No primeiro artigo desta série sobre o microcontrolador MSP430, da Texas Instruments, analisamos a arquitetura deste componente e mostramos como ele pode ser usado em aplicações que envolvam o processamento digital de sinais, apesar dele não ser um DSP. Os seus recursos internos incluindo um conversor analógico-digital de alta performance permitem que ele seja localizado num ponto intermediário entre os microcontroladores comuns e os processadores digitais de sinais, o que o torna extremamente atraente para certas aplicações como as que daremos como exemplos nos próximos artigos.

Nota: este artigo é de 2001. Vale como referência para projetos com componentes mais modernos;

Neste primeiro artigo prático, mostraremos justamente uma aplicação bastante em evidência em nossos dias de contenção do consumo de energia elétrica: um medidor digital de consumo de energia, que se torna extremamente simples ao ser baseado nos recursos que o MSP430 oferece. O projeto é da Texas Instruments e o leitor poderá ter a literatura completa em inglês acessando seu site: (http://www.ti.com).

Os medidores comuns de consumo de energia se baseiam em dispositivos mecânicos (motores) que acionam ponteiros indicadores na maioria dos casos. No entanto, no mundo atual onde predomina a tecnologia digital já não se aceita que as empresas que forneçam ou consumam energia não empreguem medidores com tecnologia mais avançada (e inclusive mais precisa). Assim, os tradicionais medidores de consumo que são usados nas instalações elétricas podem ser substituídos perfeitamente por urna versão digital com base no MSP430.

Existem dois métodos para empregar o MSP430 num medidor de energia elétrica (kWh - quilowatts x hora, por exemplo). O primeiro consiste em se amostrar a energia num circuito de entrada com sensores, tais como de efeito-Hall, transformadores de corrente, etc., e neste circuito produzir pulsos em quantidade proporcional ao consumo.

O trem de pulsos correspondente será então aplicado ao M5P430 que excitará diretamente um display indicando a quantidade de energia consumida a ser totalizada. Para implementar um projeto com esta metodologia pode-se empregar qualquer dispositivo da família MSP430.

No segundo método temos o cálculo da energia feito diretamente pelo MSP430 utilizando-se para esta finalidade o conversor analógico-digital interno de 14 bits para se tomar como base a corrente e a tensão. Neste caso, apenas o MSP430C32x pode ser empregado. Na figura 1 mostramos os dois processos na forma de blocos. Evidentemente, o segundo método é uma solução melhor, uma vez que ele usa apenas um chip em lugar de dois, o que reduz os custos de um medidor.

 

 


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Descreveremos, portanto, a aplicação desse método num projeto completo usando o MSP430.

 

 

PRINCÍPIO DE MEDIDA

 

O princípio de medida é denominado "Reduced Scan Principle" (propriedade intelectual da Texas Instruments que só pode ser utilizado com seus microcomputadores) onde se mede em Intervalos regulares de tempo a tensão e a corrente no circuito multiplicando-se um valor pelo outro e considerando-se o tempo para se obter a energia consumida por amostragens.

Para se conseguir maior segurança na totalização dos valores, cada corrente e cada tensão são usadas duas vezes no cálculo, conforme ilustra a figura 2.

 

 


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Assim, a corrente é em cada instante multiplicada pelo valor de tensão anterior e posterior, que são amostradas. Na verdade, multiplica-se a corrente pela soma dos valores (considerando-se isso nos cálculos) para se ganhar velocidade no processamento. A principal vantagem deste processo é reduzir o erro causado por problemas de deslocamento de fase que ocorrem quando cargas indutivas ou capacitivas estão sendo alimentadas.

No caso de se medir o consumo num sistema multi-fases, o "Reduced Scan Principie" é aplicado a todas as fases, uma após a outra (os cálculos que mostram os erros inerentes deste procedimento estão disponíveis na documentação da Texas Instruments). Outras vantagens importantes deste processo são: precisar de metade das medidas, exigir apenas um ADC (comparados aos 6 dos métodos usuais), ser independente de desvios de frequência da corrente alternada e também do tempo de latência das interrupções do microcontrolador.

Tabelas com os erros obtidos com diversas frequências podem ser consultadas na documentação da Texas Instruments.

 

 

O CONVERSOR ANALÓGICO DIGITAL DO MSP430

 

Neste projeto, o conversor analógico-digital (ADC) do MSP43O mede a tensão entre os pontos Avss e SVss com uma resolução de 14 bits. Na figura 3 mostramos que a corrente e a tensão vindas das interfaces dos sensores são colocadas num intervalo de valores de 90% da faixa total abrangida pelo conversor de modo a se garantir uma medida correta. Essa faixa de variação pode ser modificada, se necessário.

 


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Como referência é recomendado que se utilize a tensão de Voo/2 para se evitar problemas de precisão. Tabelas e informações contendo os cálculos completos da conversão empregando este processo e os eventuais erros introduzidos podem ser obtidos na documentação da Texas Instruments.

A empresa, nesta mesma documentação, fornece meios de se reduzir os erros, caso seja necessário, tais como usar uma segunda faixa de hardware ou utilizar uma segunda faixa de calibração. No caso da medida de consumo é preciso usar um zero virtual de referência de tal forma que as tensões acima deste valor sejam tratadas como positivas e as tensões abaixo como negativas.

Para se obter uma referência comum no meio da faixa do ADC, dois reguladores de tensão com saídas de +2,5 V e -2,5 V podem ser utilizados. Neste caso, teremos um ponto comum de zero volt para servir de referência conforme exigido neste tipo de aplicação. Na figura 4 indicamos como isso pode ser obtido.

 

 


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No entanto, também é possível usar um terra virtual com o circuito integrado TLE2426, veja a figura 5.

 


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Com este recurso, todas as tensões estarão referenciadas no zero volt deste circuito que corresponde à sua saída.

O TLE2426 exige uma corrente de alimentação de 170 µA (sem carga) e tem uma impedância de saída de apenas 0,0075 ohms. Finalmente, outra forma de se obter a tensão de referência de metade da tensão de alimentação faz uso de um divisor de tensão com dois resistores, conforme indicado na figura 6.

 

 

 


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AS MEDIDAS DE CORRENTE

 

O principal problema da medida de corrente é a faixa dinâmica de valores de entrada muito grande, indo de 0,1% a 1000% do valor nominal. Os dois métodos mais frequentemente usados para se obter estas medidas contornando este problema são vistos na figura 7.

 


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O primeiro, faz uso de um shunt onde um amplificador operacional mede a queda de tensão sobre o resistor de shunt. O valor desta tensão depende da corrente, como sabemos. Para se obter o mínimo de erro o amplificador operacional não pode ter um deslocamento de fase maior do que 0,1 graus.

Este circuito tem a vantagem de ser simples, mas apresenta perdas com correntes elevadas e tem tensões muito baixas de saída quando a corrente é muito pequena. Outra desvantagem é que esta configuração só pode ser usada em medidores monofásicos.

O segundo utiliza um transformador de corrente. A tensão de saída deste transformador depende da intensidade da corrente que circula em seu enrolamento primário. As principais vantagens do uso do transformador de corrente são o isolamento da rede de energia e a precisão elevada obtida, além de se poder comutar facilmente as faixas. A desvantagem é a sensibilidade a componentes DC no circuito que podem levar o transformador à saturação e o custo mais elevado. Uma terceira solução importante que deve ser considerada é a que emprega um núcleo de ferrite como sensor, observe a figura 8. Neste caso, a corrente de carga flui por um enrolamento simples no núcleo de ferrite, o qual tem uma pequena abertura. O fluxo magnético cruzando esta abertura chega a uma bobina com núcleo de ar que não está carregada. A pequena tensão de saída Vfc desta bobina pode ser amplificada, integrada e medida pelo MSP430.

Este método tem como vantagens o isolamento da rede de energia e a impossibilidade de haver saturação pelas componentes DC da corrente devido à abertura no núcleo. As desvantagens estão na pequena tensão de saída oriunda das perdas do acoplamento e a produção de picos de tensão em razão da resposta rápida de frequência quando cargas são comutadas rapidamente.

 


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MEDIDAS DE TENSÃO

 

As medidas de tensão são feitas de forma mais simples, já que normalmente na rede de energia as tensões se mantêm quase que constantes em relação ao tempo. Na figura 9 mostramos os dois métodos que podem ser usados para a medida da tensão. O primeiro faz uso de um divisor resistivo e o segundo emprega um transformador de tensão.

Informações sobre os cálculos dos componentes tanto dos processos de medição de corrente quanto de tensão podem ser obtidas na documentação da Texas Instruments no endereço citado no início do artigo.

 

 

UM MEDIDOR DE CONSUMO BIFÁSICO

 

Feitas estas considerações, podemos propor um projeto prático que é o de um medidor bifásico 120+120V com 60 Hz e que pode de ser facilmente adaptado para as redes de 117 e 127 V que são encontradas normalmente no Brasil.

A seguir, são dados dois circuitos que empregam transformadores de corrente.

Na figura 10 temos então o primeiro circuito prático que faz uso de dois transformadores de corrente.

 


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Neste circuito, o MSP430 mede a tensão entre Avss e Svcc com uma resolução de 14 bits. Para se obter uma referência em metade da tensão de alimentação temos uma fonte simétrica. O MSP430 mede a tensão em intervalos regulares e a multiplica pela corrente. Para ter uma referência para esta medida é usado um diodo LM385-2.5 que fornece um terra virtual para o circuito. A tensão neste diodo é medida em intervalos regulares servindo, então, como referência.

Na figura 11 temos a sequência das medidas para o medidor de duas fases, conforme já explicamos, pelo princípio "Reduced Scan Principle".

 


 

 

 

O segundo circuito, que faz uso de um transformador de corrente, possui um software de offset. Ele é mostrado na figura 12.

 


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Neste circuito, são usados divisores de tensão resistivos para fornecer a referência de tensão, fixando-a em metade da tensão de alimentação. Os resistores deste divisor devem ser escolhidos de tal forma que sejam menores que a impedância da fonte do ADC, e mais, não há necessidade de bateria para backup, uma vez que de tempos em tempos a quantidade de energia totalizada é gravada na EEPROM.

Uma possibilidade muito interessante é a apresentada no circuito da figura 13.

 


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Neste caso, a leitura pode ser feita remotamente por um receptor. Este recurso permite que o agente leitor de consumo no caso de uma aplicação residencial, não precise ter acesso ao medidor. Basta colocá-lo a uma certa distância (do lado de fora da residência, por exemplo) usando um receptor acoplado a um registrador, e transferir diretamente sem fio a leitura para uma memória que, depois, será lida pelos computadores da empresa fornecedora.

Na documentação da Texas, além das características dos dois medidores que são dadas para 120/240V e 60 Hz, temos também informações sobre medidores monofásicos para redes de 230 V com 50 Hz e medidores trifásicos para redes de 50 Hz.

 

 

TEMPORIZAÇÃO E SOFTWARE

 

Na figura 14 temos o diagrama de temporizações que devem ser programadas para os circuitos apresentados.

 


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A interrupção da porta do timer universal (UT/PM) lê a saída do ADC, prepara e inicia a medida seguinte. A interrupção do ADC não é usada.

O tempo de instruções é mostrado em ciclos de CPU (MCLK= 2,097 MHz). A temporização do ADC utiliza um ADCLK = 1,048 MHz (MCLK/2).

Nesta figura, temos os tempos sem as latências devidas a outras interrupções. Se estas latências forem incluídas, o tempo total da temporização poderá aumentar em diversos ciclos. Este fato deve ser considerado numa programação em tempo real. Os cálculos mostram, entretanto, que esta latência de interrupções não influi na precisão das medições. O software para a aplicação pode ser obtido através do site http://www.sabereletronica.com.br/ downloads.

 

Componentes do sistema:

• Microcomputador MSP430P325

• LCD com até 10,5 dígitos (4 MUX)

• EEPROM de 128 bytes (256 bytes)

• Interface de corrente e chaves de comutação de faixas de corrente

• Fonte de alimentação incluindo o gerador de offset do ADC

• Interface M-BUS (TSS721) - opcional

• Interface infravermelha

• Diodo de referência LM385-2.5

• Outros Periféricos.

 

 

Observações sobre os componentes do sistema:

 

a) LCD - pode ser de qualquer tipo comum e o número de dígitos depende do esquema de multiplexação. Os segmentos não usados podem ser empregados para mostrar palavras completas como kWh, Ws, etc.

 

b) A EEPROM vai armazenar dados que não podem ser perdidos durante cortes de energia tais como:

- Dados de calibração

- Número do medidor e outras identificações

- Totalização da energia medida em intervalos regulares

- Dados estatísticos ou outros

- Características de erros.

 

c) Interface Infravermelha

Esta interface permite transferência de dados bidirecionais para calibração, testes e leitura. Uma das portas PO pode ser usada com sua interrupção para realizar esta transferência de dados.

 

d) Referência de tensão

Não será necessária essa referência com o LM385-2.5, se forem usados dois reguladores de 2,5 V.

 

e) Periféricos

Podem ser usados os seguintes periféricos:

- Saída de pulsos - esta saída pode ser empregada para detectar quando uma certa quantidade de energia é consumida podendo acionar algum tipo de indicador (alarme, corte de energia no caso de racionamento quando a cota for ultrapassada, etc.). Ela também pode ser utilizada para acionar indicadores mecânicos.

- Interface de teclado.

- Correntes de até 1,5 mA com 0,4 V podem ser usadas para acionar LEDs - Relés - podem ser excitados com o uso de um transistor NPN como interface.

 

 

CONCLUSÃO

Para o projeto de um medidor monofásico com o uso do MSP430, podem ser obtidas as seguintes características:

• Medidor de classe 0,5 para a faixa de 0,5 a 130 A

• Erro de 0,2% de 300 mA a 40 A

• Usa toda a escala de 14 bits do ADC para corrente e tensão

• Usa o "Reduced Scan Principle" Usa terra virtual

• Pode medir correntes menores que 25 mA.

 

 

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