Relação de Ondas Estacionárias (ROE) é um assunto que interessa a todos os que operam em transmissão. A ROE ocasiona uma perda de energia aplicada ao sistema irradiante, e quanto mais se conheça sobre ela, melhor. Muitos são os fatores que determinam esta perda, desde sua geração, no transmissor, até a parte irradiante, ou seja, a antena.
Nota: Artigo publicado na Revista Saber Eletrônica 185 de 1988
Em matéria de irradiação existem dois pontos que são muito negligenciados pelos operadores e que também merecem pouca atenção por parte dos escritores de artigos técnicos. Um deles, a linha de alimentação, é o sistema condutor que liga o estágio final à antena. O outro é o descasamento de impedância entre o transmissor e a linha de transmissão, e entre esta última e a antena. Todos os sistemas alimentadores de radiofrequência (RF) têm mais ou menos perdas, sendo os cabos coaxiais os piores. Tudo isso, associado a vários graus de ondas estacionárias, produz o efeito geralmente denominado de ROE.
Vejamos como é possível atenuar as causas que afetam o rendimento dos transmissores neste particular aspecto.
CASAMENTO
A expressão em inglês "matching" é traduzida por casamento. Virtualmente, um condutor que transporte energia do ponto "A" para o ponto "B" pode ser considerado como linha de transmissão. Um par de fios ligando uma bateria a uma lâmpada é um exemplo de linha de transmissão. À proporção que a extensão desta linha aumenta, também aumenta a resistência e consequentemente a lâmpada vai perdendo o brilho, porque a tensão diminui.
Exemplo semelhante pode ser aplicado à linha ou cabo que liga um transmissor a uma antena, só que a energia, neste caso, seria de radiofrequência em lugar à de corrente contínua fornecida pela pilha. Deste modo, as propriedades indutivas e capacitivas da linha de alimentação se combinam para produzir uma impedância na transferência de potência. Isto é denominado de impedância característica do cabo, ou linha, e permanece constante, praticamente independente da frequência.
As perdas puramente resistivas não podem ser ignoradas, porém é possível evitar grandes perdas de radiação neste caso. Se a impedância característica da linha é igual à da fonte (transmissor) e à da carga (antena), dois condutores podem ser utilizados, bastante próximos um do outro, para que o campo eletromagnético de um cancele o campo do outro.
As linhas de transmissão de maior preferência dos radioamadores são as denominadas "linhas abertas". Elas consistem de dois condutores, dispostos paralelamente, com uma separação de uma fração de comprimento de onda. Também há grande preferência por cabos coaxiais, onde um condutor atua como blindagem em relação ao outro. Porém, o comportamento é como se fosse uma linha aberta de dois fios.
O conceito pode ser apreciado na figura 1, onde as correntes I1 e I2 fluem em direções opostas. Se a corrente I1 em um dado ponto (P1) tiver a mesma amplitude da corrente I2, no ponto oposto (P2), os campos produzidos serão de amplitude idêntica, porém como fluem em direções opostas, estarão defasados. Isto não será necessariamente 180° fora de fase e deste modo haverá uma pequena energia irradiada em certas ocasiões, se bem que para efeitos práticos isto pode ser desprezado.
Existem certas circunstâncias que podem causar uma diferença de fase muito grande nas duas correntes e assim haverá maior irradiação.
Vejamos, por exemplo, o caso da figura 2(A). Uma linha de transmissão tem um extremo ligado a um gerador da mesma impedância da linha. No outro extremo temos uma carga resistiva pura (R) que tem o mesmo valor ôhmico do valor da impedância da linha Zo. Nestas circunstâncias, quer corrente que circule na linha passa pela resistência que se apresenta como uma extensão da linha. Como uma resistência pura não possui reatância capacitiva ou resistiva, a linha estará perfeitamente casada e nenhum resquício de energia (I2Zo) retornará ao gerador. Uma linha de transmissão infinitamente longa terá as mesmas características, desde que a impedância permaneça constante, se bem que a potência acabará se extinguindo ao dissipar-se na resistência da própria linha.
Observemos agora a figura 2(B). A resistência da carga R não é igual em valor à impedância da linha e assim a potência que não é dissipada é refletida de volta. A potência absorvida por R diminui à proporção que a diferença entre R e Zo aumenta e nestas condições ocorre um grande descasamento.
Para tornar as coisas claras, o termo potência incidente é dado à energia que é transferida para a carga enquanto aquela que retorna à fonte é denominada de energia refletida. Deste modo, podemos deduzir uma qualquer relação matemática entre a energia refletida e a incidente, que nos dará uma indicação do grau de descasamento no circuito.
Quando a carga é nula, como na figura 2(C), toda a energia será refletida. Este também será o caso se R for considerado como um circuito aberto - figura 2(D). Quando não ocorrer descasamento, a energia fluirá em ambas as direções, e a parte irradiada dependerá da diferença de fase entre as tensões refletidas e incidentes e as respectivas correntes. Estes parâmetros interagem e produzem ondas estacionárias.
ONDAS ESTACIONÁRIAS
Os desenhos da figura 3 ilustram como as ondas estacionárias se formam, quando ocorrem vários graus de descasamento. Na figura 3(A) há um circuito aberto no extremo da linha, que evita o fluxo de corrente. A forma de onda da corrente neste ponto tem amplitude zero e realmente se auto cancela, devido à reversão de polaridade. A corrente flui ao longo da linha, porém a tensão é máxima nos extremos, naturalmente, e assim, não é invertida pela reflexão. Os campos elétricos das ondas incidentes e refletida, adicionam-se ao dobro da amplitude e, se ignorarmos as perdas da linha, a potência total pode ser considerada como retornando ao gerador.
Quando R é um curto-circuito a figura 3(B) mostra como isto ocorre. A amplitude da onda estacionária é idêntica às condições de circuito aberto, exceto que flui até encontrar a situação de tensão zero no extremo da linha.
Nas figuras 3(C) e 3(D) podemos ver as condições em que R é maior ou menor que Zo, criando uma onda estacionária de amplitude menor devido ao fato que somente parte da potência projetada para a frente é refletida. Finalmente na figura 3(E), temos a situação em que R = Zo. Neste caso não há potência refletida e a linha transporta uma onda uniforme.
A relação do máximo (Vmáx.) para mínimo (Vmín.) é denominada de "relação de ondas estacionárias" (ROE), sendo calculada pelas expressões:
O casamento perfeito (dificilmente obtido na prática), daria uma ROE de 1:1. Quando ocorre um descasamento, a relação aumenta e, com um circuito absolutamente aberto ou em curto-circuito, a ROE se torna infinita. Deve-se evitar esta situação, principalmente no caso de equipamentos transistorizados, onde níveis elevados de potência refletida quase sempre resultam na destruição do semicondutor, salvo se alguma forma de proteção é utilizada, o que redunda em complicações e custos.
EFEITOS DA ROE
A perda de potência na antena, devido a ondas estacionárias na linha de transmissão, pode não ser coisa muito séria. Por exemplo, no caso de uma linha de baixa perda, a atenuação devido à ROE, digamos de 2:1, será apenas ao redor de 0,5dB.
No gráfico da figura 4 temos a porcentagem de potência refletida (perdida na antena), para vários valores de ROE. Podem existir algumas discrepâncias, que podem ser atribuídas às perdas naturais da linha de transmissão e isto afetará as indicações, tanto de potência refletida como transmitida. Por exemplo, a linha pontilhada da figura 5 mostra que para uma ROE de 2:1 e uma perda na linha de 3dB na extensão total, a verdadeira ROE é de 5:1, representando uma perda adicional considerável. Isto mostra a necessidade de utilizar linhas de transmissão de baixa perda.
É importante que se tente obter uma ROE inferior à 1,5:1, ainda mais se a perda no cabo de transmissão for acima de 2dB. Com uma extensão de cabo de aproximadamente 30 metros, com uma atenuação de 2,5dB, a perda adicional devido a urna ROE de 1,5:1 será menor que 1dB.
Quando as perdas nas linhas são elevadas, a perda adicional causada pelo ROE tem uma tendência de ser constante: a quantidade de potência refletida desde a antena é reduzida na proporção da atenuação na linha de transmissão. Vejamos um exemplo para esclarecer o assunto: se a perda na linha é de 6dB, somente 25% da potência real, chegará à antena propriamente dita. Se a ROE na antena for de 4:1, devido ao descasamento, somente 36% da potência aplicada será realmente refletida. Como dissemos anteriormente, que somente 25% da potência original chegaria até a antena, a potência refletida será realmente:
0,25 x 0,36 = 0,09 (9%) (1)
A característica da linha de transmissão reduzirá isto ainda mais, em 6dB, de modo que teremos:
0,09 x 0,36 = 0,032 (3,2%) (2)
Isto será a potência refletida de volta ao transmissor e resultará em uma baixa ROE, quando observada no extremo que liga ao transmissor, aí pelos 1,3:1.
Por outro lado, com uma linha de muito baixa perda, uma ROE elevada poderá causar uma perda elevada de potência, se bem que o total seja relativamente pequeno quando comparado com a energia que chega à antena. Uma ROE de 10:1 (verdadeiros) em uma linha que tenha somente 0,3dB de perda, resultará em uma perda adicional de 2dB.
Nem sempre urna indicação de ROE baixa é sinal de que tudo está bem. É preciso examinar com cuidado para verificar se as perdas da linha foram levadas em consideração. Por exemplo: 15 metros de cabo coaxial tipo UR43 ou similar, com uma ROE verdadeira de 2:1, poderá ter uma leitura final de 1,1:1. Com cabos velhos, ou de qualidade inferior, nenhuma leitura poderá ser observada, mas a ROE poderá ser de 1.1!
Uma ROE típica para uma antena bem casada nos 145MHz, pode ser observada na figura 6. Com perdas da linha acima da medida, a resposta poderá ser a indicada pela linha pontilhada.
A relação entre perdas na linha de transmissão e a ROE pode ser representada de modo alternativo, baseado em um método de determinar as perdas no cabo coaxial pela medição da ROE quando o dito cabo é terminado em "curto-circuito". Porém, muita atenção: este método nunca deverá ser utilizado com amplificadores de RF transistorizados!
No exemplo A da figura 7 pode-se observar que urna ROE de 1,5:1 indicará uma perda de 6-7dB para a extensão total. Isto acontece porque a potência para a frente é atenuada em primeira instância e consequentemente há urna redução na quantidade da potência refletida, que por sua vez é atenuada e resulta em uma indicação de baixa ROE. No exemplo B da figura 7 a perda do cabo é menor e o alto valor da ROE (4:1) indica que a maior porcentagem de potência fluindo no cabo é refletida também. A atenuação do cabo é pouco acima de 2dB e isto confirma nossas afirmações acima.
De modo ideal, as medidas de potência e ROE devem ser efetuadas nos dois extremos (transmissor e antena propriamente dita), caso contrário podem ocorrer erros, tais como os produzidos pela extensão da linha em relação à frequência. Se a tensão refletida estiver no mínimo no lado do transmissor, valores baixos de ROE poderão ser obtidos. Pela mesma regra é quase sempre possível reduzir urna alta ROE, encurtando um trecho da linha de transmissão (ou aumentando-a um pouco). Isto não é uma cura, nem remove a ROE devido ao descasamento.
UTILIZAÇÃO DA ROE E MEDIDOR DE POTÊNCIA
Instrumentos comerciais para medir potência e ROE, principalmente em VHF, são custosos. Os melhores instrumentos desta classe são os BIRD. Se as sociedades de radioamadores aqui no Brasil fossem algo que levassem a sério esta questão de técnica, possuiriam medidores desta natureza, para empréstimo, aluguel etc. Mas a preocupação destas entidades, como de tantas outras, é cobrar "pedágios", direto de passagem e nada fornecerem em troca. Veja-se o que ocorreu durante dezenas de anos com a LABRE...
Pretendemos, nos artigos subsequentes, descrever medidores de ROE de construção caseira, para que os radioamadores possam medir suas ROE. Uma sugestão: por que amadores de uma região não se reúnem e constroem ou compram um medidor de ROE para utilizar no ajuste de seus equipamentos? Valeria a pena. Conversem entre si. Aprendam a reunir-se e unir-se para conseguir benefícios para a sua comunidade.
EXAMINANDO UMA NOVA ANTENA
De início, uma nova antena deve ser examinada com um alimentador curto, para se obter a melhor ROE possível. Um exame preliminar com um receptor é recomendável, para se ter ideia que a antena dá resultados, antes de se aplicar potência de radiofrequência.
Inicia-se o teste com baixa potência. Quando no teste inicial tudo mostra estar bem, então utiliza-se o alimentador definitivo, com a extensão necessária e aplica-se potência total do transmissor.
Um dos métodos mais simples e efetivos de examinar o conjunto de linha de transmissão e antena, é utilizar uma pequena lâmpada fluorescente (da ordem de 5 a 10 watts). Quando se toca num ponto de tensão da linha de transmissão ou antena, com a lâmpada fluorescente, ela deve acender com brilho intenso. Percorrendo a linha de transmissão com a lâmpada fluorescente, será fácil determinar os "picos de tensão" (maior brilho) e os picos de corrente (menor ou nenhum brilho) da linha de transmissão. Este teste é simples e permite saber se a antena está irradiando a energia que lhe é aplicada pelo transmissor, via linha de transmissão.
Agradecemos a Fred Judd (G2BCX) a permissão de utilizar dados técnicos e aos editores de P.W. pelo uso dos desenhos e demais dados técnicos.