Cada vez mais, com o aumento das aplicações em IoT, vestíveis, equipamentos médicos e de monitoramento tanto de animais como vegetais, sensores ligados a seres vivos são empregados. No entanto, por melhores que sejam, ou mais sensíveis eles exigem cuidados especiais na instalação e projetos. Medir potenciais elétricos ou sinais de seres vivos não é simples. Neste artigo abordaremos os principais tipos de problemas encontrados e as soluções.
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Seres vivos, incluindo nós mesmos, produzem sinais elétricos de diversos tipos. Estes sinais podem ser utilizados com as mais diversas finalidades, desde a verificação de nosso estado de saúde ou de um animal ou planta até ser usado como controle, como pode ocorrer em vestíveis e outras aplicações.
Nos nossos artigos MA125 e MA126 – Os sinais elétricos do corpo humano, analisamos os principais tipos de sinais que podem ser encontrados nos seres humanos e muitos deles também em outros seres vivos, incluindo-se plantas.
Na figura 1 temos exemplo de sinais usados na medicina.
Se bem que alguns deles não sejam elétricos, para nós interessa em especial os problemas que podem ocorrer quando trabalhamos com esses sinais.
Os sinais são diferentes, mas tem muito em comum, o que deve ser analisado por qualquer projetista de equipamento que deseje trabalhar com eles.
O primeiro problema que aparece quando tentamos trabalhar com estes sinais está no fato de que eles possuem uma intensidade extremamente pequena. São sinais que partem de alguns microvolts chegando no máximo a algumas dezenas de milivolts, como ocorre no caso de um neurônio.
Mas, não é apenas a tensão que pode dificultar sua captação para utilização num dispositivo eletrônico.
Em primeiro lugar, estes sinais são de baixíssima potência, ou seja, a fonte de sua produção apresenta uma elevadíssima resistência interna. Isso significa que qualquer circuito de medida (sensor) carrega facilmente a fonte de sinal, impedindo sua captação ou afetando.
Os circuitos sensores de biopotenciais devem ter impedâncias de entrada muito altas. É comum que nos tipos práticos elas sejam da ordem de megohms ou mesmo de gigaohms.
Com uma resistência de entrada muito alta temos um dos maiores problemas da captação: ruídos podem ser facilmente captados pelo circuito sensor.
Nesta categoria incluímos os eletrocardiógrafos (ECG), eletroencefalógrafos (EEG), Electromiógrafo (EMG) e outros que não raro, precisam ser instalados em salas aterradas e blindadas para se evitar a captação de ruídos da rede de energia ou de outras fontes próximas.
Na figura 3 temos um exemplo do biopotencial usado num eletroencefalograma.
Finalmente, temos o problema que ocorre do fato de que as fontes de sinal são eletroquímicas.
O contato dos eletrodos com a pele humana, com qualquer parte do tecido vivo, com plantas ou animais é responsável por um fenômeno denominado galvanismo (veja nosso artigo MA134 - Galvanismo). Antigamente atribuído ao que se chamava de eletricidade animal, o galvanismo faz com que ocorre uma ação eletroquímica sobre os eletrodos usados na captação do sinal e o próprio tecido vivo.
No caso do eletrodo essa ação pode causar sua corrosão, inutilizando-o em pouco tempo e no caso do tecido vivo, pode até causar sua morte. As células em que se apoia o eletrodo podem morrer.
Isso exige o emprego de técnicas especiais para se poder captar seguramente o sinal, sem afetar os eletrodos e o tecido vivo e, além disso, sem afetar o sinal também.
As soluções
Para os projetistas de circuitos eletrônicos que operem com biopotenciais interessa o que ocorre com os sinais e o seu processamento.
Assim, o circuito mais utilizado no acoplamento dos sensores ao circuito de processamento é o amplificador de instrumentação como o mostrado na figura 4. Temos centenas de circuitos desse tipo na nossa seção “banco de circuitos” utilizando desde amplificadores operacionais mais antigos tradicionais até os tipos modernos de ultra baixo consumo e que operam com tensões muito baixas.
De um modo geral, podemos analisar este circuito da seguinte maneira: na entrada temos dois amplificadores operacionais que tem seu ganho determinado pelos resistores R1 e R2. Este circuito deve ser configurado para apresentar uma impedância de entrada muito alta e operar no modo diferencial, operar, com as entradas flutuantes de modo que o circuito meça a tensão entre elas (E1 e E2). A entrada E3 serve como referência ou terra.
Uma característica importante que este circuito deve apresentar é a rejeição em modo comum (CMRR) muito alta. A rejeição em modo comum é a capacidade que o circuito tem de não apresentar saída (0V) quando a tensão de entrada em E1 for igual em E2. Na prática, devido as diferenças de características dos componentes, sempre ocorre uma diferença de amplificação que leva a produção de um sinal quando não deveria haver (E1 = E2).
Isso também significa que os componentes usados (resistores) devem ter uma tolerância muito baixa (1% e menos) para que isso não afete as características do circuito.
A segunda etapa apresenta um ganho adicional dado pela relação entre R4 e R3 (-R4/R3), e finalmente temos na saída uma etapa que fornece a amplificação sinal com um sinal de saída de baixa impedância. Nela temos o capacitor C2 que juntamente com R7 determinam o corte das altas frequências.
Veja que os biosinais normalmente são de frequência muito baixa, menos de 100 Hz tipicamente e que o corte de sinais interferentes que podem aparecer no circuito (RF induzida, por exemplo) devem ser eliminados.
Na figura 4 temos o modo como os sinais deste tipo podem ser afetados pelo ruído induzido por uma linha de transmissão de energia elétrica.
Veja que o principal inimigo desses circuitos é o sinal ou ronco induzido pela linha de transmissão de energia elétrica.
Estamos tratando inicialmente da possibilidade de os sinais serem captados pelo próprio organismo em análise, mas se não existe modo de se evitar sua chagada ao circuito (analisaremos a captação pelo circuito e pelos cabos sensores posteriormente), uma solução seria dotar as etapas de entrada de filtros.
Existem muitas possibilidades que os leitores podem encontrar nos nossos circuitos práticos da seção “Banco de Circuitos”.
Na figura 5(a) por exemplo, temos a utilização de capacitores numa configuração de filtro passa-baixas, e em 5(b) um filtro rejeitor de duplo. O primeiro corta as altas frequências e o segundo sintonizado para a frequência da rede.
Outra maneira de se cancelar eventuais ruídos captados é com a utilização de pontes. Essas pontes podem trabalhar com mais de um eletrodo e assim cancelar ruídos que eventualmente sejam comuns a esses eletrodos.
Na figura 6 temos um exemplo de ponte para sensores.
Nesse tipo de ponte eventuais ruídos que apareçam em modo comum nos dois sensores, são cancelados.
Layout
Trilhas longas funcionam como antenas, resistores e como indutores. Trilhas próximas funcionam como capacitores.
Num circuito de altíssima impedância de entrada e alto ganho, a presença dessas grandezas de forma parasita pode comprometer drasticamente o seu funcionamento. Assim, além do encurtamento das trilhas sensíveis, também temos de considerar os casos em que elas funcionam como antenas na captação de sinais.
Um procedimento comum que deve ser levado em conta é o chamado “guard ring” ou anel de proteção ou blindagem que envolve as entradas de um amplificador operacional. Na figura 6 temos o seu uso.
Aterramentos de áreas que envolvem circuitos sensíveis também são importantes para se evitar a captação de ruídos que podem afetar o funcionamento do circuito.
Sensores e Cabos
Para cada tipo de sinal devem ser utilizados sensores e topologias apropriadas, isso sem se falar na necessidade de cuidados especiais com os cabos.
Temos então diversos tipos de sensores que devem levar em conta o galvanismo. O galvanismo, conforme explicamos no MA134 é a ação eletroquímica sobre os eletrodos que ocorre com seu contato com uma substância viva ou quimicamente ativa.
Assim, temos em primeiro lugar os eletrodos de prata e cloreto de prata, que possuem excelente condutividade e que são conectados ao corpo humano, por exemplo, através de um gel.
Temos a seguir eletrodos dourados que além de sua excelente condutividade podem ser reusados. Esses eletrodos são encontrados em EEG.
Outro tipo de eletrodo para aplicações na medida de biopotenciais é o eletrodo de polímero condutor, que consiste num material que, além das propriedades condutoras, também é adesivo.
Os eletrodos de metal ou carbono são encontrados em aplicações menos críticas, pelo seu baixo custo.
Finalmente, temos os eletrodos na forma de agulhas de vidro que são invasivos, pois precisam penetrar no tecido vivo. Esses eletrodos são usados no caso em que os biopotenciais devem ser medidos diretamente num órgão interno, por exemplo, nos músculos.
Na figura 7 temos exemplos de alguns dos tipos de eletrodos de que tratamos.
E, completando temos os cabos que devem ser blindados com as blindagens (malhas) ligadas cuidadosamente em pontos do circuito que evitem o aparecimento de qualquer potencial.
Conclusão
Como trabalhamos com sinais extremamente fracos com intensidade da ordem de microvolts ou milivolts, a possibilidade de ocorrer a captação de ruídos é enorme, falsando as leituras.
Procedimentos apropriados são fundamentais para se evitar qualquer tipo de problema que possa afetar a leitura de um sinal.