Você acredita que uma gilete (lâmina de barbear) possa ser usada como componente eletrônico para detectar ondas de rádio? Se não eis uma idéia sensacional para um projeto de um rádio (que funciona!) capaz de receber estações de ondas médias através de uma gilete. O projeto é ideal como curiosidade tecnológica, podendo ser implementado em cursos do nível fundamental e médio.

Muitos corpos comuns podem funcionar como detectores de sinais de altas frequências, ou seja detetores de ondas de rádio captadas por uma antena.
É até bem conhecida a história de uma prótese dentária que, captando sinais de uma estação próxima, levava seu portadores a “ouvir coisas” diretamente pelo dente sem a necessidade de um rádio, tendo sido esse “ouvinte” levado a diversos psiquiatras antes que se descobrisse a origem do fenômeno. Na estória “O Denteródino” nosso personagem Prof. Ventura, com seus alunos Beto e Cleto, se envolvem numa aventura em que justamente todo este fenômeno é detalhado.

O rádio que propomos neste artigo também usa um meio incomum de se detectar sinais: uma lâmina de barbear (usada ou nova). Se você gosta de experiências inéditas com tecnologia eletrônica, esta é bem interessante.

 

 


Os Fundamentos
Dois metais ou corpos de naturezas diferentes, quando em contacto, podem apresentar propriedades semelhantes as dos diodos semicondutores e com isso detectar sinais de rádio. O tradicional “bigode de gato”, sobre um cristal de galena é, sem dúvida, o tipo de detector experimental mais antigo e por isso conhecido dos que estudam a estória do rádio. Os primeiros rádios que existiram, os denominados “rádios de galena” , tinham como detectores a configuração mostrada na figura 1.

 


Figura 1 – O detector de galena.

Tocando num ponto sensível do cristal, o bigode formava um contacto semicondutor capaz de retificar as tênues correntes de alta frequências induzidas na antena pelo sinal de rádio. O resultado era a detecção para posterior filtragem e aplicação a um fone de ouvido, onde resultavam em sons. Como não havia amplificação naquela época (os transistores e válvulas ainda não haviam sido inventados), os sinais tinham a potência que a antena podia colher, o que exigia que ela tivesse grandes dimensões. O nosso rádio usa um detector diferente.

Experimentando diversas combinações de corpos conseguimos diversas que deram resultados satisfatórios como, por exemplo, uma palhinha de aço, um pedaço de grafite sobre uma chapa de alumínio. Mas, a que propomos, sem dúvida, poderá ser a base deste projeto que faria enorme sucesso numa feira ou demonstração pela sua curiosidade: ele usa um detector fora do comum e não precisa de transistores ou válvulas.



Como Funciona
A estrutura básica de nosso rádio é mostrada na figura 2.

 


Figura 2 – Estrutura básica do receptor de gilete.

A etapa de sintonia e antena tem por função captar os sinais das estações e separar o da que desejamos ouvir. Como o rádio não possui amplificação, a antena deve ser a mais longa possível para captar o máximo de energia da estação (que deve ser forte e estar bem próxima). Uma antena para este rádio deve ser um fio esticado de pelo menos uns 10 metros de comprimento. O circuito de sintonia possui um capacitor variável e uma bobina, conforme mostra a figura 3.


Figura 3 – O circuito de sintonia

O sinal do circuito de sintonia é levado ao elemento básico do projeto que é o detector. Este detector, que deve funcionar como um diodo comum (nada impede que seja usado um diodo 1N34 ou equivalente para se obter um rádio de cristal comum), é formado por uma lâmina de barbear e um pedacinho de grafite retirada de um lápis preto. O sensível toque do grafite sobre a lâmina, em pontos que devem ser obtidos experimentalmente, faz o conjunto funcionar como um detector de sinais de altas frequências induzidos pelas ondas de rádio.

Este detector consegue separar do sinal de alta frequência vindo do circuito de sintonia, o sinal de baixa frequência que correspondem aos sons. Estes sons, na verdade, correntes de baixa frequência, são levadas à etapa seguinte que é um fone de ouvido. No circuito existe ainda uma rede de polarização formada por um potenciômetro e um resistor, além de uma bateria de 6 V (4 pilhas) conforme mostra a figura 4.


Figura 4 – O circuito de polarização.

A finalidade desta rede é “polarizar” o detector, ajudando-o” a ficar perto de ponto de condução ideal para a detecção ocorra. Isso acontece porque é preciso que o sinal vindo da antena, que é muito fraco, apenas seja adicionado à tensão disponível de modo a ultrapassar o ponto em que o detector conduz.

 


Componentes
Como se trata de um rádio experimental, muita coisa pode ser improvisada e até mesmo aproveitada de aparelhos eletrônicos fora de uso. Alguns componentes apenas precisam ser comprados em casas especializadas. Sugerimos que a montagem seja feita tendo por base uma placa de madeira ou plástico, conforme mostra a figura 5.


Figura 5 – Foto escaneada da montagem,

A bobina L1 é enrolada num bastão de ferrite de qualquer diâmetro em torno de 1 cm, sendo formada por 80 a 100 voltas de fio esmaltado de calibre 26 a 30 AWG ou mesmo fio encapado 22. Esta bobina será fixada na base de montagem através de duas braçadeiras. O capacitor variável pode ser do tipo miniatura ou grande retirado de algum rádio antigo fora de uso. Se tiver mais de uma seção usamos apenas uma delas mantendo a outra desligada. O fone de ouvido deve ser obrigatoriamente do tipo piezoelétrico ou cristal de alta impedância, pois outros tipos não têm sensibilidade, principalmente os de baixa impedância encontradas em walkmans e CD players. Uma cápsula telefônica pode ser experimentada. O capacitor C1 é cerâmico, de 47 pF a 120 pF, e o resistor é de 2,7 M ohms ou próximo disso. O potenciômetro é de 470 k ohms a 1 Mohms. A bateria será formada por 4 pilhas pequenas, que terão uma durabilidade enorme dado o baixo consumo do aparelho. Estas pilhas devem ser montadas num suporte apropriado.
O mais importante é a montagem do detector de gilete que é feita conforme mostra a figura 6.


Figura 6 – Foto escaneada do detector.

Este detector é formado ligando-se, com cuidado, um fio num pedacinho de grafite que formará o anodo do diodo (2), e ligando-se com cuidado o outro fio numa gilete comum, formando o catodo do diodo (1). O grafite deverá ser simplesmente apoiado sobre a gilete e, eventualmente, sua posição trocada algumas vezes até que seja conseguida a que resulte em maior sensibilidade. Para a ligação da antena e terra são utilizados bornes comuns ou uma tomada de terminais com parafusos.

 


Montagem
As soldagens dos componentes devem ser feitas com um ferro de pequena potência e ponta fina. Todas as ligações, exceto a do grafite e gilete devem ser soldadas. Na figura 7 temos o diagrama completo do rádio.

 


Figura 7 – Diagrama completo do rádio.


Na figura 8 damos uma idéia da disposição real dos componentes com suas ligações, lembrando que tudo deve estar fixado na base de madeira.


Figura 8 – Aspecto final da montagem.

Para que a montagem saia perfeita observe os seguintes pontos:

 

a)Raspe bem as pontas dos fios da bobina L1 antes de fazer sua soldagem.
b)Aos soldar o variável observe com cuidado a disposição de seus terminais e use um botão plástico para facilitar a sintonia.
c)Solde rapidamente o capacitor C1 e o resistor R1 para que excesso de calor não os danifique.
d)Faça a ligação do potenciômetro conforme o desenho, e dos fios do suporte de pilhas observando a sua polaridade. O fio vermelho é o positivo (+) e o preto o negativo (-).
e)Complete a montagem com a soldagem dos fios do detector.

 

Depois, é só conferir a montagem e verificar o funcionamento do rádio.

 


Prova e Uso
Antes de tudo providencie uma boa antena e uma ligação à terra. A antena, conforme mostra a figura 9, pode ser presa pelas extremidades em isoladores.


Figura 9 – Instalação da antena e da ligação à terra, fundamentais para um bom funcionamento do rádio.

Duas árvores, mastros ou outros objetos podem servir para segurar a antena que deve ser a maior possível. Quanto mais comprida for a antena, melhor será a intensidade do sinal obtido. A ligação à terra pode ser feita em qualquer objeto de metal de grande porte que esteja em contacto com o chão como, por exemplo, um encanamento de água, uma esquadria de porta ou janela de alumínio, etc. Feita a ligação da antena e terra ao rádio, coloque o fone junto ao ouvido e apóie o grafite na gilete. Ajuste ao mesmo tempo, com muito cuidado a sintonia e P1, até captar alguma estação. Se nada conseguir além de estalidos, procure uma nova posição do grafite sobre a gilete até obter resultados satisfatórios. O volume, como em todo o rádio sem componentes de amplificação, será bem pequeno, mas a qualidade do som clara. Lembre que, no início do século passado, os receptores de rádio tinham este mesmo princípio de funcionamento e qualidade de som.

 

Nas aulas de educação tecnológica incentive a pesquisa sobre os tempos primitivos do rádio. Sugira a pesquisa de nomes como:
Marconi
Landel de Moura

 


 

Lista de Material
X1 – Detector de gilete – ver texto
XTAL – Fone de cristal – ver texto
L1 – Bobina de antena - ver texto
CV – Capacitor variável de 120 a 410 pF
C1 – 100 pF – capacitor cerâmico
R1 – 2,7 M ohms – resistor – vermelho, violeta, verde
P1 – 470 k ohms – potenciômetro
B1 – 6 V – 4 pilhas pequenas

Diversos:
Base para montagem, pontes de terminais, suporte para pilhas, antena longa, fios esmaltados, bastão de ferrite, gilete, pedaço de grafite, fios comuns, solda, etc.
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