O que o Brasil pode oferecer a mais do que os outros?

 

Nota: O artigo é de 2006, quando a TV digital ainda estava em fase de implantação;

 

Tem-se discutido intensamente o padrão de televisão digital no Brasil, por envolver enormes interesses de mercado e mesmo a sobrevivência de setores empresariais importantes.

 

De um lado temos o Sistema de Televisão Difusora, tradicionalmente um sistema aberto sustentado pela propaganda. De outro, temos o Sistema de Televisão a Cabo, ainda não muito difundido no país. Além disso, ainda, temos o Setor de Telefonia, sobretudo o de telefonia móvel, interessado que está em fornecer serviço de vídeo móvel aos seus clientes. E, finalmente, temos os fabricantes de equipamentos de transmissão, como de recepção e a utilização de patentes com pagamento de "royalties". O mercado brasileiro, nessa área, para os próximos anos é avaliado em pelo menos US$ 100 bilhões. Considerando apenas a Televisão Digital Terrestrial — TDT (DTT ou DTTV), a TV digital será totalmente compatível, em termos de canais, com a TV analógica hoje existente.

 

Revisemos, rapidamente, cada um desses sistemas, analisando as principais características de cada um deles.

 

Devemos, inicialmente, colocar que nos três sistemas o padrão de codificação e de compressão de sinais de vídeo é basicamente o mesmo, baseado na suíte de protocolos do Grupo de Especialistas em Figuras Móveis, GEFM (MPEG) , sendo que a maioria deles utiliza o sistema denominado Grupo de Especialistas em Figuras Móveis 2 , GEFM-2 (MPEG-2) , cuja consolidação foi feita no início da década de 90 .

 

O sistema de TV digital mais antigo é o do Comitê de Padronização de Televisão Avançada - Telecomunicações, CPTA-T (Advanced Television Systems Committee-Telecommunications, ATSC-T), adotado nos EUA, Canadá, México e Coréia, hoje com os direitos pertencentes a este último país. O sistema do Comitê de Padronização de Televisão Avançada - Telecomunicações, CPTA-T (ATSC-T) destina-se a substituir o padrão analógico do Comitê de Padrões da Televisão Nacional, NTSC, produzindo imagens no formato 16.9, com uma resolução de até 1920 X 1080 ponteis (pontos na tela), mais do que seis vezes a resolução do padrão analógico. O sinal de áudio também é de altíssima resolução, adotando o Dolby Digital Áudio Compacto 3, AC-3, provendo som ambiental 5.1. O sistema pode operar com varredura interlaçada ou progressiva em 60 Hz, tendo limitação da varredura progressiva na resolução de 1080 linhas, 60 molduras por segundo. Como já adiantamos, o sistema do Comitê de Padronização de Televisão Avançada - Telecomunicações, CPTA-T (ATSC-T) é um subconjunto do sistema do Grupo de Especialistas em Figuras Móveis 2, GEFM-2 (MPEG-2) para a codificação e encapsulamento da informação.

 

Em termos de transmissão o sistema do Comitê de Padronização de Televisão Avançada - Telecomunicações, CPTA-T (ATSC-T) utiliza o mesmo canal de 6 MHz adotado pelo Comitê de Padrões da Televisão Nacional2, NTSC2. Uma vez que o sinal de vídeo é comprimido, o fluxo de dados pode ser modulado em uma variedade de formas. No caso de Difusoras Terrestriais locais é utilizada a modulação de Oito Faixas Laterais Vestigiais ou Oito Faixas Laterais Residuais, 8-FLV (8-VSB), que permite uma máxima transmissão de bits de 19,39 M bits/s. No caso de operadores de cabo, devido a maior razão sinal/ruído é possível utilizar a modulação I 6-VSB ou 256QAM, atingindo uma taxa de 38,78 M bits/s dentro do mesmo canal de 6 MHz.

 

Como limitações de projeto os sinais do sistema do Comitê de Padronização de Televisão Avançada -Telecomunicações, CPTA-T (ATSC2-T) não se adaptam a mudanças de condições de propagação, diferentemente do sistema Europeu Difusão de Vídeo Digital Terrestrial, DVD21-T (DVB21-T) e do sistema Japonês Difusão Digital de Sistema Integrado Terrestrial, DDSI-T (ISDB-T), não permitindo, também, mobilidade.

 

Na ordem de desenvolvimento consideremos agora o sistema Televisão Digital Terrestrial, TVDT (DTTV). A Difusão de Vídeo Digital Terrestrial, DVD-T (Digital Vídeo Broadcast Terrestrial - DVB-T) é um sistema que tem as variações Difusão de Vídeo Digital a Cabo, DVD-C (DVB-C) voltada à TV a cabo, Difusão de Vídeo Digital por Satélite, DVD2LS (DVB21-S), voltada e utilizada, atualmente, por todos os países, com exceção do Japão e o Difusão de Vídeo Digital de Mão, DVD-M (DVB-H) voltada para a transmissão através de telefonia celular. Em particular, o Difusão de Vídeo Digital Terrestrial, DVD-T (DVB-T), é adotado por todos os países da União Europeia, mais a Austrália, África do Sul e Hong Kong. Existem também acordos empresariais nos EUA para uso do Difusão de Vídeo Digital, DVD (DVB) através do sistema Sem Fio Maximum, SF-MAX (Wi-Max), podendo ser esta uma forma de invasão do território do sistema do Comitê de Padronização de Televisão Avançada-Telecomunicações, CPTA-T (ATSC-T).

 

O Sistema (DVB21-T) utiliza também subconjuntos do Grupo de Especialistas em Figuras Móveis 2, GEFM-2, GEFM-2 Fluxo de Programa, GEFM-2 FP e GEFM-2 Fluxo de Transmissão, GEFM-2 FT (MPEP-2 Program Stream, PS e MPEP-2 Transmission Stream, TS), permitindo uma razão de Transmissão de bits (bitrate) variando de 5 a 32 M bits/s.

 

O sistema permite a transmissão simultânea de dois diferentes FTs (TSs), num esquema denominado de Transmissão Hierárquica, por exemplo, um sinal deTV4 Definição Padrão, TVDP2 (Standard Definition TV, SDTV) e um sinal de TV Alta Definição, TVAD (High Definition TV, HDTV) na mesma portadora.

 

O Grupo de Especialistas em Figuras Móveis 2 Fluxo de Transmissão, GEFM-2 FT (MPEG-2 TS) é constituído por uma sequência de pacotes de dados de comprimento fixo de 188 bytes, sendo a sequência de correlacionamento por uma técnica de dispersão energética.

 

Em um primeiro nível de proteção é utilizado um código de Reed-Solomon, RS (204, I 88) que permite a correção de 8 bytes num pacote de 188 bytes. Utiliza-se intercalamento de dados para tornar a informação mais robusta em relação aos erros sequenciais longos. Um segundo nível de proteção é introduzido por um código convolucional picador, nos menus de Caixa Receptora, CR (STB) denominado de Correção de Erro Incidente (Forward Error Correction), permitindo-se cinco taxas de codificação válidas (1/2, 2/3, 3/1, 5/6 e 7/8).

 

A sequência de dados é então rearranjada para a redução dos erros em rajada, adotando-se uma técnica de intercalação de blocos com um esquema de posicionamento pseudorrandômico. A partir de então, a sequência digital é mapeada numa sequência modulada de faixa (banda) básica de símbolos complexos. Admite-se três esquemas válidos de modulação: Comutação por Deslocamento de Fase em Quadratura, CDFQ ou Modulação por Deslocamento de Fase em Quadratura, MDFQ (QPSK), 16 Modulação por Amplitude em Quadradura, I 6-MAQ (I 6-QAM) e 64 Modulação por Amplitude em Quadradura, 64-MAQ (64-QAM).

 

Os símbolos complexos são agrupados em blocos de comprimento constante de 1512, 3024 ou 6018 símbolos. Uma moldura de 68 blocos é gerada e uma super moldura é construída de 4 molduras.

 

Para simplificar a recepção de sinais, são acrescidos para a fase de equalização sinais para sinalização de parâmetros de transmissão. A sequência de blocos é então modulada com uma técnica de Mulplexação Divisória de Frequência Ortogonalmente Codificada, MDFOC (Coded Orthogonal Frequency Division Multiplexing, COFDM) utilizando-se 2048, 4096 ou 8192 portadoras.

 

 

“Temos, portanto, aqui no Brasil, tecnologia mais avançada que os sistemas existentes. Temos compatibilidade e possibilidade de exportação. Não reinventamos a roda, já que partimos de protocolos existentes no estado d demos um passo adiante.”

 

De modo a reduzir a complexidade do receptor, cada bloco MDFOC (COFDM) é estendido, copiando-se na frente seu próprio término num sistema de prefixo cíclico. O comprimento de tal intervalo de guarda é de 1/32, 1/16,1/8 ou 1/4 do comprimento original do bloco. O sinal digital é, então, transformado num sinal analógico com um conversor digital analógico e modulado em radiofrequência VHF, UHF. A faixa típica ocupada pelo canal de DVB-T é de 6, 7 ou 8 MHz.

 

Na recepção temos inicialmente a transformação do sinal analógico obtido da demodulação em sinal digital. A seguir, o sinal digital de faixa básica é pesquisado para identificar o começo das molduras e blocos. Problemas eventuais na frequência dos componentes são corrigidos. Remove-se então o intervalo de guarda e realiza-se a demodulação da Multiplexação Divisória de Frequência Ortogonalmente Codificada, MDFOC (COFDM). Os sinais pilotos são utilizados para a equalização do sinal recebido. É feito então o desmapeamento, o desintercalamento interno, a decodificação interna, o desintercalamento externo, a decodificação externa, a adaptação MVX, a desmutiplexação do Grupo de Especialistas em Figuras Móveis 2, GEFM-2 (MPEG-2).

 

O sistema japonês Difusão Digital de Sistema Integrado, DDSI (Integrated Services Digital Broadcasting, ISDB) é o mais recente dos sistemas que estamos apresentando, sendo adotado apenas no Japão em suas variações: o Difusão Digital de Sistema Integrado Satélites, DDSI-S (ISDB-S) destinado à comunicação por satélite e o Difusão Digital de Sistema Integrado Terrestrial (ISDB-T) destinado à transmissões Terrestriais. Focalizemos especificamente o sistema de Difusão Digital de Sistema Integrado Terestrial (ISDB-T). O sistema de transmissão e recepção terrestrial japonês difere do sistema DVB-T Europeu, porém introduzidas tornam o sistema maisrobusto e viável para a mobilidade.

 

Na transmissão é utilizada a codificação/compressão do Grupo de Especialistas em Figuras Móveis 2, GEFM-2 (MPEG-2), definindo um canal de 5,6 MHz compatível, portanto com os 6 MHz analógicos existentes no Brasil. A Associação de Rádio Indústrias e Negócios —ARIB japonesa definiu como estrutura de segmentos dentro da Multiplexação por Divisão de Frequência Ortogonal ou Multiplex por Divisão de Frequência Ortogonal, MDFO (OFDM), de modo que o sistema de Difusão Digital de Sistema Integrado Terestrial (ISDB-T) divide a faixa de frequência do canal em 13 segmentos. As estações difusoras podem selecionar a combinação de segmentos que desejam utilizar para flexibilidade dos serviços.

 

É possível transmitir simultaneamente um programa de Televisão de Baixa Definição, TVBD (Low Definition TV — LDTV) e um programa de Televisão de Alta Definição (HDTV) com um canal atual de TV analógica ou transmitir 3 canais de TV Definição Padrão, TVDP (Standard Definition TV, SDTV). Em resumo, podemos colocar o seguinte: a modulação utiliza esquema de transmissão hierárquica com as combinações de 64 Modulação por Amplitude em Quadradura/Multiplex por Divisão de Frequência Ortogonal, 64-MAQ - MDFO (64QAM - OFDM), 16 Modulação por Amplitude em Quadradura/Multiplexação por Divisão de Frequência Ortogonal, 16-MAQ-MDFO ( 16QAM - OFDM) , Comutação por Deslocamento de Fase em Quadratura/Multiplex por Divisão de Frequência Ortogonal, CDFQ-MDFO ou Modulação por Deslocamento de Fase em Quadratura/ Multiplexação por Divisão de Frequência Ortogonal, MDFQ'-MDFO (QPSK - OFDM) ou finalmente Modulação por Deslocamento de Fase em Quadratura Diferencial/ Multiplexação por Divisão de Frequência Ortogonal, MDFQD'-MDFO (DQPSK -OFDM).

 

O sistema de códigos corretores de erro também utiliza dois níveis, a codificação interna com código de convolução 1/2,3/3, 5/6 e 7/8 e a codificação externa Reed-Solomon, RS (204, 188). O intervalo de guarda pode ser: 1/4, 1/8 e 1/16. O domínio de Frequência Multiplexada é de Estrutura Segmentada Multiplexação por Divisão de Frequência Ortogonal, ES-MDFO (SBT-OFDM). A codificação e compressão utiliza o sistema do Grupo de Especialistas em Figuras Móveis 2, GEFM-2 (MPEG-2) incluindo o áudio ACC, aventando-se a hipótese de utilização de compressão de vídeo do Grupo de Especialistas em Figuras Móveis 24, GEFM-4 (H.264) (MPEG-2) (MPEG-4/H-264).

 

Os pesquisadores do consórcio brasileiro, encabeçados pelo Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da USP - LSI-EPUSP, analisando com profundidade os três sistemas existentes, primeiro constataram que os três baseavam-se no sistema de codificação e compressão do Grupo de Especialistas em Figuras Móveis GEFM (MPEG). Em segundo lugar, confirmaram que o sistema do Comitê de Padronização de Televisão Avançada - Telecomunicações, CPTA-T (ATSC-T) (ATSC) era voltado sobretudo à TV a cabo, sendo pouco eficiente na transmissão terrestrial, sistema predominante no Brasil.

 

Os esforços concentraram-se então nos sistemas Difusão de Vídeo Digital Terrestrial, DVD-T (Digital Vídeo Broadcast Terrestrial - DVB-T) e Difusão Digital de Sistema Integrado Terrestrial, DDSI-T (Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial, ISDB-T), uma vez que as diferenças entre os dois não eram significativas. O desenvolvimento realizado tinha como objetivos algumas condições básicas:

 

a) Interatividade com linha de retorno através de linha telefônica fixa ou celular.

b) Inclusão social no sentido de compatibilidade com os protocolos IR

c) Mobilidade.

d) Compatibilidade com os sistemas existentes, visando a transformar o país em plataforma exportadora.

 

No desenvolvimento realizado, os pesquisadores brasileiros tiveram imenso sucesso. A adoção do sistema de OFDM segmentada japonesa foi aperfeiçoada, utilizando-se o sistema COFDM.

 

Na recepção o LSI-EPUSP propôs e desenvolveu toda uma família de terminais de acesso operando MPEG-4(H.264), o que possibilitou uma eficiência de compressão muito mais elevada do que o MPEG-2, dando um passo tecnológico mais avançado que seus congêneres japoneses e europeus, e pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba desenvolveram um "middleware" eficiente, completando o ciclo de desenvolvimento.

 

Hoje a cidade de São Paulo está totalmente coberta com um sistema de transmissão digital próximo do japonês, porém brasileiro. Estas transmissões estão sendo feitas do Sumaré com uma potência de apenas 800 watts, pelo canal 24, desde dezembro de 2005. São recebidas imagens de vídeo de alta definição, bem como, através dos terminais de acesso, imagens de definição convencional, que são aplicadas aos televisores analógicos comuns. A qualidade de recepção é excelente.

 

Temos, portanto, aqui no Brasil, uma tecnologia mais avançada que os sistemas existentes. Temos compatibilidade e possibilidade de exportação. Não reinventamos a roda, já que partimos de protocolos existentes no estado da arte e demos um passo adiante.

 

Alguém duvida da necessidade desse desenvolvimento e da viabilidade do SBTV?

 

Prof. Dr. João Antonio Zuffo é Coordenador Geral do Laboratório de Sistemas Integráveis, Professor Titular da Escola Politécnica da USP. Autor da série de livros "A Sociedade e a Economia no Novo Milênio" — Editora Manole.