Nas aplicações modernas, principalmente as que envolvem os sistemas de comunicações sem fio, a análise dos sinais não se limita a uma única freqüência mas sim a uma gama relativamente ampla de freqüências. Além de instrumentação apropriada como o analisador de espectro e mesmo o osciloscópio, o profissional deve estar apto a interpretar os resultados em função das características do instrumento usado, sabendo se seu uso foi ou não apropriado para a análise. Com as informações que damos neste artigo, baseado em material da Agilent Technologies, acreditamos poder ajudar o leitor a usar melhor os instrumentos de que dispõe. Esse artigo complementa o da artigo da edição anterior em que analisamos as diferenças entre um Analisador de Espectro por Varredura (sweep) e um FTT.
Em artigo publicado anteriormente, vimos que os analisadores de espectro podem operar segundo duas tecnologias: varredura (sweep) e Transformada Rápida de Fourier (FFT).
Que vantagens um instrumento tem sobre o outro, foi o assunto do artigo, mas naquela oportunidade não entramos em detalhes como funciona um analisador que opere segundo a tecnologia FFT.
Visando fornecer informações sólidas aos leitores que fazem uso deste tipo de instrumento, preparamos então dois artigos que analisam as principais vantagens e a maneira como um analisador FFT opera.
Acreditamos que o assunto vai fornecer ao leitor informações de grande interesse para seu trabalho com analisadores de espectro.
A Transformada Rápida de Fourier (FFT)
A FFT é um algoritmo para a transformação de dados no domínio das freqüências. Trata-se de algo que justamente desejamos que um analisador de espectro faça.
No entanto, não é tão simples implementar esse recurso num instrumento prático, conforme veremos no decorrer deste artigo.
Existem diversos problemas a serem considerados.
Um deles é que, se forem necessários muitos cálculos para fazer a transformação, o poder de computação do circuito se torna grande demais, exigindo um computador poderoso para se obter resultados precisos.
O aumento da capacidade de processamento dos microprocessadores, entretanto, está tornando viável a implementação de analisadores cada vez mais poderosos.
Deve-se levar em conta que, o processo de digitalização dos sinais analisados não é feito de maneira contínua, mas sim por amostragens no domínio das freqüências, conforme mostra a figura 1.
Tempo de Gravação
O tempo de gravação é definido como o número N de amostras igualmente separadas obtidas da entrada.
Para que N torne simples, e rápido o uso do algoritmo, normalmente é utilizado um número múltiplo de 2, por exemplo, 1024.
A figura 2 mostra como isso é feito, transformando um sinal em um bloco completo de linhas de freqüências.
Todas as amostras do tempo de gravação devem computar cada tempo no domínio das freqüências.
O bloco de processamento FFT deve interpretar esses blocos perfeitamente, para que a análise do sinal possa ser feita.
É importante observar que a FFT precisa do total de blocos amostrados, para que haja informação suficiente para a análise dos resultados no domínio de freqüência.
No entanto, uma vez completo, as amostras “mais velhas” podem ser descartadas, e novas amostragens acrescentadas num processo de deslocamento, conforme mostra a figura 3.
Observe que um novo espectro é criado a cada amostragem, o que significa uma grande quantidade de informações, que são processadas rapidamente.
Esse processamento inclui milhares de transformações por segundo.
Número de Linhas
Uma propriedade da FFT é que ela pode trabalhar com apenas duas linhas sucessivas das N linhas obtidas no processo de amostragem.
Essas linhas trazem informações sobre a amplitude a fase dessas duas linhas.
A figura 4 mostra uma imagem tridimensional da relação entre fase e amplitude de duas linhas amostradas.
Estamos usando como exemplo fase e amplitude de sinais componentes senoidais.
Veja que essa informação é importante, pois a posição dessas componentes determina a forma final do sinal analisado.
Na figura 5 mostramos o que ocorre se deslocarmos levemente as fases dos sinais senoidais que formam um sinal analisado.
O Espaçamento entre as Linhas
Temos então N/2 linhas igualmente espaçadas do domínio das freqüências. A freqüência mais baixa que podemos resolver com um analisador de espectro FFT deve ser calculada com base na duração do tempo de amostragem gravado.
A figura 6 mostra que, se o período do sinal da entrada é maior do que o tempo de gravação, não temos meios de determinar seu período, e conseqüentemente sua freqüência.
Assim, a menor freqüência não é zero hertz, apesar de existir essa linha de referência no equipamento.
As características do instrumento vão indicar qual é a menor freqüência real que ele pode amostrar.
A Faixa de Freqüências do FFT
A freqüência máxima com que podemos trabalhar num instrumento FFT é dada por:
fmax = N/2 (1/T)
Onde:
T é período do tempo de gravação ou amostragem
Veja que temos N/2 linhas espaçadas pelo recíproco do tempo de gravação, a partir de zero Hertz.
Assim, ao realizar uma medida, como ela sempre parte de zero hertz, devemos ajustar fmax.
O número de amostragens vai ser então determinado pelo algoritmo FFT implementado no instrumento.
É importante manter o número de amostragens por ciclo do sinal constante.
Por isso, quanto maior for a freqüência do sinal amostrado, maior deve ser a taxa de amostragens. A figura 7 mostra o que ocorre.
Veja que menor número de amostragens permite obter mais linhas de informações, e com isso uma precisão maior do instrumento.
Se analisarmos o sinal de entrada que está sendo amostrado, vemos que ele consiste numa tensão analógica.
Como o FFT precisa de amostras digitalizadas, um circuito de amostragens deve ser inserido no circuito.
Esse circuito consiste num ADC, conforme mostra a figura 8.
Para obtermos precisão nesta tarefa, deve ser usado um ADC muito bom.
Para os multímetros comuns que operam segundo esse princípio, uma faixa dinâmica de 70 dB é suficiente para as aplicações comuns, o que significa uma resolução de 12 bits, mas para um analisador de espectro, isso é pouco.
Um analisador de espectro precisa de uma velocidade de amostragem muito maior, para evitar o problema denominado “engano”, ou se adotarmos o termo em inglês “alias”.
O problema do “alias” é inerente de todos os sistemas que operam com a amostragem digital de sinais, devendo ser analisado com extrema cautela, pois pode levar a resultados realmente enganosos como o próprio nome sugere.
Exemplo de Aliasing
Para entender o que ocorre num processo de amostragem em que o fenômeno do engano ou falseamento se manifesta, vamos tomar como exemplo o sinal da figura 9.
Esse sinal vem de um termopar ligado a um voltímetro digital que, por sua vez, tem sua saída ligada a uma impressora.
O sistema é programado para imprimir a temperatura amostrada a cada 1 segundo.
Se a temperatura do sensor não variar muito como, por exemplo, a temperatura de uma sala, os valores impressos estarão muito próximos do real, conforme mostra a figura 10.
No entanto, se tivermos oscilações que sejam mais rápidas, ou muito próximas de 1 segundo para a temperatura, o sistema será “enganado”, com uma falsa indicação dos valores impressos, conforme mostra a figura 11.
Neste processo estarão faltando indicações de temperaturas resultando assim numa falsa curva de variação registrada pela impressora.
O Fenômeno do “Alias” no Domínio das Freqüências
Os resultados errôneos na conversão de temperatura que vimos, devido ao denominado fenômeno do “Alias”, podem ser analisados no domínio das freqüências a partir da figura 12.
Dois sinais são ditos “enganosos” se a diferença de freqüências entre eles cai numa determinada faixa de valores.
Essa diferença de freqüências é gerada sempre no processo de amostragem.
Na figura 12, conforme pudemos ver, a freqüência de entrada é levemente maior do que a freqüência de amostragem, de modo que um termo de muito baixa freqüência é gerado.
O fenômeno do “alias” não é sempre prejudicial.
Nos circuitos analógicos ele pode ser chamado de “mixagem” ou “heterodinagem” e ser usado com finalidades importantes como, por exemplo, no caso dos receptores de rádio.
No entanto, quando tratamos de amostragens em circuitos digitais, sua presença é indesejável. Devemos evitá-lo.
A figura 13 mostra o que acontece quando fazemos a amostragem numa freqüência maior do que duas vezes a freqüência do sinal de entrada.
Os produtos que podem causar enganos não caem na faixa de freqüências do sinal de entrada.
Com isso, um filtro ou um processador FFT que funcione como filtro, pode eliminar esses produtos, deixando passar apenas os sinais que interessam, se a freqüência de amostragem for pelo menos duas vezes maior que a freqüência de entrada.
Se a freqüência de amostragem for menor que duas vezes a freqüência do sinal, os produtos que podem causar erros vai cair na faixa de freqüências do sinal de entrada e não poderão ser filtrados.
A menor taxa amostragem que pode ser usada sem, que esse problema ocorre é denominado “Critério de Nyquist”.
É fácil perceber que, na prática, uma freqüência exatamente duas vezes maior que a freqüência do sinal de entrada pode não ser suficiente para dar bons resultados.
Duas amostragens apenas por período podem não recolher informação suficiente para se obter um retrato preciso do que está ocorrendo com o sinal.
A figura 14 mostra como o uso de uma freqüência de amostragem maior que duas vezes a freqüência do sinal, é suficiente para manter a informação que define o sinal de entrada.
Por que usar um Filtro Anti-Alias?
No mundo real os sinais não estão restritos a uma faixa de freqüências pequena. Os sinais da rede de energia, por exemplo, podem conter harmônicas que se estendem para muito além do que pode alcançar a capacidade de manuseio de um circuito de amostragem.
Para evitar que freqüências que estejam acima da capacidade de manuseio dos circuitos, e que poderiam falsear os resultados, é preciso usar um filtro anti-alias, conforme mostra a figura 15.
Esse filtro, conforme sugere a figura 16, deixa passar sem atenuação os sinais das freqüências que devem ser analisadas, impedindo a passagem dos sinais que poderiam falsear os resultados.
Conforme podemos ver, como não é possível construir um filtro ideal, o que temos é uma atenuação a partir de uma certa freqüência, obtendo-se assim uma banda de transição.
Um sinal muito forte que não sejam devidamente atenuados, podem ainda ter componentes fortes na banda de transição, as quais não são totalmente atenuadas, causando assim erros.
Mais de um Filtro
Conforme vimos, a taxa de amostragem depende da freqüência do sinal de amostrado de modo a se evitar o espalhamento de freqüências de um analisador. Para reduzir o espalhamento de freqüência, deve-se reduzir a taxa de amostragem, o que significa que também é preciso reduzir a freqüência do filtro anti-alias na mesma proporção.
Como os analisadores de espectro são construídos para operar numa faixa muito ampla de freqüências, é necessário que eles possuam recursos para também poderem reduzir o espalhamento de freqüência.
Os analisadores típicos possuem espalhamentos de 1 Hz até um máximo de dezenas ou centenas de quilohertz.
Uma faixa de quatro décadas deve ser coberta com pelo menos três espalhamentos por década. Isso significa a existência de pelo menos 12 filtros anti-alias para cada canal.
Esses filtros devem ter excelente performance. Suas bandas de transição devem ser as mais estreitas possíveis, de tal forma que produtos anti-alias sejam reduzidos ao máximo.
Filtragem Digital
Uma alternativa que é mais simples e barata para a filtragem, e que pode ser usada com um único filtro anti-alias, pode resultar em bom desempenho para os analisadores. Essa alternativa faz uso de “filtros digitais”.
Esses filtros trabalham com os sinais depois que eles são digitalizados, conforme mostra a figura 17.
Quando o circuito de filtragem usado é analógico, deve ser usado um novo filtro cada vez que a taxa de amostragem do ADC muda.
Para a filtragem digital, a taxa de amostragem do ADC é mantida constante na velocidade exigida pelo espalhamento da componente de maior freqüência do sinal.
Esse tipo de filtro é conhecido como “filtro de decimação”, porque ele não apenas filtra a representação digital do sinal para o espalhamento desejado de freqüências, como também reduz a taxa de amostragem em sua saída para o valor para o espalhamento de freqüência necessário.
Assim, num analisador de dois canais, os filtros dos dois canais são iguais, tornando mais fácil o projeto para operação em muitas freqüências. Levando em conta tudo isso, o uso do filtro digital significa economia, quando comparado com a solução analógica.
Análise de Banda Selecionável
Imagine que você precisa analisar um sinal que tenha uma freqüência muito próxima de um outro que é muito mais forte. Por exemplo, desejamos medir a componente de 60 Hz da rede de energia presente num sinal de 20 kHz.
Levando em conta o que vimos da FFT, que nos mostra que ela se comporta como um conjunto de filtros, partindo de zero hertz e com freqüências igualmente espaçadas podemos entender melhor como fazer isso.
Vemos que em função disso, a resolução de freqüência que obtemos é limitada à freqüência máxima dividida pelo número de filtros.
Assim, para resolver as bandas laterais de 60 Hz num sinal de 20 kHz, precisaremos de 333 linhas (ou filtros) do FFT. Duas ou mais linhas serão necessários para medir com precisão as linhas laterais.
Os analisadores dinâmicos típicos possuem entre 200 e 400 linhas de resolução, o que não é suficiente para medidas precisas. Para aumentar o número de linhas, o custo do instrumento aumentaria de modo significativo.
Mesmo se estivéssemos dispostos a pagar a diferença, haveria ainda um problema a considerar: com um display de 10 cm as bandas laterais estariam 0,25 mm apenas separadas da portadora.
Uma maneira melhor de resolver o problema é concentrar os filtros numa faixa de freqüências mais estreita que seja do nosso interesse, conforme mostra a figura 18.
Se escolhermos de modo apropriado a freqüência mínima e a freqüência máxima, podemos ter um efeito de “zoom” na parte do sinal que nos interessa.
Essa capacidade é denominada “band selectable analysis” ou PSA, que em português poderia ser traduzido como analise de banda selecionável.
Esse recurso é implementado mixando ou heterodinando o sinal de entrada, de modo a baixar sua freqüência para o espalhamento FFT selecionado. Esse processo é semelhante ao que se faz com sinais de rádio em receptores super-heteródinos.
No FFT, entretanto, existem algumas diferenças, conforme mostra a figura 19.
Num receptor de rádio, o mesmo sinal é usado para mixar uma tensão analógica.
Num analisador dinâmico, a mixagem é feita depois que a entrada foi digitalizada.
Dessa forma, o sinal senoidal adicionado é uma série de número digitais aplicados a um circuito multiplicador.
Isso significa que o resultado da mixagem é um sinal digital muito preciso e estável.
Não é Tudo
Mas, para chegarmos às vantagens de um analisador que use a FFT precisamos ir além. No próximo artigo da série, continuamos a analisar esse assunto de grande importância para quem usa esse tipo de instrumento.