilização de antenas externas nem o aumento desmedido da potência com a finalidade de alcançar longas distâncias.

Experiências e mesmo a utilização limitada de transmissores têm sua finalidade educativa podendo ser aproveitada em escolas, clubes e mesmo comunidades pequenas, pois ensinam muito sobre diversas ciências bem atuais como o rádio-jornalismo, artes cênicas (as novelas do rádio podem ser revividas por grupos experimentais), e tecnicamente a própria eletrônica.

O que ocorre é que muitos grupos desejam utilizar emissores de FM de uma forma muito mais ampla, fugindo ao controle das autoridades e com isso causando sérios problemas que nem sempre eles têm consciência.

Temos visto muitas emissoras ditas "comunitárias" que empregam equipamentos que, sem seguir as normas, podem causar problemas que envolvem a segurança de muitos.

Em Guarulhos, por exemplo, onde o autor reside, existe uma potente estação comunitária de aproximadamente 400 watts de potência que está exatamente na linha de aproximação das aeronaves que descem na pista 09 do aeroporto local (*).

Com equipamento não homologado esta estação emite sinais espúrios que se espalham por uma boa parte do espectro de VHF, conforme mostra a figura 1, e que atingem as frequências usadas pelo sistema de aproximação sem visibilidade ILS.

 

 

Mesmo concentrando sua potência na faixa de FM uma emissora pirata pode gear sinais que se espalham pela faixa usada pela aviação.
Mesmo concentrando sua potência na faixa de FM uma emissora pirata pode gear sinais que se espalham pela faixa usada pela aviação.

 

 

O que ocorreria se num dia sem visibilidade alguma o piloto de uma aeronave em aproximação perdesse as referências por uma interferência no seu sistema de ILS?

Certamente, uma catástrofe pois não só as pessoas que viajam na aeronave estariam em perigo como toda a população da área por onde ela passa. O corredor de aproximação da pista 09 de Guarulhos passa por uma área extensa densamente povoada!

Uma outra estação igualmente potente existe numa avenida de grande movimento (numa condição aberta que nos causa estranheza que não tenha sido visitada pelas autoridades) a menos de 1 km do corredor de aproximação da pista 09 de Guarulhos, e menos de 3 km do final da pista.

 

POR QUE AS ESTAÇÕES INTERFEREM

Quando um sinal de alta frequência é gerado e amplificado num circuito típico de um transmissor como o usado em muitas estações piratas, não podemos esperar que isso ocorre com linearidade total.

Na figura 2 temos um exemplo de um circuito típico de um transmissor como é encontrado em muitas estações piratas.

 

 

Etapa de saída de um transmissor comum.
Etapa de saída de um transmissor comum.

 

 

O sinal gerado, pela própria natureza do circuito contém oscilações espúrias e harmônicas que se espalham em torno da frequência que deve ser gerada.

As frequências e as intensidades desses sinais dependem da montagem do transmissor, dos componentes usados e das características da própria configuração. Em suma, o sinal de alta frequência gerado não é perfeitamente senoidal e não tem uma frequência única.

Um analisador de espectro que fosse ligado a um oscilador deste tipo revelaria a presença de sinais em muitas frequências.

Na verdade, nós mesmos quando publicamos pequenos transmissores (cuja potência não excede os 20 mW) alertamos que no ajuste podemos captar sinais em mais de um ponto do mostrador, mostrando que são gerados sinais de diversas frequências que se espalham, conforme mostra a figura 3.

 

 

Modulações geradas.
Modulações geradas.

 

 

Num pequeno transmissor experimental esses sinais espúrios não alcançam mais do que alguns metros, mas num transmissor com 200 ou 300 watts, um sinal espúrio pode significar mais de 20 watts de potência o que na faixa de FM e VHF pode significar um alcance de vários quilômetros!

Este sinal vai afetar de modo indevido sistemas de telecomunicações, receptores de FM que desejam captar outras estações e de uma forma mais perigosa os sistemas de orientação usados nas aeronaves.

Os sinais espúrios gerados no oscilador não são os únicos.

Na amplificação, novas deformações do sinal original são produzidas com a produção de novas oscilações parasitas e novos sinais espúrios que acabam por encher todo o espectro.

Um conhecido meu que reside nas proximidades de uma dessas estações queixou-se da interferência constante em praticamente todos os canais de TV que o impedia de ver seus programas em condições normais. Só mesmo uma denuncia ao Dentel acabou com seus problemas (que voltaram logo em seguida, pois tão logo as autoridades lacraram o equipamento, arranjaram outro que entrou imediatamente em operação!).

O fato é que chegando as etapas finais de um transmissor, quando a potência é bem elevada, temos um rico espectro de frequências capazes de causar muitos problemas para vizinhos, serviços de telecomunicações e mesmo aeronaves.

Os transmissores de uso profissional possuem eficientes filtros em suas saídas que bloqueiam a maior parte dos sinais espúrios, reduzindo sua intensidade a níveis aceitáveis, como o mostrado na figura 4.

 

 

Filtro de saída de um transmissor.
Filtro de saída de um transmissor.

 

 

Muitos transmissores de emissoras pirata também tem filtros semelhantes, mas o problemas não está eliminado nestes casos. O ajuste desses filtros exige conhecimento técnico e instrumentação apropriada.

Isso significa que em muitos casos, esses filtros, mal ajustados podem até facilitar a emissão de sinais em certas frequências indevidas agravando os problemas.

 

TRANSMISSORES HOMOLOGADOS

Os transmissores usados nas emissoras comerciais devem obedecer a rígidas normas técnicas de modo a poderem ser aprovados para uso quando uma emissora é homologada.

Assim, não basta ter um transmissor e uma licença para se poder "colocar uma emissora no ar".

Os equipamentos devem estar de acordo com as normas exigidas o que implica na operação na frequência exata que foi destinada à estação (estes transmissores devem obrigatoriamente ser controlados por cristais e com recursos que mantém sua temperatura constante de modo a não alterar suas características), além de configurações que reduzam a valores mínimos os sinais espúrios que possam aparecer.

Isso significa que, transmissores de altas potências de construção caseira ou de "origem desconhecida" de modo algum podem ser usados.

Os radioamadores são os únicos que podem construir os seus equipamentos, pois o radioamadorismo foi justamente criado para que as pessoas pudessem desenvolver sua criatividade na eletrônica montando seus equipamentos. No entanto, o próprio radioamador, para receber seu prefixo deve passar por um exame de conhecimento técnico que ateste que ele conhece os problemas de radiotransmissão que podem ocorrer e sabe como resolvê-los. Mais do que isso, ele deve corrigir estes problemas quando forem denunciados por qualquer pessoa que receba interferências sob pena de perder sua licença.

Limitando a potência dos transmissores usados pelos radioamadores pode-se evitar problemas graves de interferência, o que entretanto não está ocorrendo com o caso das emissoras piratas.

 

O QUE FAZER

Não somos contra a existência de emissoras comunitárias, muito pelo contrário. Até gostaríamos de dar nossa contribuição técnica para que sua quantidade fosse ampliada. Somos contrários a operação com equipamentos que possam causar problemas como os que relatamos.

Uma sugestão seria a homologação de um determinado tipo de equipamento, com potência razoável, que pudesse ser adquirido pelos grupos interessados na montagem da emissora.

Os fabricantes desses equipamentos garantiriam a operação dentro das especificações e a própria venda seria condicionada a apresentação de documentos que levasse o interessado a se identificar. Este tipo de procedimento já foi usado para o caso dos aparelhos para a faixa dos PX (11 metros).

É claro que a licença para "comprar" e operar um equipamento deste tipo estaria condicionada a um processo simples junto ao Dentel que atestasse as finalidades comunitárias da emissora. Isso impediria que grupos com interesses comerciais (por pequenos que fossem) se aproveitassem da "brecha" para poderem instalar seus negócios. Na verdade, isso poderia até ocorrer em localidades pequenas em que não houvesse outra emissora, legalmente estabelecida.

Enfim, não é difícil estabelecer as condições técnicas e legais para o funcionamento destas emissoras. O que não pode é continuar havendo a operação indevida de transmissores que coloquem em risco nossa segurança.

 

Pouco depois de escrevermos este artigo houve uma intensificação da fiscalização do Ministério das Comunicações que fechou mais de 15 estações na zona leste de São Paulo, incluindo aquelas que citamos. As reclamações dos próprios pilotos e autoridades ligadas à segurança do vôo que se viram ameaçados em sua segurança foi um elemento decisivo para a atuação mais severa das autoridades.