Estamos passando por um momento em que grandes transformações começam a ocorrer nas tecnologias da televisão. Da TV analógica, que por quase um século utilizamos de maneira muito ampla, estamos caminhando rapidamente para a adoção da tecnologia digital. No entanto, os princípios que regem o funcionamento da TV analógica ainda não são bem conhecidos de muitos dos nossos leitores. Como a imagem é explorada e transmitida? Que tipo de sinal temos na transmissão de uma imagem na TV analógica? Neste artigo fazemos uma breve análise do princípio de funcionamento da TV analógica, um material que pode ser de grande valia para se entender melhor a TV digital.(2003)
Podemos entender melhor o princípio de funcionamento da TV analógica se partirmos do modo como as imagens são reproduzidas no cinema.
Na projeção de um filme o que se faz é projetar fotos (denominadas fotogramas) em seqüência tal que cada contenha a cena num determinado instante.
O intervalo entre os instantes em que as fotos são tomadas são muito pequenos, o faz com que nossos olhos não consigam distingui-las de modo separado, mas sim de modo "emendado".
O resultado é que não temos não a percepção das imagens se sucedendo uma a uma mas sim, uma seqüência continua com a sensação de movimento.
A figura 1 mostra o que ocorre.
Um mecanismo denominado “cruz de malta” corta a luz no momento em que os fotogramas são trocados.
A velocidade mínima de projeção de 16 fotogramas por segundo é determinada por uma propriedade da visão humana denominada "persistência retiniana".
O que ocorre é que as imagens registradas pelos nossos olhos persistem na retina por pelo menos 1/16 segundos.
Para transmitir imagens por sinais elétricos temos de usar uma técnica diferente.
As informações correspondentes aos detalhes da imagem precisam ser enviadas serialmente e isso pode ser conseguido pela sua decomposição em pontos e linhas que possam ser varridas ou lidas por um sistema exploratório.
No Brasil adota-se o sistema M onde as imagens de TV são divididas em 525 linhas que são lidas uma a uma em seqüência, conforme sugere a figura 2.
Devemos observar que 31,5 dessas linhas são desconsideradas para dar tempo do sinal retornar ao início da tela seguinte de modo a começar um novo fotograma.
Isso significa que na prática temos apenas 493,5 linhas visíveis na tela.
Tomando como base uma imagem em branco e preto (que é mais fácil de analisar), o que se faz é ler os pontos de cada linha gerando assim um sinal cuja intensidade seja análoga à sua luminosidade, conforme ilustra a figura 3.
Assim em cada "um quadro" (que corresponde ao fotograma) temos uma sequência de linhas, cada uma gerando um sinal que corresponde à intensidade que cada ponto dessa linha deve ter.
Para que não percebamos a transição das imagens são transmitidos 30 quadros em cada segundo.
Para a reprodução temos um processo inverso.
O televisor recebe os sinais correspondentes a cada linha e os coloca na tela na mesma sequência com que foram gerados.
Desta forma são reproduzidos os 30 quadros por segundo velocidade suficiente para que nossos olhos percebam a passagem de um para outro.
No caso de imagens em cores temos um sistema mais sofisticado mais pois, além da intensidade luminosa de cada ponto de imagem de uma linha, é preciso saber também qual é a sua cor.
Isso é feito com a produção de dois sinais que são transmitidos simultaneamente, conforme mostra a figura 4.
O primeiro sinal corresponde a luminosidade do ponto, ou seja, quanto de brilho ele apresenta e é denominado "luminância".
O segundo indica quanto de cada cor fundamental entra na composição desse ponto para lhe dar a cor original.
Dosando as três cores básicas (RGB) que são obtidas por meio de filtros na câmara podemos transmitir por um sinal separado a informação da cor de cada ponto que deve ser reproduzido num sinal denominado "matiz".
No sistema de TV tradicional (analógico), os circuitos dos televisores monocromáticos (branco e preto) só reconhecem o sinal de luminância e por isso reproduzem a cena em tons de cinza (do branco ao preto).
Nos televisores em cores existem circuitos que reconhecem o sinal de matiz e com isso acionam o sistema reprodutor de cores que trabalha com um cinescópio tricromático.
Nesse cinescópio, conforme mostra a figura 5, em cada ponto de uma linha existem três pontos coloridos ou "tríade" que correspondem às cores que devem fazer a sua reprodução.
Evidentemente, todo esse processo é muito rápido, de modo que uma imagem inteira é explorada e reproduzida num tempo de apenas 1/30 segundos, o que faz que nosso cérebro perceba apenas uma imagem contínua em movimento.
Na verdade, cada quadro é transmitido em duas etapas ou dois “campos”.
Assim, para formar um quadro primeiro transmite-se um campo com as linhas ímpares e depois com as pares.
Isso resulta numa taxa de reprodução de 60 campos por segundo o que ajuda a diminuir o fenômeno denominado cintilação.
Na TV digital tanto a exploração como a reprodução se mantém.
O que vai mudar é modo que os sinais são transmitidos e recebidos além do número de linhas que, aumentado, possibilita a obtenção de imagens mais nítidas.
Veja que a nitidez de uma imagem está diretamente ligada ao número de linhas transmitidas (que é fixo) e ao número de pontos de cada linha (que depende da qualidade dos circuitos receptores).
Formatos e Padrões
Para a transmissão das imagens de TV foram adotados diversos padrões que são adotados em diversos países do mundo.
O primeiro ponto a ser observado é que as imagens comuns de TV analógica possuem um sistema de exploração entrelaçada.
Isso significa que, numa primeira exploração ou varredura da imagem, apenas as linhas ímpares são exploradas e transmitidas. Numa segunda varredura, apenas as linhas pares.
Obtemos então os quadros entrelaçando essas linhas pares e ímpares.
Cada quadro é então formado por campos, ou seja, conjuntos de linhas pares ou ímpares, conforme mostra a figura 6.
O número de linhas e de quadros (e campos) é estabelecido por padrões que vigoram em diversos países de formas diferentes.
No Brasil o padrão adotado é o M com 525 linhas, das quais 31,5 são reservadas para o tempo de retorno da varredura, o que significa um sinal com a forma mostrada na figura 7.
Em outros países podemos encontrar números diferentes de linhas que dependem da freqüência da rede da energia, além de outros fatores, como por exemplo sistemas de 405, 625 e 819 linhas.
O formato da tela na TV tradicional é o 3 x 4, ou seja, a relação entre a altura e a largura da imagem é 3 x 4, conforme mostra a figura 8.
No entanto a TV digital ou TV de alta definição (abreviada por HDTV) tem um formato de 16 x 9, conforme mostra a figura 9.
Para a transmissão da imagem em cores existem basicamente tres sistemas: NTSC (adotado nos Estados Unidos e outros países), PAL (adotado na Europa e no Brasil) e o SECAM (adotado na França).
No Brasil temos então a adoção do PAL-M para as nossas transmissões de TV analógica.
Para a TV digital, no momento em que essa lição foi produzida ainda não havia sido definido o padrão a ser adotado.
Sincronismo
Para que haja uma correta reprodução das imagens no televisor o sinal da câmara deve estar absolutamente sincronizado com o sinal que reproduz a imagem.
Em outras palavras, quando a câmara estiver explorando a primeira linha da imagem de um campo (metade de um quadro), o feixe de elétrons que reproduz essa imagem no televisor remoto deve estar varrendo também a primeira linha.
Isso exige tanto que as frequências de exploração dos sinais na câmara sejam iguais como também as frequências de exploração do receptor de TV também.
Também devem existir sinais que ajudem o receptor a ter uma referência para sincronizar sua varredura, ou seja, para que ele saiba exatamente quando começa uma nova linha e quando começa um novo campo.
Assim, conforme mostra a figura 10, no início de cada linha é transmitido um pulso de sincronismo horizontal, ou seja, um pulso que indica ao receptor quando começa uma linha e no final de cada campo é emitido um pulso de sincronismo vertical, que indica que ao receptor quando começa um quadro novo.
As frequências dos dois sincronismos são determinadas pelo padrão adotado em cada país.
Para o profissional é muito importante conhecer essas freqüências e os tempos de varredura, pois eles podem ajudar a diagnosticar problemas dos circuitos, quando observados num osciloscópio ou mesmo projetar circuitos que visem reproduzir imagens num televisor.
Temos então os seguintes tempos e frequências a considerar:
Como são transmitidos 30 campos de 525 linhas a cada segundo, a freqüência de varredura horizontal nos televisores é:
fh = 30 x 525 = 15 750 Hz
O tempo de varredura, ou seja, o tempo de produção de uma linha, será então:
Th = 1/15750 = 63,5 microssegundos
Como o retorno ocupa 16% desse tempo ou o tempo de 31,5 linhas, esse tempo vale:
tr = 16% x 63,5 = 10,16 microssegundos
A frequência vertical é de 60 Hz (60 campos ou 30 quadros por segundo).
Isso corresponde a um tempo de quadro de:
tq = 1/60 = 16,67 ms
O retorno vertical dura:
trv = 0,06 x 1/60 = 1 ms
Largura de Faixa
Para transmitirmos sinais de áudio como a voz e música precisamos de uma faixa relativamente estreita do espectro.
No entanto, para transmitir uma imagem, onde existem muitos detalhes e a quantidade de pontos é muito alta, a faixa ocupada pelo sinal deve ser muito mais larga.
Essa faixa deve ser tanto mais larga quanto maior for o número de linhas, o que significa que ela varia conforme o sistema.
Para o sistema de 405 linhas precisamos de apenas 3 MHz enquanto que para um sistema de 625 linhas precisamos de 5,5 MHz.
Para as 525 linhas de nosso sistema precisamos de 4,5 MHz.
Isso significa que, se vamos transmitir as imagens por canais de rádio convencionais ou por cabo, precisamos de uma faixa bem maior, pois é necessário incluir também o sinal de áudio e dar uma margem de segurança entre um canal e outro para que eles não se interfiram.
No nosso sistema, cada canal ocupa uma faixa de 6 MHz, com a distribuição dos diversos sinais mostrada na figura 11
Veja que o sinal de cor é colocado na mesma faixa do sinal de vídeo (luminância) existindo um recurso nos próprios circuitos dos receptores que possibilita sua separação.
Veja também que os sinais de áudio podem ser multiplexados.
Isso significa que existem canais comuns que transmitem apenas um programa de áudio enquanto que outros, além de um canal estéreo (dois canais, na realidade) possuem um segundo programa de áudio (SAP – Second Audio Program) em que, por exemplo, o som original de um filme em inglês pode ser transmitido ao mesmo tempo que a dublagem.
Alocações de Freqüências
Como o espectro eletromagnético (ondas de rádio) é limitado, e para as transmissões de TV exige-se uma faixa mais larga do que para transmissão de sons, para as estações convencionais foram destinadas frequências inicialmente da faixa de VHF compreendida entre 54 e 216 MHz com 6 MHz para cada canal e um intervalo entre 88 e 174 MHz.
Essa faixa corresponde aos canais de VHF baixos e altos com frequências que vão de 54 a 216 MHz.
Com a necessidade de mais canais, a faixa de µHF a partir dos 470 MHz foi disponibilizada para os canais de 14 a 83.
O sistema de TV por cabo ampliou mais ainda o número de canais possíveis.
Como o sinal fica retido no cabo, freqüências que são usadas com outras finalidades em serviços de telecomunicações via ondas de rádio podem ser usadas sem problemas.
Assim, no sistema por cabo, temos uma alocação diferentes das freqüências num espectro diferente e muito mais amplo.
TV Digital e de Alta Definição
A TV tradicional usa sinais que são análogos à luminosidade e matiz das de cada ponto de imagem.
Trata-se, portanto de um processo analógico de transmissão.
Novas tecnologias estão surgindo e com a evolução da eletrônica digital tornou-se possível a sua aplicação também na transmissão de imagens.
Assim, a TV digital (na época de redação deste artigo em 2003) já estava sendo estudada para adoção em nosso país, com grandes vantagens em relação à TV analógica comum.
No entanto, é preciso considerar que, quando se fala em TV digital não significa que ela será totalmente digital.
Nossa visão é analógica o que quer dizer que na exploração da imagem ainda teremos processos analógicos, e a reprodução final também será analógica.
Apenas a transmissão e o processamento da imagem serão digitais.
Analisemos de forma simplificada seu princípio de funcionamento, tomando como base o diagrama de blocos da figura 12.
O sinal de vídeo que corresponde à imagem que deve ser transmitido é convertido para a forma digital.
Na amostragem cada intensidade instantânea da luminosidade e cor é convertida num valor binário ou digital.
No entanto, antes desse valor ser transmitido, ele passa por um processador que emprega um algoritmo de compressão.
A finalidade desse algoritmo é reduzir a faixa de freqüências necessária à transmissão da imagem, comprimindo a informação.
Na TV analógica cada ponto de imagem deve ser transmitido, mesmo que a tela toda num determinado instante seja preta.
Na TV digital, se houver uma grande região de uma determinada cor, em lugar de transmitir um a um todos os pontos dessa região, simplesmente transmite-se as coordenadas que delimita a região e o valor binário das cores que devem preenchê-la.
Numa tela em que exista algo em movimento com uma vasta região parada de fundo, pode-se apenas transmitir a parte que se altera, indicando a parte que se mantém fixa.
O resultado final disso, é que a faixa ocupada se torna tão pequena para um canal, que no mesmo espaço em que hoje se coloca um único canal de TV analógica, podem caber diversas transmissões simultâneas na forma digital.
Na TV digital além de não termos uma largura fixa para um programa, já que ela pode variar em função da dinâmica da imagem, ou seja, na necessidade de banda que a cena transmitida necessita, podemos no mesmo canal transmitir diversos programas.
O telespectador poderá então ao sintonizar um determinado canal, escolher qual dos programas daquele canal que está sendo transmitido naquele momento: um filme, noticiário, partida de futebol, desenho animado, etc.
Teremos a possibilidade de transmissões simultâneas.
Outra vantagem do sistema é que sendo digital, existem meios de se testar a integridade do sinal que chega.
Assim, usando um processo de redundância pode-se fazer uma imagem chegar sem distorções ao usuário que ficará então livre de problemas como chuviscos, fantasmas, interferências, etc.