Muitos jovens que pretendem cursar escolas técnicas, ou estão cursando, se sentem bastante atraídos pela aplicação da eletrônica na aviação sabendo que sem ela, os modernos aviões não teriam o desempenho e a segurança que os caracteriza. No entanto, estes jovens e mesmo a maioria dos leitores que trabalha com eletrônica não têm uma idéia do que existe na eletrônica dos aviões e dos próprios aeroportos e de que modo ela garante a segurança de vôo e o próprio controle de uma aeronave. Neste artigo falaremos um pouco da eletrônica da aviação com destaque para os instrumentos usados nas aeronaves, cuja técnica de manutenção pode ser muito atraente e rendosa para os estudantes das escolas técnicas que pretendem entrar neste ramo.
Este artigo é de 1995. A eletrônica nas aeronaves modernas mudou bastante com muitos avanços. O texto tem tanto valor histórico como informativo para que se tenha uma idéia de alguns aparelhos que ainda hoje são usados, mas com tecnologias mais modernas.
A simples observação do painel de controle de uma aeronave moderna mos mostra que sem a eletrônica provavelmente ela não sairia do chão. Dezenas de indicadores digitais, tubos de raios catódicos, comunicadores e mesmo ponteiros acionados por sistema eletromecânicos nos mostram que tão importante quanto a mecânica de um avião é a sua eletrônica.
De fato, desde a simples comunicação com a torre até o controle de todas as turbinas e elementos que garantem a sustentação de uma aeronave em vôo, envolvem eletrônica e de uma forma extremamente sofisticada em alguns casos.
Ouvimos falar em radar, ILS, altímetros e muitos outros instrumentos que funcionam com a eletrônica, mas a maioria das pessoas, mesmo que do ramo da eletrônica, não sabem exatamente como funcionam.
O conhecimento do princípio de funcionamento desses aparelhos, que levaremos aos leitores deste artigo, não visa apenas "matar sua curiosidade" mas também mostrar que aqueles que desejarem se especializar nesta área podem entrar num promissor campo de trabalho.
SISTEMAS DE COMUNICAÇÕES
Não é possível estabelecer uma ligação física entre a aeronave e um controle fixo, a não ser quando a aeronave está em terra, o que normalmente é feito por meio de uma conexão telefônica com o operador do "push back", por exemplo, conforme mostra a figura 2.
Assim, a única maneira de se manter contacto com um avião em vôo é por meio de ondas eletromagnéticas. Desta forma os aviões são dotados de sofisticados sistemas de comunicações por rádio.
Da mesma forma, as informações sobre a posição de uma pista ou a própria localização da aeronave só podem ser enviadas ao piloto por meio de ondas eletromagnéticas.
Isso tudo significa que encontramos nos aviões tanto receptores de rádio como transmissores de rádio com funções especiais e operando em faixas de ondas igualmente especiais.
Para a maioria das comunicações entre aeronaves e controles de terra a faixa utilizada é a de VHF entre as frequências de 118 e 136 MHz.
Nesta faixa são colocados 720 canais de comunicação com uma separação de 25 kHz e a modulação das transmissões é feita em amplitude.
A polarização dos sinais é vertical e o alcance depende da altitude da aeronave, já que, como sabemos, os sinais da faixa de VHF não conseguem acompanhar a curvatura da terra, e nem refletem na ionosfera, conforme mostra a figura 3.
A tabela abaixo nos mostra de que modo a altura de uma aeronave influi no alcance das comunicações em VHF:
Altura (acima da estação) - Alcance
150 m - 48 km
300 m - 90 km
900 m -130 km
1500 m -175 km
3000 m - 240 km
4500 m - 300 km
6000 m -340 km
9000 m -410 km
12000 m -460 km
No entanto, para comunicações em condições em que a faixa de VHF não seja apropriada, podem ser usadas outras faixas de frequências.
Assim, para comunicações a longas distâncias podem ser usadas frequências na faixa de ondas curtas (HF) entre 2 e 22 MHz e para comunicações em distâncias muito pequenas, a faixa de ondas longas e até médias (VLF e LF).
No entanto, para as ondas muito longas as potências das estações transmissoras devem ser extremamente altas.
Os satélites também são usados atualmente para comunicações mundiais, mas sua utilização ainda não é largamente difundida. Neste caso é utilizada a faixa de SHF (Super High Frequency) de alguns gigahertz.
2. RADIOGONIOMETRIA
Um dos equipamentos mais importantes de um avião é o rádio-goniômetro. Trata-se de um equipamento que utiliza a emissão de ondas de rádio de estações fixas em terra para determinação da sua própria posição.
Uma maneira simples de fazer isso é por triangulação, conforme mostra a figura 4.
Sintoniza-se a frequência de uma estação A e depois girando-se a antena direcional até se obter a maior intensidade de sinal determina-se sua direção. Depois, sintonizando-se a estação B, procede-se da mesma forma até se determinar a direção dessa estação.
Traçando-se num mapa das direções obtidas pode-se ter a localização da aeronave.
Evidentemente, da forma indicada o sistema não é muito prático, e com as elevadas velocidades dos aviões modernos, quando a posição for obtida certamente o avião não estará mais no local.
Desta forma, o sistema simples que vimos foi aperfeiçoado constantemente durante anos, principalmente a partir da Segunda Grande Guerra, até chegar quase à perfeição em nossos dias.
Hoje temos diversos sistemas de rádio-goniometria em uso.
Um primeiro sistema é o ADF (Automatic Direction Finder) ou rádio-goniômetro automático, que opera com sinais da faixa de VLF entre 200 e 500 kHz tipicamente.
Na figura 5 temos um exemplo de aparelho deste grupo que é um rádio-compasso GEC.
Trata-se de um receptor de rádio que pode identificar a direção de onde vêm os sinais de uma estação por meio de duas antenas de quadro. Uma delas serve para localizar a própria direção da estação e a outra para eliminar a ambiguidade dos 180 graus.
Uma aeronave que tenha este tipo de equipamento pode sintonizar um transmissor e se dirigir até ele, de onde fica mais fácil visualizar uma pista.
Estes aparelhos também podem sintonizar emissoras de ondas médias que então servem de "rádio faróis" guiando os aviões até as cidades que desejam alcançar.
As emissões desses "rádio faróis" de orientação que estão localizados em posições estratégicas em zonas de tráfego aeronáutico intenso, consistem em sinais modulados em amplitude com a identificação em código Morse.
Um outro tipo de aparelho de orientação por meio de ondas de rádio, mas operando na faixa de LF ou MF entre 200 e 1750 kHz, que encontramos nas aeronaves é o Radiofarol Não Direcional ou NDB.
O sistema é denominado "não direcional" por que são emitidas a partir de um transmissor ondas em todas as direções e polarizadas verticalmente. Sintonizando estas emissões, o avião pode determinar sua direção.
Um tipo de NDB especial é o "localizador" que consiste num transmissor ou diversos deles que são colocados nos marcadores externos e médios de uma pista de pouso, de modo a permitir que, através do ILS com o qual opera como suplemento, permita que a aeronave se alinhe com essa pista na operação de pouso mesmo sem visibilidade.
Estes transmissores operam com uma transmissão formada por sinais em Morse numa velocidade de 7 palavras por minuto (wpm) e possuem alcances da ordem de 10 a 25 milhas náuticas (18 a 48 quilômetros aproximadamente).
Mais moderno que o ADF e o NDB é o VOR ou Radiofarol Onidirecional. Este sistema de radio-orientação foi adotado em 1960 como ajuda a navegação normal e à curta distância pela ICAO (International Civil Aviation Organization).
A faixa de frequências utilizada por este sistema vai de 108 a 118 MHz e o sinal possui uma sub-portadora de 9960 Hz que é modulada em frequência com 30 Hz.
O padrão de transmissão é onidirecional, conforme mostra a figura 6.
No entanto, os sinais têm uma fase rotativa que varia em 30 Hz de modo que os sinais captados por um avião numa certa posição tem duas componentes: uma de maior frequência cuja fase se mantém constante qualquer que seja a direção que ele se encontre em relação ao transmissor e outra cuja fase depende de sua posição. O equipamento receptor pode usar os dois sinais para determinar então a direção do transmissor com precisão.
Na figura 7 temos um exemplo de diagrama de bloco deste equipamento com o painel que permite ao piloto determinar a direção do transmissor.
Veja que este equipamento também é usado para receber os sinais do ILS (Sistema de Aterragem por Instrumentos) que opera na mesma faixa de frequências.
ATERRAGEM POR INSTRUMENTOS
Sinais de rádio podem ser usados em diversos sistemas de ajuda para a aterragem de aviões. O ILS, entretanto é o sistema mais conhecido tendo sido desenvolvido na Segunda Grande Guerra pela RAF e depois aperfeiçoado até chegar aos tipos em uso atualmente.
Na figura 8 ilustramos o princípio de funcionamento deste sistema que utiliza diversos transmissores operando tanto na faixa de VHF como UHF.
Vejamos como funciona este sistema:
Na extremidade da pista temos um transmissor localizador que emite um sinal direcional que forma um setor horizontal dentro do qual a aeronave deve se aproximar para aterragem.
Próximo do ponto em que a aeronave deve tocar na pista temos um transmissor de trajeto de descida que fornecem um sinal que determina um setor vertical dentro do qual a aeronave também deve se aproximar.
Para fixação de uma referência quanto à distância da pista existem ainda dois ou três transmissores ou balizas que emitem sinais formando cones para cima. Estes são os marcadores, no caso do desenho o marcador externo e o marcador interno.
O transmissor que fornece a orientação para a aproximação na horizontal emite um sinal com características bem interessantes.
Conforme mostra a figura 9, existem na verdade sinais de um mesmo transmissor, mas formando lóbulos levemente deslocados, um com um sinal modulado em 90 Hz (setor amarelo) e o outro modulado em 150 Hz (setor azul).
O equipamento receptor no avião ao captar os sinais em função de sua posição poderá receber com mais intensidade o sinal com uma ou outra modulação. Se as intensidades forem iguais isso indica que ele está alinhado e o ponteiro do indicador no painel estará no centro. No entanto, se ele tender para um lado ou outro uma modulação será mais intensa que a outra e isso resultará na indicação do mostrador no painel. O piloto saberá então que deve corrigir sua trajetória.
Da mesma forma, para a indicação vertical temos duas modulações e novamente a agulha no painel indicará ao piloto se sua aproximação está correta ou se ele deve subir ou descer mais.
As frequências usadas pelo sistema usam duas faixas:
O localizador opera na faixa de VHF entre 108 e 112 MHz e sempre com decimais ímpares como 108,1 108,3 108,5 etc. Em alguns países as estações militares também usam as decimais pares.
Os transmissores que determinam o trajeto de descida operam em UHF em 20 canais na faixa de 329,3 a 335 MHz com separação de 300 kHz. O uso do UHF neste caso é importante pela necessidade de se obter um feixe mais preciso para a indicação de altura.
O localizador além dos sinais de posição transmite também sua identificação em código Morse. Esta identificação é modulada com um tom de 1020 kHz e polarizada horizontalmente, consistindo em duas ou três letras.
Com a evolução do processo, o ILS passou a ser indicado por categorias segundo a distância que pode guiar precisamente uma aeronave até a pista.
Temos então três categorias de ILS:
ILS-I - que pode guiar a aeronave desde o ponto em que os sinais são captados até 200 pés acima do ponto de referência do ILS.
ILS-II - que pode guiar a aeronave desde o ponto em que os sinais são captados até 50 pés acima do ponto de referência do ILS.
ILS-3 - que pode guiar a aeronave desde o ponto em que os sinais são captados até a superfície da pista.
Quem mora nas proximidades de grandes aeroportos, como o de Cumbica em Guarulhos (SP) pode ver com alguma frequência o "avião laboratório", uma aeronave do tipo Bandeirante com uma faixa vermelha que é usado para fazer os "ajustes do ILS" que são necessários com alguma frequência.
Esta aeronave possui todos os equipamentos necessários a orientação dos feixes emitidos pelos transmissores e que são orientados pela equipe de técnicos de terra com base em suas informações.
Uma segunda classificação para o ILS foi dada posteriormente, incluindo-se os pontos em que o piloto deve tomar o controle da aeronave no sentido de decidir se vai ou não completar a aterragem.
Assim, temos as seguintes categorias de ILS:
ILS-I - Operação até a altura de 200 pés com RVR de 800 metros (RVR = distância visual da pista).
ILS-II - Operação até por mínimos de altura de decisão entre 200 e 100 metros e RVR entre 400 e 800 metros.
ILS-IIIA - Operação até a superfície da pista com RVR de 200 metros.
ILS-IIIB - Operação até a superfície da pista com RVR de 50 metros.
ILS-IIIC - Operação até a superfície da pista sem referência visual.
O RADAR
Existem dois sistemas de radar usados em aviação.
O radar primário é aquele em que se utiliza apenas um transmissor de alta potência cujos sinais refletem-se nos objetos cuja presença se deseja detectar, conforme mostra a figura 11.
Evidentemente, os objetos que podem ser detectados devem ter características tais que reflitam as ondas usadas. E, para a detecção dos objetos desejados as ondas devem ser escolhidas apropriadamente.
Normalmente são empregadas ondas na faixa de SFH (Super High Frequency) de 3 a 30 GHz que correspondem às micro-ondas.
O radar primário pode ser usado na detecção de aeronaves estranhas e mesmo na detecção de chuva e obstáculos e na própria determinação de altura.
No entanto, como os objetos detectados refletem pouca energia, a potência transmitida deve ser grande e os receptores muito sensíveis.
Um segundo tipo de radar muito empregado em aviação é o Transponder. Trata-se de um Radar Secundário.
Nele, conforme mostra a figura 12, existe um transmissor que emite um sinal de "interrogação" quer seja na direção da aeronave que se deseja localizar quer seja em todas as direções.
Na aeronave existe um receptor que capta os sinais de interrogação do radar e responde com um sinal de identificação.
Este sinal é um código de transponder que permite identificar a aeronave e mais que isso, permite colocar na tela do controle a sua posição com informações que sejam úteis para o controle de tráfego.
Assim, num sistema de controle de vôo, logo que uma aeronave entra no raio de ação do radar, o piloto é convidado a "acionar a identificação" que consiste em ajustar seu transponder para enviar um número de código sempre que receber a interrogação do radar.
Com esse número a estação de controle que utiliza o radar recebe de volta sinais que identificam a aeronave e permitem estabelecer com precisão sua posição.
INFORMATIZAÇÃO
A evolução da eletrônica tem sido rápida e muitas decisões que antes eram tomadas pelos pilotos cada vez mais são tomadas por equipamentos automatizados. O uso de microprocessadores podem até tornar a aeronave sofisticada demais a ponto dela impedir que um piloto tome o seu controle numa ocasião de emergência como já ocorreu com o Air Bus 340 (1994).
Num acidente ocorrido, constatou-se que o computador de bordo tomou o controle da aeronave, mas de maneira errada, e o piloto mesmo verificando a situação de perigo não conseguiu reassumir o seu controle. Às vezes uma sofisticação excessiva pode ser perigosa e os engenheiros estão conscientes disso.
A informatização pode chegar a graus elevadíssimos, garantindo o máximo de segurança, mas nunca deve ser esquecida a presença do piloto humano que em caso de falha pode assumir o controle.
CONCLUSÃO
O que vimos são apenas alguns dos aparelhos eletrônicos que equipam uma aeronave com enfoque maior aos que fazem uso de ondas eletromagnéticas.
No entanto existe muito mais e a sua manutenção, instalação e ajustes exige técnicos altamente especializados e muito bem pagos.
Se o leitor tem vocação para a eletrônica por que não procurar informar-se sobre o modo de ingressar numa carreira promissora como esta?
O começo é um curso técnico de eletrônica comum, e o segundo passo é a especialização em eletrônica para aviação.