Esta montagem é a versão avançada de "alta potência" do projeto anterior, empregando a descarga de um capacitor de alto valor para dar um forte impulso ao núcleo de um solenóide e assim obtendo maior alcance.
Se bem que o nome "canhão" não seja muito apropriado nesses dias em que se fala muito de desarmamento, o que propomos é totalmente inofensivo, não é uma arma e de modo algum estimula alguém à violência.
O nome vem apenas do fato de que sua aparência lembra a de um antigo canhão de guerra, como os usados no século 18.
O importante para o leitor nessa montagem é aprender o seu princípio de funcionamento e até fazer algumas competições interessantes.
Trata-se de montagem ideal para ser incluída em cursos técnicos, como excelente trabalho para feiras de ciências ou no programa de disciplinas eletivas do nível médio.
Descrevemos no item anterior um "canhãozinho" eletromagnético que atirava um grão de feijão a uma certa distância quando a corrente circulante pela sua bobina criava um campo capaz de puxar com força um êmbolo.
Evidentemente, a força desse canhão dependia exclusivamente do campo magnético produzido. Como esse campo vinha da corrente de uma ou mais pilha, é óbvio que não era possível esperar muito dessa "arma".
Conseguir alguns metros de alcance já seria ótimo para uma montagem bem feita, cuja finalidade era muito mais didática do que intimidadora.
Pois bem, aperfeiçoando o projeto existe a possibilidade de se obter um disparo muito mais forte com a circulação de uma corrente muito intensa pela bobina, como a corrente produzida pela descarga de um capacitor de alto valor.
Com esse procedimento é possível ter um campo suficientemente forte para produzir um "tranco" no êmbolo capaz de lançar um projétil maior a uma distância igualmente maior sem, entretanto, atingir ainda valores perigosos.
É justamente como fazer isso que vamos descrever nesse nosso projeto bastante interessante pelos efeitos e pela curiosidade que representa.
Na internet podem ser encontradas versões muito poderosas deste circuito em que temos um acionamento sequencial que acelera projetos magnéticos a velocidades perigosas. Não recomendamos que sejam montados.
Como Funciona
Conforme dissemos, a força com que um êmbolo é puxado no interior do solenóide, para lançar um projétil à distância depende de dois fatores: da intensidade da corrente que circula na bobina e do número de espiras dessa bobina.
Esses dois fatores determinam a intensidade do campo magnético que vai puxar o êmbolo de metal ferroso que lança o projeto, conforme mostra a figura 1.
Quando aplicamos uma baixa tensão, como a de uma ou duas pilhas, a intensidade da corrente depende exclusivamente da resistência da bobina, até um certo limite que é a corrente máxima que as pilhas podem fornecer.
Isso significa que, se aumentarmos muito o número de espiras, para obter um campo mais intenso, a resistência da bobina também aumenta e com isso a intensidade da corrente no disparo.
Tudo isso limita a força que podemos obter num canhãozinho desse tipo.
No entanto, podemos obter uma corrente muito maior, se bem que por um intervalo de tempo menor, se em lugar de alimentarmos a bobina com uma corrente contínua, descarregarmos nela um capacitor de alto valor carregado com uma tensão elevada.
Um capacitor que se carregue com uma tensão de 40 V, por exemplo, ao se descarregar por uma bobina com 0,4 Ω de resistência produzirá um pico de corrente de 100 ampères.
Multiplicado pelos 40 V, isso significa um pico de potência de 4 000 W!
É evidente que isso dura fração de segundo.
Tanto mais quanto maior for o valor do capacitor, mas é o suficiente para produzir um campo capaz de dar um bom tranco no êmbolo do solenóide e assim atirar o projeto longe.
É justamente partindo dessa idéia que elaboramos o projeto de nosso canhão em que a parte mais importante é justamente o circuito eletrônico.
Temos então um circuito simples que a partir de um transformador gera uma tensão de aproximadamente 40 V para carregar um capacitor eletrolítico de alto valor.
Tipos entre 10 000 µF e 50 000 µF para 40 V ou mais podem ser conseguidos com facilidade nas casas especializadas e até mesmo maiores, como o da figura 2.
A carga não é instantânea, demorando alguns segundos, o que será monitorado por um LED ligado em paralelo com o capacitor para essa finalidade.
Uma vez carregado, a corrente que um capacitor desse tipo produziria ao ser conectado a uma bobina de baixa resistência, seria tão intensa que queimaria os contactos de um interruptor comum.
Mais que isso, o "estouro" obtido pelo estabelecimento dessa corrente, assustaria as pessoas próximas.
Para evitar isso, o controle da corrente de descarga é feito por um dispositivo de estado sólido (sem contactos) que suporta a corrente intensa e que não tem contactos para serem desgastados.
Usamos para essa finalidade um SCR comum.
Veja que mesmo os SCRs comuns que têm uma corrente máxima controlada de 3 a 8 A, podem suportar picos de mais de 100 A, ou seja, correntes muito intensas, desde que não durem mais do que uma fração de segundo, como ocorre no nosso caso.
Assim, conforme mostra a figura 3, o que fazemos é ligar ao SCR um circuito de disparo que trabalha com uma corrente muito baixa, fazendo-o ligar o SCR que então produz a forte descarga na bobina do canhão.
É claro que o disparo é único.
Ocorre um pico de corrente e o capacitor descarrega.
Para um novo "tiro" é preciso carregar o capacitor novamente, esperando que o LED indicador acenda, mas isso não demora mais do que alguns segundos.
Calculando a Potência
É fácil calcular a potência fornecida pelo capacitor carregado no momento do disparo, lembrando apenas que se trata de uma potência de pico, que dura fração de segundo.
Parte-se então da energia armazenada num capacitor, dada pela fórmula:
E = 1/2 x C x V2
Onde:
E = energia armazenada no capacitor em Joules
C = capacitância do capacitor em farads
V = tensão nos terminais do capacitor em volts
Supondo que o capacitor usado seja de 10 000 µF (0,01 F) e que a tensão entre seus terminais seja de 30 V. A energia armazenada será:
E = 0,5 x 0,01 x 30 x 30
E = 22,5 Joules
Se essa energia for fornecida ao canhão na forma de um pulso que dure aproximadamente 0,1 segundos, a potência será:
P = E/t
P = Potência em watts
E = energia em joules
t = tempo em segundos
P = 22,/0,1
P = 225 W
Isso corresponde a aproximadamente 1/3 de HP!
É uma boa potência para ser aplicada ao êmbolo que vai atirar o projétil a uma certa distância.
Essa distância dependerá muito da construção mecânica do dispositivo.
Trabalhando com Correntes Intensas
Conforme explicamos na introdução, o problema básico desse projeto está na intensidade da corrente que circula no momento da descarga.
Para se obter uma grande intensidade de corrente, o primeiro ponto a ser considerado é que a bobina do solenóide tenha uma resistência muito baixa.
No nosso projeto, a carga do capacitor é feita com uma tensão de pico de 36 V que corresponde aos 24 V do secundário do transformador retificado.
Usamos os dois enrolamentos de 12 V de um transformador pequeno para obter 24 V rms, e depois da retificação aproximadamente 36 V.
Com as indicações que daremos na parte mecânica, conforme mostra a figura 5, conseguimos uma bobina com apenas 0,08 Ω.
Se considerarmos apenas a resistência ohmica dessa bobina e não a indutância, a corrente de pico chegará a mais de 40 A o que está dentro do que um TIC106 pode suportar, já que esse componente admite picos muito curtos até 100 A.
Assim, chegamos ao nosso projeto final que será montado conforme instruções dadas a seguir:
Montagem
Começamos por dar a parte eletrônica que tem o circuito de carga e descarga
do capacitor mostrado na figura 6.
Como se trata de circuito experimental que usa poucos componentes e não críticos, optamos por fazer a montagem usando uma ponte de terminais isolados, conforme mostra a figura 6.
Na figura 7 temos a foto da montagem do circuito em ponte feita pelo autor.
É claro que os leitores mais habilidosos podem realizar a montagem com base numa placa de circuito impresso.
O capacitor pode ter valores entre 10 000 µF a mais de 50 000 µF com tensão de trabalho de pelo menos 40 V.
Na verdade, diversos capacitores de menor valor podem ser ligados em paralelo para se obter uma capacitância total grande.
No nosso caso, ligamos dois capacitores em paralelo, um de 4 700 µF e outro de 5 000 µF, obtendo assim quase 10 000 µF.
O transformador tem um secundário de 12 + 12 V com corrente a partir de 250 mA.
Observe que a corrente do transformador pode ser pequena, pois ele faz a carga lenta do capacitor, demorando alguns segundos para isso.
A velocidade dessa carga dependerá de R1.
Os componentes polarizados como diodo, LED, SCR e o capacitor eletrolítico devem ter suas polaridades rigorosamente observadas.
Se houver inversão o circuito não funciona.
Não será preciso usar dissipador de calor no SCR, pois a descarga é muito rápida, não havendo praticamente tempo de se gerar muito calor no processo.
Todo o conjunto cabe numa caixa de madeira, onde estarão do lado de fora os interruptores de carga do capacitor e disparo.
Também deverá ficar em lugar visível o LED que indica quando o capacitor está carregado.
O Canhão
A bobina é calculada para apresentar uma resistência entre 0,7 a 2 Ω aproximadamente de modo a se obter uma boa corrente de descarga.
Enrolamos então aproximadamente 200 voltas de fio AWG 28 num tubo de PVC de aproximadamente 1 cm de diâmetro e 15 cm de comprimento, conforme mostrado na figura 8.
Veja que o fio é enrolado de modo a formar uma bobina que cobre aproximadamente metade do tubo, sendo as pontas do enrolamento presas com fita isolante.
O núcleo do solenóide é um parafuso de aproximadamente 0,8 cm de diâmetro (de modo a poder deslizar livremente no interior do tubo) e comprimento entre 10 e 12 cm.
Na figura 9 temos detalhes do solenóide.
Veja que essa construção admite variações de modo a se obter o melhor rendimento.
A base de papelão em que é colado o tubo tem uma dobra que deve ser calculada de modo que, quando o canhão estiver inclinado, o parafuso fique com aproximadamente 2/3 de seu comprimento para fora.
Dessa forma, quando o campo magnético for criado, o parafuso é totalmente puxado para dentro do tubo, jogando o projétil longe.
A base de papelão, para maior realismo do modelo, é montada sobre as rodas de plástico de um carrinho de brinquedo, dando assim o aspecto final mostrado na figura 11.
Se o leitor usar outra espessura de fio pode facilmente calcular a resistência obtida em função do comprimento do fio, usando a seguinte tabela:
Fio AWG |
Ohms por Metro |
14 |
0,008 |
15 |
0,0103 |
16 |
0,0129 |
17 |
0,01634 |
18 |
0,02073 |
19 |
0,02615 |
20 |
0,03269 |
21 |
0,04146 |
22 |
0,0515 |
23 |
0,0564 |
24 |
0,0850 |
25 |
0,1062 |
26 |
0,1307 |
27 |
0,1700 |
28 |
0,2125 |
A montagem na base sobre as rodas deve ser feita de tal forma que, em repouso, o canhão fique inclinado de pelo menos 30 graus, ou o suficiente para que, após um tiro o núcleo (parafuso) retorne sozinho à posição de repouso, deslizando.
Para conectar o canhão ao circuito não se esqueça de raspar as pontas do fio esmaltado no ponto de soldagem.
O projétil consiste num grão de feijão ou mesmo num pedaço de lápis comum que tem o formato de uma bala.
Prova e Uso
Posicione o canhão e coloque um projétil no tubo, preparando-o para o tiro.
Aperte o interruptor de pressão S1 que faz a carga do capacitor até o momento em que o LED acende.
Alguns segundos a mais podem ser interessantes para se garantir que o capacitor atinja a carga máxima.
Para atirar, aperte o interruptor S2. O núcleo do solenóide (parafuso) deve ser puxado com força para dentro do tubo, atirando longe o projétil.
Para um novo tiro, coloque num novo projétil no canhão e aperte novamente S1 até obter uma carga completa do capacitor.
Depois, é só apertar novamente S2.
Uma idéia interessante consiste em se fazer uma "batalha" em que os alvos seriam feitos com papelão, ou ainda poderiam ser usados soldadinhos de plástico encontrados em muitos brinquedos.
Vence a batalha que derrubar primeiro todos os soldados e fortificações do oponente.
Alcance e Otimização
a) Estudando Balística
Em física estudamos o lançamento de projéteis calculando o alcance e altura máxima.
Estes estudos mostram que o máximo alcance é obtido quando o canhão tem uma inclinação de 45º.
Assim, é interessante usar o canhão para levantar estas características, com testes feitos no laboratório, conforme mostra a figura 11.
b) Uma Catapulta
Uma ideia de projeto, bastante interessante, baseada no mesmo princípio que descrevemos é a montagem de uma catapulta eletrônica.
Nela, conforme mostra a figura 12, usamos uma alavanca acionada por um solenóide para lançar um projétil à distância.
O montador deverá descobrir a posição exata do núcleo e o comprimento das hastes para ter o melhor desempenho.
Uma idéia de competição é verificar que consegue montar a catapulta que lance um projeto mais longe.
c) Um Super-canhão
Conforme citamos no início deste item, existem algumas variações deste projeto que visam obter mais potência e com isso maior alcance.
Uma delas é a que faz uso de um projétil de metal que é atraído por diversas bobinas (solenóides) que são disparados sequencialmente obtendo-se assim sua aceleração, conforme mostra a figura 13.
No sistema seqüenciador temos uma bateria de capacitores que são descarregados em sequência através de SCRs disparados pelo seqüenciador.
SCR - TIC106B ou D - diodo controlado de silício
D1 - 1N4004 ou equivalente - diodo de silício
LED - LED vermelho comum
T1 - Transformador com primário de acordo com a rede local e secundário de 12 + 12 V com pelo menos 250 mA
S1, S2 - Interruptor de pressão
S3 - Interruptor geral (opcional)
F1 - Fusível de 1 A
R1 - 47 Ω x 1 W - resistor - amarelo, violeta, preto
R2, R3 - 47 k Ω x 1/8 W - resistor - amarelo, violeta, laranja
R4 -1,2 k Ω x 1/8 W - resistor - marrom, vermelho, vermelho
C1 - 10 000 a 50 000 µF x 40 V (ou mais) - capacitor eletroítico - ver texto
X1 - Solenóide (canhão) - ver texto
Diversos:
Ponte de terminais ou placa de circuito impresso, cabo de força, suporte para o fusível, caixa para montagem, material para o canhão, fios, solda, etc.