Bobinas são componentes que trazem sérios incômodos para os projetistas, principalmente quando devem ter valores elevados de indutância. Além do peso e tamanho, existem ainda os casos em que seu custo pode significar muito num projeto. Como contornar o problema? E claro que poderíamos pensar em uma indutância sem bobina, mas o leitor diria que isso é impossível. Impossível? Não, a menos que o leitor ainda não sabe como funcionam os giradores.

É muito comum tomarmos analogias mecânicas para explicar o funcionamento de certos dispositivos eletrônicos.

O sistema de escape mostrado na figura 1, por exemplo serve perfeitamente para explicar o conhecido oscilador de relaxação, enquanto que a gangorra é a melhor analogia mecânica para um flip-flop.

 

   Figura 1 – Analogias mecânicas usadas em eletrônica
Figura 1 – Analogias mecânicas usadas em eletrônica

 

Para o girador também temos uma analogia, e esta é que justamente lhe dá o nome: o giroscópio.

Conforme sabemos, o giroscópio é formado por um disco pesado que gira a uma velocidade muito elevada preso num sistema de suspensão que permite sua orientação em qualquer direção (cardan) figura 2.

 

   Figura 2 – O giroscópio
Figura 2 – O giroscópio

 

Uma vez colocado em movimento, este disco tende a se manter numa posição determinada, oferecendo uma oposição (inércia) muito grande a qualquer tentativa de tirá-lo desta condição.

Nos navios, um giroscópio pode ser um elemento muito útil para evitar o balanço, pois mesmo quando uma onda mais forte tende a inclinar desagradavelmente o navio, o pesado disco do giroscópio tem uma inércia suficientemente grande para impedir que isso aconteça (figura 3).

 

Figura 3 – O giroscópio nos navios
Figura 3 – O giroscópio nos navios

 

Nos aviões os giroscópios fazem parte do sistema de navegação, mantendo-os na rota independentemente de oscilações provocadas por ventos laterais que possam levá-los a trajetórias indesejáveis.

O giroscópio é elemento essencial do sistema de piloto automático.

Se voltarmos à teoria básica da eletrônica no capítulo que se refere aos indutores nos circuitos de corrente alternada vemos que existe uma grande analogia entre os dispositivos: o indutor também tende a apresentar uma forte oposição (inércia) às variações da corrente.

Que tipo de circuito eletrônico pode simular um indutor e onde ele poderia ser usado?

Isso é o que veremos a seguir, falando um pouco dos giradores, começando com uma teoria que envolve alguns cálculos bastante interessantes, pois num caso como este é interessante deixar a matemática falar por nós.

 

COMO FUNCIONA

Uma indutância apresenta uma impedância que é calculada pela expressão:

 

ZL = j x 2 x PI x f x L (1)

Onde:

ZL é a impedância em Ω

PI é a constante 3,14

f é a frequência em hertz

L é a indutância em henris

j é o operador imaginário raiz(-1)

 

O fator j é usado para indicar a defasagem existente entre a corrente e a tensão num indutor, quando submetido a uma tensão alternada.

Um circuito eletrônico que simule uma indutância deve satisfazer a equação (1).

Com dois amplificadores operacionais de transcondutância que podem ser obtidos inclusive de amplificadores operacionais comuns, temos a configuração que analisaremos na figura 4.

 

Fig. 4 - Girador com dois operacionais.
Fig. 4 - Girador com dois operacionais.

 

Os dois amplificadores usados neste circuito são iguais, exceto pelo fato de que A2 inverte a fase do sinal em 180 graus.

Podemos escrever para estes amplificadores, em relação ao ganho que:

 

 | G1 | = | G2 | (2)

 

Onde G1 e G2 são os ganhos destes amplificadores.

Observe então que o amplificador A2 fornece uma realimentação negativa para A1.

A impedância de entrada destes circuitos será dada pela expressão:

Zm = Em/lin (3)

No caso do circuito da figura 4 temos:

Im = G X E1 (4)

Em =-IC/G (5)

Juntando as equações 4 e 5 obtemos:

 


 

 

Substituindo a equação (7) por –lc na equação (6) temos:

 


 

 

E, substituirmos este valor na equação (9) chegaremos à:

 


 

 

Ora, esta é justamente a expressão de uma indutância o que quer dizer que conseguimos uma indutância sem bobinas!

Pelos resultados da operação vemos que o efeito do girador ao simular uma indutância depende basicamente da capacitância do circuito (C) e do seu ganho.

Na prática, atuando sobre o ganho e também sobre a capacitância podemos controlar a indutância numa ampla faixa de valores.

Isso torna o girador ideal para aplicações que envolvem a filtragem de sinais de baixas freqüências ou especificamente em filtros para equalizadores de áudio.

 

APLICAÇÕES PRÁTICAS

Os circuitos de equalizadores de áudio antigos utilizam bobinas para a elaboração dos filtros.

Entretanto, para se obter um filtro para freqüências muito baixas, as bobinas precisam ter grandes indutâncias.

Ora, bobinas de grandes indutâncias, acima de 1 H por exemplo, são componentes caros, volumosos e pesados.

Conforme mostra a figura 5, um reator de alguns henries deve ser enrolado em núcleo laminado, como usado nos transformadores e dependendo da corrente com que deve trabalhar, deve empregar fios grossos o que aumenta seu volume.

 

Figura 5 – Indutor de valor elevado
Figura 5 – Indutor de valor elevado

 

Um reator típico para um filtro de baixa freqüência (algumas dezenas ou centenas de hertz) tem a mesma aparência que um pequeno transformador.

Seu preço, volume e tamanho também é o de um pequeno transformador.

Levando em conta que precisamos de uma unidade deste tipo para cada canal de equalização não é preciso dizer que o emprego destes dispositivos encareceria bastante um projeto.

Na figura 6 temos um circuito típico de uma etapa de equalização, constando de um filtro ativo com base num amplificador operacional com um indutor e um capacitor para determinar a faixa de atuação.

 

Figura 6 – Equalizador típico
Figura 6 – Equalizador típico

 

A posição do cursor do potenciômetro determina a atuação do circuito com maior ou menor atenuação do sinal para o qual o circuito ressonante está sintonizado.

O indutor, entretanto, pode ser substituído por um girador.

Este circuito é mostrado na figura 7.

 

   Figura 7 – Circuito anterior com girador em lugar do indutor
Figura 7 – Circuito anterior com girador em lugar do indutor

 

Seu funcionamento pode servir de base para que o leitor entenda melhor como funciona um girador.

O sinal de entrada, que consiste numa tensão, provoca o aparecimento de uma corrente lc na entrada do girador, como indicado na própria figura 7.

Esta corrente, através do capacitor Cx faz com que apareça uma tensão proporcional no resistor Ef do girador.

Esta tensão é a tensão de entrada do amplificador operacional que apresenta uma realimentação total negativa, ou seja, está ligado como um seguidor de tensão.

Nestas condições, temos na saída exatamente a mesma tensão desenvolvida no resistor R1, pelo sinal de entrada.

A tensão de realimentação desenvolvida através de R2 que é a diferença entre a tensão de entrada e a tensão de saída no operacional faz com que circule uma corrente através do capacitor Cx para a entrada não inversora, mas aparece uma corrente de sentido oposto aquele correspondente ao sinal, o que representa o efeito de inércia de uma indutância.

A velocidade com que o capacitor Cx responde a esta corrente de realimentação é que determinará seu efeito de inércia e, portanto, o efeito de indutância, o que quer dizer que, na verdade este componente passa a se comportar como uma indutância.

O potenciômetro no circuito de controle permite que maior ou menor parte do sinal vá para o girador e, portanto, seja equalizado.

É interessante observar que dada a elevada impedância de entrada de um amplificador operacional como o usado num circuito típico de equalização, permite o uso de pequenos capacitores mesmo para a simulação de grandes indutâncias.

Assim, para um canal de 32 Hz, quando normalmente seria necessário um indutor de alguns Henries numa aplicação convencional, com um girador, o capacitor terá apenas 56 nF, como no circuito da figura 8.

 

   Figura 8 – Canal de 32 Hz
Figura 8 – Canal de 32 Hz

 

Para outras freqüências deve-se aplicar uma proporção inversa o que permite o cálculo fácil dos componentes para a elaboração de um excelente projeto de equalizador gráfico.

Um excelente integrado que pode ser usado para este circuito e que consiste em 2 amplificadores operacionais no mesmo invólucro é o MCf458 (dois 741).

Ref: op Amp. Circuit Design & Applications - Joseph Carr - Tab Books no 787 - 1976.