Eletricidade é uma forma de energia perigosa. As elevadas tensões que podem ser encontradas na rede de energia e em alguns eletrodomésticos, assim como as usadas em aparelhos eletrônicos são capazes de causar morte. Para quem trabalha com eletricidade, evitar os perigos do choque elétrico é uma questão de extrema importância. Veja, neste artigo, o que é o choque elétrico e como podemos evitá-lo.
Na maioria dos aparelhos domésticos utilizamos a eletricidade que vem através de uma rede de energia. Esta eletricidade é entregue sob tensões algo elevadas que representam um perigo em potencial. Assim, como a maioria dos aparelhos eletrônicos funciona com a eletricidade da rede de energia, mudando pouco suas tensões (a não ser em casos em que ela é muito aumentada, como nos circuitos de MAT - muito alta tensão - dos televisores e monitores de vídeo), será interessante analisarmos o problema do choque a partir de sua origem na rede de energia.
1. AS TENSÕES DE NOSSAS REDES DE ENERGIA
Para o consumo doméstico podemos encontrar diversos valores de tensões nas redes brasileiras. Estas dependem do sistema de fornecimento, se ele é trifásico de 3 ou 4 condutores, ou se ele é monofásico de 3 condutores, conforme mostra a figura 1.
Essas diferenças trazem algumas confusões e podem levar equipamentos mais sensíveis a apresentarem problemas de funcionamento, se indevidamente ajustados.
Em geral, os aparelhos elétricos e eletrônicos indicados como "110 volts" funcionam bem com tensões na faixa de 110 a 127 volts, enquanto que os indicados por "220 volts" operam bem com tensões de 220 a 254 volts.
Todavia, o usuário precisa estar atento, principalmente se na sua localidade já houver precedentes de funcionamento indevido.
Desse modo, temos as seguintes tensões nas redes de energia de nosso país:
a) Sistema trifásico de 3 ou 4 condutores:
115/230 V
120/240 V
127/220 V
220/380 V
220 V
b) Sistema monofásico de 3 condutores:
110/220 V
115/230 V
127/254 V
Para maior facilidade de compreensão de nossos leitores, quando nos referirmos daqui em diante à rede de 110 volts, o que for dito será válido para tensões entre 110 e 127 V, e quando nos referirmos à rede de 220 volts, estaremos considerando as tensões de 220 a 240 V.
Para o caso da tensão de 240 volts, especificamente, será sempre interessante verificar se os equipamentos alimentados podem operar com esta tensão.
2. O CIRCUITO ELÉTRICO
Da mesma forma que a energia não pode ser criada nem destruída, mas somente transformada, as cargas elétricas que transportam a energia elétrica precisam ser "recicladas".
Isso significa que os aparelhos alimentados pela corrente elétrica não "consomem" cargas, mas somente a energia que elas transportam.
Não podemos simplesmente ligar um fio a uma lâmpada e "bombear" cargas indefinidamente para que ela acenda, "consumindo" essas cargas para produzir luz, conforme ilustra a figura 2.
Uma vez que as cargas entregam a energia que transportam à lâmpada, elas precisam continuar com seu movimento e ir para algum lugar, ou seja, precisam "circular".
O que se faz normalmente é usar dois fios, de modo a permitir que as mesmas cargas possam ser usadas para transportar a energia, formando assim um circuito elétrico, observe a figura 3.
Assim, a tensão estabelecida pelo gerador da empresa de energia "empurra" as cargas estabelecendo a corrente na lâmpada, e uma vez que as cargas entregam esta energia, fazendo a lâmpada acender, elas voltam ao gerador de modo que possam ser usadas novamente, sendo "empurradas" de volta para alimentar a mesma lâmpada ou outras lâmpadas.
Podemos comparar o gerador da empresa de energia a uma bomba que "empurra" constantemente água através de um cano para movimentar algum tipo de dispositivo, mas uma vez que a água fez "seu trabalho", ela volta à bomba para ser reaproveitada.
Observe que a bomba simplesmente "repõe" a energia na água, pressionando. O mesmo acontece com o gerador que "repõe" a energia às cargas que voltam a circular pelos fios.
Tudo isso significa que para que a energia elétrica possa ser usada, deve haver um percurso completo entre a tomada de energia que está ligada ao gerador e o aparelho alimentado, conforme indica a figura 4.
Este caminho fechado ou percurso fechado para a corrente é denominado "circuito elétrico".
Lembre-se: só há corrente elétrica se houver um percurso fechado ou um circuito fechado para sua circulação.
É por esse motivo que sempre precisamos de DOIS fios para alimentar qualquer aparelho elétrico: um serve para "enviar" a energia e outro para fazer o retorno, ou seja, para permitir a movimentação das cargas que já estejam sem energia. A pressão elétrica e, portanto a energia disponível num fio pode ser medida por sua pressão elétrica, ou seja, por sua tensão.
3. TERRA E NEUTRO
Da mesma forma que só podemos falar na pressão da água num reservatório em relação a um nível de referência, só podemos falar na "pressão elétrica" em relação uma tensão de referência. Assim, conforme exemplificado na figura 5, entre os pontos A e B do reservatório existe uma diferença de pressão ou potencial hidráulico menor do que a que existe entre os pontos A e C.
Para a represa, a referência é o seu nível mais baixo ou ainda pode ser considerado como o nível do mar. Este nível pode ser considerado o "zero" de pressões e a partir dela estabelecidas todas as outras pressões.
Para a eletricidade, o nível "zero" de tensão, ou seja, de "potencial elétrico" é um corpo para o qual todas as cargas podem se escoar quando pressionadas: a terra.
De fato, a terra conduz a eletricidade como um fio de metal, e por isso pode "absorver" ou "fornecer" qualquer quantidade de cargas.
A terra é então tomada como referência ou zero para o potencial elétrico. Assim, por definição a terra tem um potencial de zero volts (0 V).
As empresas de energia elétrica, quando geram energia precisam de um fio para enviá-la e outro para fazer o retorno, por isso as tomadas têm dois fios, conforme mostra a figura 6.
O fio de retorno é denominado neutro, pois ele é aproveitado como um retorno comum para muitos circuitos.
Entretanto, de modo a ter algumas comodidades nas instalações, as empresas de energia costumam ligar este fio de retorno ou neutro à terra, isso por meio de barras de metal que são enterradas profundamente no solo, nas entradas das instalações elétricas e em muitos lugares da própria rede de distribuição de energia.
Isso faz com que o potencial do pólo neutro seja igual ao da terra, daí este pólo ser confundido com a terra, e às vezes chamado de "terra", como ilustrado na figura 7.
Entretanto, pelos motivos que vimos é bom levar em conta sempre que "terra" e "neutro" são coisas diferentes, se bem que em alguns instantes coincidam.
Tudo isso faz com que no outro pólo possamos ter potenciais em relação à terra ou diferenças de potenciais diferentes, que podem ser 110 V ou 220 V, conforme o caso.
4. O CHOQUE ELÉTRICO
O corpo humano pode conduzir a corrente elétrica.
No entanto, como nosso sistema nervoso também opera com correntes elétricas, qualquer corrente que "venha de fora" consiste numa forte interferência passível de causar sérios problemas ao nosso organismo.
Dependendo da intensidade da corrente que circular pelo nosso organismo, diversos efeitos podem ocorrer.
Se a corrente for muito fraca, provavelmente nada ocorrerá, pois o sistema nervoso não será estimulado o suficiente para nos comunicar alguma coisa, e as próprias células de nosso corpo não sofrerão influência alguma.
Entretanto, se a corrente for um pouco mais forte, o sistema nervoso já poderá ser estimulado e termos com isso algum tipo de sensação como, por exemplo, um "formigamento".
Se a corrente for mais forte ainda, o estímulo já proporciona a sensação desagradável do choque e até de dor.
Finalmente, uma corrente muito forte, além de poder paralisar órgãos importantes como o coração, pode ainda danificar as células "queimando-as", pois correntes intensas quando encontram certa resistência à sua passagem, geram calor.
A tabela abaixo nos mostra as diversas faixas de correntes e os efeitos que causam sobre o organismo humano.
EFEITOS DA CORRENTE NO ORGANISMO HUMANO
100 µA a 1 mA - Limiar da sensação
1 mA a 5 mA - formigamento
5 mA a 10 mA - sensação desagradável
10 mA a 20 mA - pânico, sensação muito desagradável
20 mA a 30 mA - paralisia muscular
30 mA a 50 mA - a respiração é afetada
50 mA a 100 mA - dificuldade extrema em respirar, ocorre a fibrilação ventricular
100 mA a 200 mA - morte
200 mA - além da morte temos sinais de queimaduras severas
Obs: 1 µA (um microampère = 1 milionésimo de ampère)
1 mA (um miliampère = 1 milésimo de ampère)
Uma crença que deve ser examinada com muito cuidado, já que muitas pessoas aceitam-na como definitiva, é a de que usando sapatos de borracha não se leva choque e, portanto pode-se mexer à vontade em instalações elétricas. Nada mais errado!
Se a eletricidade é tão perigosa e, se mesmo usando sapatos de borracha o choque ainda pode ocorrer, é importante analisarmos o assunto mais profundamente.
Conforme vimos, uma corrente elétrica só pode circular entre dois pontos, ou seja, é preciso haver um ponto com potencial mais alto e um ponto de retorno ou potencial mais baixo.
A terra é um ponto de retorno, porque conforme vimos, as empresas de energia a usam para ligar o pólo neutro. Isso quer dizer que, se a pessoa estiver isolada da terra (usando um sapato com sola de borracha ou estando sobre um tapete de borracha ou outro material isolante), um primeiro percurso para a corrente é eliminado, veja a figura 8.
Isso significa que, se uma pessoa, nestas condições, tocar num ponto de uma instalação elétrica que não seja o neutro e, portanto houver um potencial alto (110V ou 220V), a corrente não terá como circular e não haverá choque.
Lembre-se: estando isolado da terra e tocando num único ponto de uma instalação elétrica não há choque; porém, o fato de usar sapatos de borracha não o livrará do perigo de choque.
Todavia, se a pessoa tocar ao mesmo tempo num outro ponto que ofereça percurso para a corrente seja por estar no circuito para isso, quer seja por estar ligado à terra, o choque ocorrerá, independentemente da pessoa estar ou não com sapatos de sola de borracha, conforme mostra a figura 9.
É por este motivo que uma norma de segurança no trabalho com eletricidade consiste em sempre se tocar apenas num ponto do circuito em que se está trabalhando, caso exista o perigo dele estar ligado. Nunca segurar dois fios, um em cada mão! Nunca apoiar uma mão em local em contato com a terra enquanto se trabalha com a outra!
5. ELETRICISTAS DE "MÃOS GROSSAS"
Um fato interessante que pode ter sido notado é que as pessoas podem sentir choques de maneiras diferentes.
Quem já não viu eletricistas calejados que seguram nas pontas de fios para saber se a tensão é 110V ou 220V ?
(Para os menos experientes - que não façam a experiência - dizem que se sair fumaça por uma orelha é porque a tensão é de 110 volts, e se sair pelas duas, a tensão é 220 volts!)
Acontece que não é o fato da tensão ser 110 volts ou 220 volts que vai provocar a morte pelo choque, mas sim a intensidade da corrente que circula pela pessoa, conforme a tabela que apresentamos anteriormente.
Assim, 220 volts é mais perigoso do que 110 volts no sentido de que, para um mesmo circuito (que tenha determinada resistência), os 220 volts podem forçar a circulação de uma corrente mais intensa!
A intensidade da corrente que vai circular pelo corpo de uma pessoa dependerá justamente de como essa pessoa pode conduzir a eletricidade, e existem diferenças de indivíduo para indivíduo.
Diversos são os fatores que vão influir nesta "capacidade" que a pessoa tem de conduzir a corrente elétrica tais como:
a) espessura da pele
Uma pele mais grossa é mais isolante que uma pele fina. Por esse motivo, os eletricistas "calejados" que possuem a pele dos dedos bem mais grossas (e sujas!) quase não sentem choques, pois a intensidade da corrente que pode passar por ela é muito pequena.
b) umidade
Uma pele molhada se torna excelente condutora de eletricidade, principalmente se for molhada de suor que, pela presença de sal é mais condutora ainda.
Isso torna o choque nas condições de um banho extremamente perigoso, pois as correntes podem ser dezenas de vezes maiores do que em condições normais, ou seja, com a pele seca.
c) presença de cortes
Um corte coloca a parte "molhada" de nosso corpo, que é formada pelo fluido sanguíneo e outros fluidos internos em contato direto com a eletricidade. Esta parte é um excelente condutor de corrente, aumentando em muito a sua intensidade em caso de choque. Ao tomar banho num chuveiro com um aterramento deficiente, insuficiente para causar choque em condições normais, a pessoa que possui um pequeno ferimento vai sentir choque justamente nele.
d) exposição à partes sensíveis
Um choque nos dedos, onde a pele é mais grossa, certamente será devido a uma corrente de muito menor intensidade do que se ele ocorrer numa parte mais sensível com pele mais fina ou úmida. Segurar um fio na boca pode ser terrivelmente perigoso para um técnico desavisado.
Existem normas de segurança para trabalhar em instalações elétricas com o mínimo de perigo de choques, mas o melhor mesmo é DESLIGAR TUDO antes de mexer em qualquer ponto da instalação!
Obs.: Recomendamos consultar a norma NBR 5410 que não estava em vigor quando o artigo foi escrito em 2000.