A biônica é a ciência que procura imitar a vida através da elaboração de dispositivos eletrônicos, mecânicos e semelhantes. Já escrevemos alguns artigos sobre o assunto e agora vamos iniciar uma série que acreditamos que será de grande interesse para os nossos leitores tanto pela idéias que podem surgir para seus projetos gerais como para a própria mecatrônica. No nosso primeiro artigo vamos falar de visão estereoscópica e interferometria, duas tecnologias que o homem usa há relativamente pouco tempo mas que já é de há muito adotada pela natureza.
Nossa Experiência
Quando se fala em biônica, muitos pensam que se trata de uma ciência novíssima, pesquisada há poucos anos e que o filme "O homem biônico", na época que surgiu era simplesmente uma obra de ficção científica. Não é bem assim.
Já em 1971, quando o autor ainda era estudante, já trabalhando com eletrônica (comecei bem cedo!), ele foi convidado por uma equipe de pesquisadores médicos da Escola Paulista de Medicina para trabalhar num audacioso projeto para a época: desenvolver um "neurobiônio".
O neurobiônio nada mais seria do que uma versão eletrônica (ou biônica) do neurônio comum vivo, como os que fazem parte de nosso sistema nervoso, mas com a capacidade de aprendizado.
Desde aquela época o interesse do autor pelo assunto não feneceu, muito pelo contrário. Diversos projetos "inspirados" na biônica foram publicados não só nesta revista como em outras da mesma editora e até no livro "Robotics, Mechatronics and Artificial Intelligence". Este livro, para satisfação do autor, publicado nos Estados Unidos é adotado em diversas universidades como no Curso de Licenciatura em Mecatrônica da Universidade Boise do Texas.
Pois bem, para os que gostam de biônica e até desejam desenvolver projetos baseados nesta ciência estaremos explorando o assunto com idéias bastante curiosas e que podem resultar em soluções engenhosas que a natureza já aplica há milhões de anos.
Biônica
Define-se biônica como a ciência que aplica princípios biológicos no estudo e projetos de engenharia. É interessante observar que já existe a "fisiônica" que aplica princípios físicos no estudo e projeto de engenharia.
A biônica "observa" as soluções já encontradas pela natureza e procura imitá-las em dispositivos úteis. Um exemplo disso pode ser dado pelas estruturas hexagonais das células vivas que são imitadas nas construções de modo a se obter maior resistência e o sonar dos golfinhos e morcegos.
Visão Estereoscópica e Interferometria
Quando se pesquisa a melhor forma de se visualizar ou detectar com precisão objetos distantes diversas tecnologias podem ser usadas.
Os radiotelescópios, por exemplo, se baseiam no princípio da interferometria para localizar e posicionar com precisão fontes distantes no espaço. A idéia básica é ilustrada na figura 1.
Se uma fonte de sinal for captada por duas antenas separadas por uma certa distância e ligadas a um mesmo receptor, dependendo da sua posição os seus sinais podem ou não estar em fase. É fácil observar que os sinais estarão em fase se a fonte estiver justamente na linha mediatriz definida pelas estações.
Ora, pelo princípio da interferência, as intensidades dos sinais se somam se eles estiverem em fase e se subtraem se estiverem fora de fase, conforme mostra a figura 2.
Assim, basta um pequeno deslocamento do objeto focalizado da linha mediatriz para que seus sinais já sejam fortemente atenuados. Tanto mais afastadas estiverem as antenas, maior será a capacidade de definição do sistema, ou seja, com mais facilidade ele pode distinguir dois objetos próximos, conforme mostra a figura 3.
A radioastronomia usa este princípio ligando a um mesmo receptor, dois radiotelescópios situados em locais muito distantes. Por exemplo, existe um radiotelescópio em Atibaia (Centro de Radioastronomia e Aplicações Espaciais - CRAAE ) em São Paulo que, em certos experimentos trabalha interligado a um radiotelescópio nos Estados Unidos. Os dois radiotelescópios se comportam, desta maneira como um único cujo diâmetro seria equivalente à distância que os separa em termos de acuidade.
No entanto, este processo funciona bem, com a radioastronomia onde os sinais captados são ondas convertidas em sinais elétricos que podem ser combinados e analisados por circuitos.
Com as imagens, o problema é um pouco mais complicado. A capacidade de se definir um objeto distante, avaliando-se sua distância é dada pelo que se denomina visão estereoscópica.
Com um olho apenas, vemos nitidamente as coisas, mas não temos o senso de profundidade ou distância, conforme mostra a figura 5.
Com dois olhos podemos ter a sensação de distância ou profundidade, conforme mostra a figura 6. A pequena diferença de ângulo de focalização dos olhos nos permite avaliar a distância em que se encontra o objeto.
É por este motivo que temos dois olhos e que, quando tampamos um fica extremamente difícil avaliarmos a distância em que se encontra um objeto (o cérebro pode usar outros recursos para isso, como a idéia de tamanho real do objeto, mas nem sempre isso é possível).
A natureza sabe muito bem aproveitar isso e com base num animal, como lêmure que têm uma visão binocular extremamente aguda, a NASA está trabalhando no que será o maior Telescópio Binocular do mundo.
O Telescópio Binocular denominado Large Binocular Telescope vai ser instalado no Mount Graham e seus espelhos medem 8,4 metros de diâmetro.
Com ele vai ser possível um tipo de imagem muito importante para a detecção de planetas em sistemas próximos. Hoje em dia, com os telescópios comuns, a luz de uma estrela ofusca a eventual imagem de um planeta que gravite muito próximo dela, conforme mostra a figura 10, tornando impossível sua visualização.
Com o Large Binocular Telescope é possível focalizar o objeto próximo, praticamente cancelando a luz da estrela, de modo que ele se torne perfeitamente visível.
Aplicações Prática
Pois bem, perguntaria então o leitor: "E como posso aplicar tudo isso num robô ou outro dispositivo mecatrônico que eventualmente em desenvolva?".
Não é preciso ter recursos para moldar lentes de 8,4 metros nem ao menos montar antenas parabólicas gigantes para que a visão estereoscópica já usada pela natureza possa ser aplicada em projetos simples.
A idéia que damos é a mostrada na figura 11 e que consiste justamente num sensor diferencial de luz que funciona como um "olho estereoscópico de robô" construído com LDRs comuns e um circuito integrado. Este circuito está justamente no nosso livro Robotics, Mechatronics and Artificial Intelligence.
O que temos neste circuito é um comparador de janela usando dois LDRs e dois comparadores com base no circuito integrado LM339. O princípio de funcionamento deste circuito é simples de entender.
Nas entradas de referência dos dois comparadores ligamos um divisor de tensão formado por 3 resistores. Este divisor fornece então duas tensões de referência para o circuito comparador.
Na figura 12 temos a resposta do circuito para sinais de diversas intensidades aplicados na sua entrada.
Conforme podemos ver, quando a tensão de entrada está abaixo de V1, o nível do sinal de saída é baixo. Quando a tensão de entrada está acima de V2 o nível do sinal de saída é também baixo. No entanto, quando o nível de entrada está entre V1 e V2 a tensão de saída estará no nível alto.
Se ligamos dois LDRs como um dispositivo divisor de tensão na entrada, é fácil observar que a tensão neste divisor estará num valor intermediário entre V1 e V2 quando a luz que incidir tiver a mesma intensidade nos dois.
A precisão com que isso vai ocorrer dependerá justamente do valor do resistor que determina a "janela" de atuação, ou seja, R2. Se usarmos para R2 um trimpot podemos ajustar esta janela e portanto a "acuidade" de nosso olho biônico para robô.
Se colocarmos os dois LDRs em tubinhos opacos com lentes de modo que eles possam focalizar uma fonte a sua frente, conforme mostra a figura 9, e usarmos o circuito para controlar dois motores, podemos fazer um robô que "procure" uma fonte de luz e se dirija para ela, conforme mostra a figura 13.
Indo além, podemos obter uma visão "estereoscópica" de precisão se os LDRs forem montados nos tubinhos de forma precisa junto aos focos, conforme mostra a figura 14.
Neste caso, o "olho" devidamente acoplado a um circuito de processamento não só pode detectar a direção de uma fonte de luz (que o robô deve localizar, por exemplo) como também avaliar sua direção e se aproximar até uma distância segura que ele vai determinar através de sua visão estereoscópica.
Com dois LDRs, portanto, podemos ter um sistema de visão complexo para um simples robô, baseados no exemplo do lêmure e que a natureza já emprega em nós. É a biônica oferecendo idéias para os projetos.