Este artigo saiu originalmente numa revista Mecatrônica Atual de 2003, revista para a qual o autor escrevia e fazia parte do conselho editorial. O artigo é ainda atual e algumas alterações pequenas foram feitas para facilitar o leitor de nossos dias.
Além de energia e dados, uma linha de transmissão pode trazer muito mais do que a energia e a informação de que precisamos. Assim, de forma indesejável, podem chegar surtos, transientes e outras perturbações capazes de afetar não somente a qualidade da energia e a integridade dos dados como também causar sérios danos aos equipamentos conectados.
Tanto a energia que chega através de uma linha de transmissão como os dados que vêm pelos cabos não são puros, nem completamente livres de perturbações ou deformações.
Em artigos nossos, abordamos por diversas vezes os problemas que decorrem da qualidade da energia e também os meios para evitar que eles apareçam, ou se aparecerem, a forma de saná-los.
Os equipamentos industriais que utilizam dados enviados por cabos e sendo ainda alimentados por energia vinda da rede local, são sensíveis a uma série de perturbações que precisam ser evitadas.
Operação de forma indevida, queima frequente de circuitos ou até mesmo acidentes podem ser causados por problemas que não são gerados no próprio equipamento, mas que vêm de fora na forma de picos de tensão, surtos e transientes.
Uma das principais fontes de perturbações que afetam a transmissão de energia e de dados através de cabos expostos ao meio ambiente e a resultante de descargas atmosféricas.
Um raio, mesmo que caia a uma distância considerável do local por onde passa uma linha de transmissão de energia ou de dados, pode induzir picos de tensão de curta duração, mas de valores muito elevados.
Quando um raio se estabelece, mesmo que seja através de um para-raios, conforme mostra a figura 1, um campo de corrente é criado induzindo tensões cujo valor depende justamente do gradiente desse campo.
Um cabo que atravesse esse campo de correntes pode ser submetido a um processo de indução extremamente intenso, capaz de fazer aparecer picos perigosos que se propagam até os dispositivos ligados em suas extremidades.
Verifica-se que os efeitos de uma descarga atmosférica podem afetar equipamentos eletrônicos a uma distância de até 3 km.
Evidentemente, uma descarga direta no cabo ou num poste que fixe esse cabo, é ainda mais perigosa.
Centelhas saltam com facilidade entre estruturas metálicas e cabos ou entre cabos, conforme ilustra a figura 2, criando também uma situação de indução de pulsos perigosos de alta tensão, os quais se propagam até os equipamentos conectados a esses cabos.
Os picos de tensão que aparecem nas extremidades dos cabos e que, portanto, são aplicados aos equipamentos, podem chegar a milhares de volts com energia suficiente para causar a queima completa de todos os seus circuitos.
Também é importante observar que os picos de tensão, gerados por descargas atmosféricas, não ocorrem apenas durante uma tempestade com raios.
A presença de cargas na atmosfera é constante, e as descargas podem acontecer até mesmo em dias sem nuvens.
Faiscamentos devidos à cargas acumuladas no ar, com menor intensidade, podem perfeitamente surgir gerando transientes da mesma forma, capazes de causar da nos aos equipamentos, veja a figura 3.
Para proteger os equipamentos contra esses picos de transientes, que podem atingir valores elevados, existem diversas técnicas.
AS PROTEÇÓES
A ideia básica de um sistema de proteção é desviar para a terra o pico de alta tensão que se propaga através da linha de transmissão de energia ou de dados, antes que ele chegue ao equipamento sensível.
Esse sistema é denominado “shunt", sendo o mais comum.
Dessa forma, para a proteção da linha de alimentação, ligamos o dispositivo em paralelo com ela, na entrada do equipamento, conforme mostra a figura 4.
Para uma linha de transmissão de dados como, por exemplo uma linha telefônica, ligamos o dispositivo em paralelo antes da entrada no equipamento. Veja a figura 5.
A ligação à terra é muito importante, se bem que em alguns casos seja aproveitado, o retorno da própria linha ligado à terra.
O dispositivo utilizado é normalmente algum tipo de componente que apresente uma resistência elétrica muito baixa para o transiente, mas que seja visto como um circuito aberto para o sinal ou energia que deve chegar ao equipamento.
Diversos são os dispositivos empregados para essa finalidade.
Varistores
Os varistores de óxido de zinco (SlOVs, MOVs, etc.) são componentes que têm uma curva característica semelhante à mostrada na figura 6.
Para as tensões normais do circuito, que correspondem aos sinais ou à energia que está sendo transmitida, eles apresentam uma resistência muito alta, não afetando o circuito.
No entanto, para tensões acima de um determinado valor (que é a tensão nominal do dispositivo), eles comutam, apresentando uma resistência muito baixa.
Conforme ilustra a figura 7, onde temos a estrutura granulada de um dispositivo desse tipo, uma centelha ocorre através do dispositivo desviando a energia do pulso de transiente. Nesse desvio da energia temos dois fatores importantes a considerar.
O primeiro, é que o dispositivo deve ser capaz de absorver a energia da centelha, o que, nos casos mais graves como, por exemplo, na queda de um raio próximo ao próprio cabo, pode superar sua capacidade causando sua destruição.
O segundo, é que os efeitos do centelhamento através do dispositivo são cumulativos, ou seja, a cada pulso absorvido a centelha "gasta" um pouco o dispositivo, queimando grânulos de sua estrutura e, com o tempo, ele pode deixar de funcionar.
Os varistores são muito usados nas tomadas protegidas de computadores, mas que servem para qualquer tipo de equipamento de uso doméstico ou mesmo industrial que tenha sensibilidade a surtos que se propaguem pela rede de energia.
Na figura 8 temos um exemplo dessas tomadas.
Evidentemente, para máquinas industriais e outros equipamentos sensíveis, o varistor pode ser agregado internamente a entrada de energia do circuito.
Centelhadores
Os centelhadores são dispositivos de proteção que se baseiam na rigidez dielétrica do ar ambiente. O ar é um isolante até determinado ponto. Se a tensão superar um determinado valor, o ar perde suas propriedades isolantes, ioniza-se e passa a conduzir intensamente a corrente elétrica.
É o que sucede com a própria descarga atmosférica, quando a umidade da chuva, no momento em que ela se forma, reduz a rigidez dielétrica do ar a ponto de permitir o aparecimento das descargas entre as nuvens e entre as nuvens e o solo na forma de raio.
Para o ar seco, a rigidez dielétrica do ar é de aproximadamente 10 000 V/cm, para eletrodos planos.
Isso significa que duas placas de metal separadas por uma distância de 1 cm, conforme visto na figura 9, podem isolar uma tensão de até 10.000 V.
Uma tensão maior "rompe" o dielétrico que é o ar, e a centelha aparece.
Para eletrodos em forma de ponta, a distância diminui, e é ai que entra em cena o centelhador usado na proteção de linhas telefônicas e de dados de muitos equipamentos, inclusive telefones comuns.
Esse componente é formado por duas pontas ou agulhas separadas por uma distância que depende de qual seja a tensão que desejamos para que ele entre em ação. Veja a figura 10.
Se um pico de tensão, causado por uma descarga atmosférica, por exemplo, chegar ao centelhador, ocorre a ionização do ar entre suas pontas e uma faísca surge absorvendo a energia e evitando que ela chegue ao aparelho.
Centelhadores a gás
Dentro de uma ampola cheia de gás são colocados eletrodos.
O tipo de gás é que determina basicamente a tensão de ionização, e portanto, o ponto de condução.
Quando a tensão de condução é atingida, o gás ioniza-se e passa a apresentar uma resistência muito baixa.
Nessas condições, o pulso de alta tensão presente na linha protegida e desviado para a terra.
O tipo de gás também determina quanta energia o protetor pode absorver sem que ele mesmo seja destruído.
Circuitos comerciais
Na figura 11 temos um exemplo de protetor que emprega diversos dispositivos diferentes de modo a se obter energia limpa para alimentação de um equipamento a partir da rede de 220 V.
Conforme o leitor pode ver, na entrada temos um protetor a gás duplo para uma tensão de 260 V. Esse dispositivo conduz para a terra qualquer pulso de tensão ou transiente cujo valor de pico ultrapasse os 260 V.
A seguir, temos 3 varistores de óxido de zinco de 180 V que atuam se o pico de tensão estiver num valor intermediário entre o pico da rede de energia (155 V, aproximadamente) e os 260 V.
Finalmente, temos 3 diodos zeners de 180 V que proporcionam a proteção final para o equipamento alimentado.
Os resistores de baixo valor em série com o circuito não causam perdas apreciáveis na tensão e ao mesmo tempo servem como fusistores, ou seja, abrem o circuito se ocorrer um curto, quer seja devido a problemas na proteção, quer seja devido a problemas no próprio equipamento protegido que tenham outras causas.