Um dos rádios de maior sucesso no mundo e também no nosso país foi o Spica. Com vários modelos, era o objeto dos desejos de muitos nos anos 50. Tenho um na minha coleção e até hoje velo os comentários sobre sua qualidade (sensibilidade e seletividade) não alcançada até mesmo por muitos receptores modernos. Neste artigo vou analisar o funcionamento de um de minha coleção, o ST-600.
Um dos maiores sucesso do passado em equipamentos eletrônicos e que vendeu milhões de unidades no mundo inteiro foi o Rádio Spica transistorizado que saiu durante anos a partir dos anos 50 com diversas versões.
Quem não teve um, como eu que tenho não apenas o comprado recentemente para restauração como outros, mostrados na foto.
![Parte interna
Parte interna](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0002.png)
Era um rádio com características excepcionais de qualidade incluindo a seletividade, sensibilidade e também a montagem compacta e elegante que vinha com um estojo de couro.
![Anúncio de 1958
Anúncio de 1958](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0003.jpg)
![A bolsa de couro
A bolsa de couro](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0004.png)
Não era barato. 29,50 dólares em 1959 equivaliam a 310,96 dólares ou 1 500,00 reais na conversão aproximada de quando escrevi este artigo! Era para poucos, o preço de um celular simples de hoje.
Mas, como era seu circuito?
Vamos partir de suas características técnicas e descrever seu funcionamento.
Características:
Configuração: super heteródino com 2 etapas de FI de 455 kHz e saída em classe B (push-pull)
Transistores: 5 de germânio: 2SA52, 2SA49, 2SA53, 2SB54, e 2× 2SB56 com eventuais alternativas conforme a época.
Faixa de sintonia: MW (AM) de 535 a 1 600 kHz
Potência de saída: 270 mW
Dimensões: 126 x 85 x 34 mm
Alto-falante: de imã permanente e bobina móvel 2,75 polegadas (7 cm)
Alimentação: 4 pilhas AA
Antena: ferrite
Peso: 300 g
Outras versões: Spica ST-608 vertical
Marcas triangulares:
As marcas triangulares existentes no mostrado correspondem às frequências de 640 e 1240 kHz. Já falei delas em um artigo e post no Facebook, mas explicamos novamente.
Essas marcas correspondem as frequências que seriam usadas em caso de catástrofes, especificamente em caso de um ataque nuclear da Rússia, já que foram estabelecidas pelo governo americano na época da guerra fria (1953-1963). Todos os rádios AM deveriam ter essas marcas.
Analisando:
Vamos partir do diagrama completo do ST-600 mostrado na figura 3 que é a versão que tenho e fazer uma análise.
![O diagrama completo
O diagrama completo](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0005.png)
A foto, com a identificação dos principais componentes é dada na figura 4.
a) Conversor-misturador
A primeira etapa que analisamos é a do conversor-misturador. Esta etapa tem por função transformar o sinal sintonizado num sinal de frequência fixa de 455 kHz, que e a frequência intermediária do receptor. Esta etapa é mostrada na figura 5.
![Conversor misturador
Conversor misturador](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0007.png)
A etapa tem por base um único transistor que, ao mesmo tempo em que oscila numa frequência 455 kHz acima da frequência que é sintonizada pelo circuito ressonante, também mistura os dois sinais. Obtém-se assim na saída que é FI-1 o sinal de frequência intermediária.
A frequência captada é determinada pela bobina de antena sintonia e a frequência de oscilação pela bobina osciladora, mostradas no diagrama e na foto.
Veja que, para diferenciar as bobinas eram usadas cores diferentes nos núcleos de ajuste, conforme mostra a figura 6.
![Cores das bobinas de um rádio AM (código Toko)
Cores das bobinas de um rádio AM (código Toko)](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0008.png)
Vermelha – osciladora
Amarela – primeira FI
Branca – Segunda FI
Preta – terceira FI
Veja então que o circuito de sintonia é ligado à base do transistor através de um capacitor. O circuito oscilador tem sua bobina ligada também a base e com a realimentação feita no bastão de ferrite sobre a bobina de sintonia. O circuito de carga que é a bobina de FI é ligado ao coletor.
Como a frequência de sintonia deve variar simultaneamente com a frequência do oscilador de modo que sua diferença se mantenha constante, o capacitor usado é duplo.
Nesse caso, como podemos ver pela foto do rádio aberto, ainda era usado um capacitor com dielétrico de ar. Hoje temos os tipos miniatura com dielétrico de plástico.
A polarização da base do circuito é dada pelos resistores de 20k e de 5 k. O resistor de 2k funciona como polarizador de emissor.
b) Primeira etapa de FI e segunda etapa de FI
![](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0009.png)
Na figura acima temos o diagrama destas etapas
Estas etapas têm por base um transistor 2S45. A finalidade das duas é amplificar o sinal de 455 kHz resultante da etapa anterior que já analisamos o funcionamento.
O sinal vem da etapa conversora-misturadora através do primeiro transformador de FI. Este transformador com núcleo de ferrite ajustável tem um primário de impedância mais alta de acordo com a etapa anterior e um secundário de baixa impedância que casa com a entrada da base do transistor.
A polarização vem do resistor de 200 k ohms. Temos ainda um capacitor à terra cuja finalidade e desviar para terra eventuais sinais de frequências mais altas que ainda passem pelo transformador.
Desta primeira etapa o sinal passa para a segunda etapa que tem a mesma configuração.
A saída da segunda etapa é feita através do segundo transformador de FI que, no entanto, não tem as mesmas características do primeiro porque ele não alimenta uma etapa semelhante.
Este transformador aplica seu sinal de 455 kHz à etapa detetora que é a próxima que analisamos.
c) Detetor
Até esse ponto do circuito temos sinais de RF. São sinais de 455 kHz modulados pelo sinal de áudio da estação que está sendo recebida.
Na figura a seguir temos o diagrama desta etapa que representa um ponto importante de transição de sinais do receptor.
![A etapa detetora de AM
A etapa detetora de AM](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0010.png)
Aplicando este sinal a partir do transformador de FI da etapa anterior a um diodo, temos sua detecção.
A detecção é feita pela retificação do sinal de modo que se obtém um sinal de alta frequência cuja envolvente é o sinal de áudio como mostra a figura 9.
![O sinal detectado
O sinal detectado](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0011.png)
Esse sinal passa então por um processo de filtragem através do capacitor de 20 nF no catodo do diodo de modo que a componente de alta frequência seja removida, permanecendo apenas a envolvente que é o sinal de áudio, conforme mostra a figura abaixo.
![O sinal de áudio puro recuperado depois da filtragem
O sinal de áudio puro recuperado depois da filtragem](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0012.png)
Este sinal é então aplicado ao potenciômetro de controle de volume. Do cursor do potenciômetro de volume o sinal passa para a etapa seguinte.
Mas, antes de passar para a etapa seguinte temos de falar de uma função importante que está ligada entre esta etapa e a primeira FI.
Vocês podem observar que o lado do terra do potenciômetro de volume não está ligado à alimentação do circuito, mas sim à base do transistor da primeira etapa amplificadora de FI, conforme mostra a figura abaixo.
![Ligação da realimentação (AGC)
Ligação da realimentação (AGC)](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0013.png)
Trata-se o AGC ou controle automático de ganho. Este circuito faz uma realimentação negativa da polarização da primeira etapa de modo que ela influi no ganho.
Assim, com sinais fortes o ganho é menor e não temos uma saturação do circuito que poderia causar distorção. Por outro lado, com um sinal fraco, o ganho aumenta e temos uma melhor recepção.
Este recurso também evita as oscilações de volume que ocorrem devido ao “fading” ou desvanecimento, um fenômeno comum na faixa de ondas médias e curtas quando sintonizamos estações distantes.
É aquele vai e vem da estação que em certos momentos chega forte e depois vai diminuindo de volume até chegar a desaparecer e depois volta. Este vai e volta pode ser rápido ou lento. Ele ocorre quando sintonizamos estações distantes e o sinal captado vem refletido na ionosfera.
Com o AGC estas oscilações diminuem um pouco e a recepção se torna mais agradável.
d) Excitador, preamplificador ou driver de áudio
A próxima etapa do circuito é o preamplificador ou driver de áudio, cuja diagrama é mostrado na figura abaixo.
![O preamplificador de áudio
O preamplificador de áudio](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0014.png)
O sinal obtido do cursor do potenciômetro de volume é fraco demais para excitar um alto-falante, mas já pode excitar um fone.
Assim, conforme vemos pelo diagrama, nesta etapa já temos uma saída de fone que pode ser usada com fones de cristal ou de alta impedância que são bem sensíveis. Essa saída é ligada ao emissor do transistor.
O transistor usado é o 2S-44. Seu coletor é ligado e um pequeno transformador que faz o acoplamento à etapa seguinte. A polarização de base deste transistor é obtida através de dois resistores, um de 50k e outro de 20k.
e) Etapa de saída push-pull
Chegamos à etapa final do receptor, a etapa de potência com saída push-pull classe B que era a mais comum nessa época. A desvantagem estava o uso de transformadores que eram componentes incômodos, pois além de caros exigiam um trabalho maior para a elaboração.
Alguns receptores já estavam usados nesta época a etapa de saída complementar com transistores NPN e PNP e que eliminava a necessidade dos transformadores. Na figura 13 temos então o diagrama desta etapa.
![A etapa de saída
A etapa de saída](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0015.png)
A etapa de saída push-pull classe B usa dois transistores 2S-56. O sinal de áudio é separado pelo transformador em dois semiciclos de modo que cada transistor recebe os sinais invertidos.
Com isso, o transistor não precisa ser polarizado em classe A, quando um transistor amplifica o sinal inteiro e por isso precisa estar constantemente em condução.
Um rádio a pilhas isso significaria maior consumo, com a pilha gastando mesmo na ausência de sinal. Na classe B o transistor fica polarizado no corte, só conduzindo quando chega o semiciclo do sinal que deve ser amplificado.
Para que funcione bem, este tipo de circuito tem uma polarização crítica de modo que eventuais fugas ou desiquilíbrios dos transistores não leve a um consumo em repouso excessivo. Utiliza-se então para manter a polarização correta mesma em diferentes condições de funcionamento, incluindo-se o aquecimento um regulador térmico.
Esse regulador é um termistor ou resistor com coeficiente negativo de temperatura. Quando a temperatura aumenta e os transistores de saída tendem a aumentar a corrente de repouso, ele aumenta sua resistência, reduzindo a corrente de base e com isso a corrente de repouso.
Uma vez que cada transistor amplifique seu semiciclo ele o aplica ao enrolamento primário correspondente do transformador de saída. Esse transformador se comporta então com dois transformadores num núcleo comum, reunindo o sinal amplificado de formar um sinal completo que o aplica ao secundário.
No secundário temos tanto a ligação do pequeno alto-falante de baixa impedância que proporcionava boa qualidade de som, como um jaque para fones de baixa impedância ou mesmo um alto-falante externo.
Observe que tanto este, como o jaque para fones de alta impedância são jaques do tipo “circuito fechado” de 3 terminais, conforme mostra a figura abaixo.
![Os jaques tipo circuito fechado
Os jaques tipo circuito fechado](/images/stories/artigo2025/084612462024_145546_0016.png)
Estes jaques possuem 3 terminais, conforme podemos ver pela foto. Na posição normal, o terminal comum é conectado ao alto-falante e ele funciona normalmente. Quando inserimos o plugue do fone, o terminal comum desliga do alto-falante que então é desativado e o sinal passa para o fone.
Veja que este tipo de jaque também pode ser usado como um interruptor que é acionado quando se insere um plugue. Já usei este tipo de jaque em circuitos de código.
Conclusão
Apesar de ter um circuito simples com componentes comuns, vemos que a tecnologia empregada era muito interessante e até hoje seu desempenho invejável.
Muitas das soluções aplicadas naquela época até hoje são aplicadas em receptores sofisticados como, por exemplo, de telecomunicações.
Um outro ponto de destaque é a frequência de 455 kHz das etapas de FI. Muitos me perguntam o porquê de ser usada esta frequência na maioria dos rádios. O problema está no que se denomina “frequência imagem”, assunto que será explorado em um próximo artigo.
Links:
https://www.newtoncbraga.com.br/component/finder/search.html?q=ip246&Itemid=101