Em 1986 publicamos um projeto muito simples que logo se tornou um sucesso muito grande, tanto que passamos a utilizá-lo como primeiro projeto de nosso curso de mecatrônica.

O projeto que até hoje é muito interessante, pode ser implementado nos cursos e nas oficinas makers com pouco custo tem um atrativo especial que agrada em especial os jovens, os chamados “geninhos do mal”, ou Evil Genius que são aqueles malvados que gostam de fazer brincadeiras com os outros, em especial as que envolvam algum tipo de malvadeza.

E, falando de tecnologia que envolva eletricidade, qual é a primeira malvadeza que vem na cabeça de nossos leitores. Sim, “dar um choque nos outros”.

Desta forma, nosso projeto fez sucesso e ainda faz justamente por isso. Ele é um jogo, seguindo o tema desta edição, mas é um jogo de habilidade que, quem erra é castigado com um choque.

Fez muito sucesso e até quase tive problemas por isso. De fato, logo da primeira vez em que ensinei a montagem para meus alunos do primeiro colegial de Colégio Mater Amabilis de Guarulhos- SP, um deles, esse sim um geninho do mal, resolveu aplicar um choque justamente na diretora da escola, uma simpática, mas severa, senhora de certa idade.

Não deu outra! Na hora de passar o argola pelo arame o choque foi inevitável e quase perco o emprego por ensinar essas “coisas perigosas” para os aluno.

Mas, não era perigosa se bem que desagradável para quem leva o choque, conforme vocês vão ver. Os professores podem até aproveitar este artigo para fazer uma apostila para sua aula, pois nele incluiremos as explicações que tornam a montagem didática e ligada ao ensino de física do primeiro ano do ensino médio. Daremos dicas de como obter componentes. Vamos lá.

Finalidade do jogo

Ideia é apresentar ao competidor uma caixinha da qual saem fios, ligados a uma argolinha de metal e a um arame tortuoso, conforme mostra a figura 1.

 

Figura 1 – O jogo
Figura 1 – O jogo | Clique na imagem para ampliar |

 

 

O jogador deve então passar a argolinha pelo arame segurando um em cada mão sem deixar que um encoste no outro. Você vai alertá-lo de que isso ocorrer a lâmpada acenderá o aparelho emitirá som.

Avisar o jogador sobre o castigo fica a critério do leitor, já que o fator surpresa pode ser bastante interessante se você deseja se divertir às custas de algum amigo. Você poderá, por exemplo, dizer que o circuito "apitará" se ele errar, ou, ainda poderá colocar em algum ponto da caixinha ou base de madeira uma lâmpada que servirá somente para enfeite.

No momento em que um encostar no outro, o jogador levará um belo choque!

 

 

O choque elétrico e o Transformador

 

Com esta montagem aprenderemos dois conceitos muito importantes relacionados com a eletricidade. O primeiro é o choque elétrico e o segundo é o princípio de funcionamento do transformador. O Professor Ventura Explica e o Eltron mostra.

Um choque elétrico só ocorre se houver a circulação de uma corrente e uma corrente só pode circular se existirem dois pontos em que exista uma diferença de tensão elétrica ou diferença de potencial. A terra costuma ser um dos pontos para os quais a corrente pode fluir. Assim, se você estiver isolado da terra e sem contacto com qualquer corpo, você pode tocar num fio em que exista uma tensão elétrica sem tomar choque, conforme mostra a figura 2.

 

 

Figura 2 – Não há choque
Figura 2 – Não há choque

 

Mas, se você tocar em dois pontos ou em dois fios entre os quais exista uma diferença de potencial e a corrente pode circular pelo seu corpo. O resultado é que você toma um choque, conforme mostra a figura 3.

 

Figura 3 – Há percurso para a corrente e o Eletron leva um choque.
Figura 3 – Há percurso para a corrente e o Eletron leva um choque.

 

Da mesma forma, se você tocar num fio que tenha uma certa tensão e não estiver isolado da terra, uma corrente pode circular e você toma um forte choque, conforme mostra a figura 4.

 

Figura 4 - A corrente vai para a terra e ocorre o choque
Figura 4 - A corrente vai para a terra e ocorre o choque

 

 

Veja então que um procedimento comum entre os eletricistas é que, sempre que tiverem dúvidas, ao tocar em qualquer local que possa estar energizado, sempre o fazerem com uma das mãos, mantendo a outra sem tocar em nada.

Também vale a observação de que nem sempre sapatos com solas de borracha ou outro isolante impedem que ocorra o choque. Outro ponto importante a respeito do choque refere-se à intensidade da corrente.

A corrente é a quantidade de eletricidade que passa por um local e ela é determinada com a força com que ela é empurrada. Esta força ou pressão recebe o nome de tensão. Assim, a corrente depende da tensão. Uma corrente será tanto maior quanto maior for a tensão e as duas dependem do fato do local em que ela passar deixar que isso ocorra com maior ou menor facilidade, ou seja, da resistência.

A pele humana é um isolante razoável, o que significa que ela dá uma certa proteção contra os choques, mas se estiver molhada sua resistência diminui. Assim, para a pele seca, em geral, é preciso uma tensão de pelo menos uns 40 volts para se ter uma corrente que excite o sistema nervoso e comece a nos dar uma sensação desagradável. Uma corrente muito intensa, pode causar a morte.

 

 

Como Funciona o Nervoteste

 

Os transformadores são componentes formados por dois enrolamentos de fio esmaltado fino num núcleo comum, que pode ser feito de chapas de metal, conforme mostra a figura 5.

 

Figura 5 - O transformador
Figura 5 - O transformador

 

 

Na figura 6 representamos este componente por seu símbolo, observando-se a existência de um enrolamento primário e um enrolamento secundário.

 

Figura 6 – O símbolo usado para representar o transformador
Figura 6 – O símbolo usado para representar o transformador

 

 

Os transformadores podem alterar a tensão aplicada ao seu enrolamento primário conforme a relação entre o número de voltas de fio dos dois enrolamentos. Por exemplo, se o primário tiver 100 voltas e fio e o secundário 10 000 voltas (uma relação de 1:100) a tensão aplicada ao primário aparece no secundário multiplicada por 100. Assim, se aplicarmos 1,5 V no primário, teremos 150 volts no secundário!

A transferência e alteração da energia nos enrolamentos se faz através do campo magnético no núcleo, mas isso precisa ser na forma de um fenômeno dinâmico.

Se simplesmente ligarmos a pilha no primário, não teremos alta tensão no secundário. É preciso que a pilha fique sendo ligada e desligada constantemente para que a corrente varie e assim teremos a indução de alta tensão no outro enrolamento.

Isso significa que os transformadores não funcionam com correntes que não variam (contínuas) mas apenas com correntes que variam. Os transformadores são, portanto, utilizados nos circuitos de corrente alternada. Eles servem, por exemplo, para converter 110 V em 220 V, 220 V em 110 V e em muitos outros casos.

A construção deste dispositivo é extremamente simples não exigindo mais do que dois componentes, e sua instalação pode ser feita quer seja numa base de madeira ou numa caixinha.

Devemos, entretanto, já alertar o montador que a caixinha deve ser material inquebrável, pois com frequência o susto tomado pelo jogador ao levar o choque, faz com que os fios sejam puxados violentamente o que torna possível a caixa ser levada junto e levar tombos bastantes fortes que poderiam quebra- la com facilidade.

Veja que nas condições normais e utilizando na sua operação uma tensão alternada aplicada a um dos enrolamentos de modo que sempre teremos uma tensão no segundo, pois a tensão alternada faz circular uma corrente que varia constantemente de intensidade, ou seja, inverte de sentido cerca de 120 vezes por segundo.

No nosso caso, como usaremos uma pilha e a pilha não fornece uma corrente de intensidade variável, a indução de tensão e, portanto, o choque só pode ocorrer nos instantes exatos em que o jogador encosta a argola no arame tortuoso ou ainda a desencosta. (momentos em que a corrente é estabelecida ou desligada);

Se a argola for mantida firmemente encostada no fio tortuoso, ele não tomará choque algum.

 

 

Montagem

 

O transformador usado em nosso circuito é do tipo encontrado na saída de rádios a válvula. Consta ele de dois enrolamentos feitos num núcleo de ferro laminado. Cada enrolamento apresenta duas pontas onde são feitas as ligações externas. (figura 7)

 

Figura 7 – Identificando os fios dos enrolamentos
Figura 7 – Identificando os fios dos enrolamentos

 

 

A relação entre as espiras dos dois enrolamentos, denominados primário e secundário é de 1:40 ou 1:60 o que quer dizer que podemos obter de 60 a 90 volts a partir de uma pilha de 1,5 Volts. O leitor poderá adquirir esse transformador pedindo por um “transformador de saída para a válvula 6V6 ou 50C5" encontrado em rádios antigos abandonados.

 

Obs. Nas versões atuais usamos um transformador de 110 x 6 V com 200 a 500 mA. (Veja no link o contato de nosso fornecedor, Keletron Fontat, pois ele pode vender pequenas quantidades para sua escola se quiser usar em suas aulas)

 

Devemos observar que no transformador temos 4 fios que correspondem aos dois enrolamentos. Os dois fios de capa plástica correspondem ao enrolamento com maior número de espiras e, portanto, onde será obtida a alta tensão.

O enrolamento de menor número de espiras termina pelo próprio fio esmaltado com que é enrolado. Ao se fazer a soldagem dos fios desse enrolamento, suas pontas devem ser raspadas de modo que o esmalte que as recobre seja removido. A pilha é a fonte de alimentação do circuito, devendo ser usada uma pilha grande, de lanterna, para maior durabilidade, já que a corrente consumida pelo circuito é razoável.

Para a montagem, como ferramentas, tudo que o leitor necessitará será de um ferro de soldar de pequena potência (30 Watts), de um alicate de corte e outro de ponta, e uma chave de fenda. Na verdade, como o trabalho realizado com o soldador é muito simples e não crítico, esta é uma montagem ideal para se ensinar a solda.

O aparelho é montado sobre uma base de madeira (caso o leitor queira pode usar uma caixinha, conforme sugerido) de 10 x 10 cm, e os componentes são fixados por, meio de parafusos com porcas.

Para as conexões oriente-se pela figura. O principal ponto a ser observado é em relação a posição do transformador, cujo enrolamento de menor número de espiras (que termina em fio esmaltado) deve ficar do lado da pilha (figura 8)

 

Figura 8 – A montagem feita numa base de madeira, papelão ou plástico
Figura 8 – A montagem feita numa base de madeira, papelão ou plástico | Clique na imagem para ampliar |

 

 

A pilha poderá ter seus terminais diretamente soldados em um terminal simples que pode ser cortado de uma ponte de terminais, já que poderá haver certa dificuldade em se obter um suporte para uma única pilha em nosso mercado.

As conexões entre os componentes podem ser feitas por meio de fio flexível (cabinho) ou ainda por meio de fio rígido, enquanto a conexão a argola e arame tortuoso deve ser feita com cabinho. A argola não oferece dificuldades para elaboração. Use fio rígido 14 ou 16 removendo sua capa plástica, dobrando-o e soldando-o no ponto da argola.

 

 

Sequência para a montagem

 

Na figura 9 temos o diagrama do nervo teste, onde os componentes são representados pelos seus símbolos.

 

Figura 9 – Diagrama
Figura 9 – Diagrama

 

 

 

Procedimento:

 

Corte o pedaço de 2 metros de fio flexível encapado em 3 partes iguais, dobrando-o conforme mostra a figura 10.

 

Figura 10 – O arame tortuoso
Figura 10 – O arame tortuoso

 

 

Um desafio interessante, antes de mostrar como se faz, é propor que o fio deve ser cortado em três pedados sem se usar nenhum recurso para medida.

Depois, descasque aproximadamente 0,5 cm das pontas dos três pedaços de fio, conforme mostra a figura 11.

 

Figura 11 – Descascando as pontas
Figura 11 – Descascando as pontas

 

 

Para o fio grosso pode ser usado o fio rígido telefônico, pois os fios rígidos mais grossos não mais são feitos. Este fio de 12 a 15 com deve ser deixado com uma parte encapada. No kit de meus alunos, já mandava o fio pronto cum um pedaço encapado de uns 5 a 6 cm.

Assim. um dos fios grossos estará com uma parte encapada. Enrole nela o fio fino desencapado, conforme mostra a figura 12. Não deixe o fio fino encostar em qualquer parte desencapada do fio grosso.

 

Figura 12 – O fio tortuoso
Figura 12 – O fio tortuoso

 

 

Dobre a parte desencapada do fio de modo a formar curvas, por onde a argola deve passar. A figura 13 mostra como isso deve ser feito.

 

Figura 13 – Entortando o fio
Figura 13 – Entortando o fio

 

Solde nas pontas deste eletrodo dois pedaços de fio previamente preparados, conforme mostra a figura 14.

 

Figura 14 – Soldando dois pedaços de fios encapados
Figura 14 – Soldando dois pedaços de fios encapados

 

 

Agora, faça a argola de fio rígido com aproximadamente 1 cm de diâmetro e solde nela o pedaço de fio flexível restante, conforme mostra a figura 15.

 

Figura 15 – Preparando a argola
Figura 15 – Preparando a argola

 

 

Finalmente, solde as pontas dos três fios ao transformador e pilha, para ficar como mostra a montagem final na figura 16. Se tiver dúvidas quanto às cores dos fios do transformador e a posição da pilha, pergunte ao professor.

 

Figura 16 – A montagem pronta (observe as cores dos fios)
Figura 16 – A montagem pronta (observe as cores dos fios)

 

 

Se quiser, pode colocar o transformador e a pilha dentro de uma caixinha, protegendo sua montagem e evitando puxões dos fios quando as pessoas tomarem choques.

 

 

Testando e Utilizando o Nervoteste

 

Para testar o nervoteste basta tentar passa a argola pelo fio tortuoso sem deixar encostar. Se você encostar vai levar um choque! Ao usar nunca deixe o fio da argola encostado no fio tortuoso pois isso causa o desgaste da bateria. Ao guardar o nervoteste sempre o faça com os dois fios bem separados. Se a argola ficar encostada no fio tortuoso a pilha se esgotará.

Para que eles não saibam o que vai acontecer na primeira vez, diga que o circuito vai “apitar” se ele errar...

 

 

Choque coletivo

 

Uma brincadeira consiste em fazer a competição do Nervoteste coletiva com o choque em diversas pessoas, conforme mostra a figura 17;

 

Figura 17 – Choque coletivo
Figura 17 – Choque coletivo

 

 

Faça uma roa com seus amigos e os extremos seguram um a argola e o outro o fio tortuoso. No erro todos tomam o choque com igual intensidade. Pode explicar o motivo?

 

Nota importante: não deixe pessoas que usam marca-passo brincar com esse aparelho.

 

B1 -1 pilha média ou grande (C ou D)

T1 - 1 transformador (ver texto)

2 metros de fio flexível (cabinho)

1 pedaço de fio rígido de 50 cm

1 pedaço de fio desencapado fino de 20 cm

Solda

 

Figura 18 – Foto do kit que ainda tenho e que usava com meus alunos. Se preparem, pois vou usar em oficinas em que faremos para dar choques nos outros.
Figura 18 – Foto do kit que ainda tenho e que usava com meus alunos. Se preparem, pois vou usar em oficinas em que faremos para dar choques nos outros.

 

 

 

Links:

Keletron – fabricante do transformador (número 001 – saída simples - indicado)

http://www.yojikonda.com/