Dois recursos eletrônicos da medicina ganham destaque dia a dia, tanto na descoberta de problemas internos do organismo humano como no aprimoramento do conhecimento das funções de nosso corpo: a tomografia computadorizada e a ressonância magnética. Equipamentos sofisticados, que poucos hospitais possuem, podem revelar pormenores extremamente delicados do organismo humano, constituindo-se numa poderosa arma da medicina contra doenças perigosas. Como funcionam estes aparelhos é algo que mesmo muitos que os utilizam não sabem, mas que certamente todos que são de alguma forma, ligados à eletrônica, gostariam de saber. É justamente isso que vamos explicar neste artigo.
A forma mais simples de se "ver" através do organismo humano é a que faz uso dos raios-X. Este tipo de radiação é penetrante o suficiente para atravessar os tecidos "moles" de nosso organismo, sofrendo apenas uma absorção maior nos tecidos "duros" como por exemplo os ossos, possibilitando assim a obtenção de uma imagem com contrastes. A forma mais comum de usarmos os raios X é na radiografia convencional que tem um princípio de funcionamento bastante simples, ilustrado na figura 1.
Figura 1 – Os raios X são agressivos, pois destroem as células do corpo.
Uma válvula especial alimentada por uma tensão ultra alta de centenas de milhares de volts produz um feixe de elétrons que, ao incidir num anodo de forma violenta, libera energia suficiente para provocar a emissão de raios X. Estes raios X são então dirigidos de forma a incidirem no organismo que se deseja radiografar. Por trás do organismo coloca-se uma chapa fotográfica que será impressionada pelos raios X que atravessarem o organismo. Desta forma, nos locais em que existirem tecidos "duros" como os ossos, a absorção dos raios será maior formando assim regiões de "sombra" na chapa. Nos locais em que os raios atravessarem com facilidade, a chamada será mais “queimada” formando regiões mais claras.
Diversos problemas internos podem ser detectados conforme o nível de absorção dos tecidos, permitindo assim que os médicos os descubram sem precisar "abrir" o doente.
Evidentemente, o grande problema deste tipo de procedimento, além da necessidade de "banhar" o paciente com uma radiação que é potencialmente perigosa, é que a imagem obtida é bidimensional. Forma-se na chapa uma imagem de sombras e claros em duas dimensões do que o indivíduo tem em seu interior. Assim, se um problema a ser detectado estiver justamente por trás de um osso que "faz sombra", com uma única chapa, ele não pode ser descoberto, o que é bem ilustrado na figura 2.
Figura 2 – Corpos densos dificultam a passagem dos raios X.
É por este motivo que, na detecção de certos problemas mais graves é necessário tirar mais de uma radiografia, com o paciente colocado em posições diferentes. A tecnologia moderna, entretanto desenvolveu técnicas mais avançadas que hoje são muito mais confiáveis e até mais usadas em determinados tipos de diagnósticos. Uma delas é a Tomografia Computadorizada ou CT (de Computerised Tomography) que foi desenvolvida em 1970 por dois pesquisadores. Um deles foi o físico sul africano Allan M. Cormack e o outro o engenheiro britânico Godfrey Hounsfield. No entanto, o primeiro aparelho prático foi construído na Holanda por Hounsfield tendo uma repercussão tão grande no mundo da medicina que rendeu ao seu construtor o prêmio Nobel de medicina em 1979. A idéia básica é a mesma da radiografia: tecidos absorvem raios X numa proporção que depende de sua consistência.No entanto, para se obter uma imagem tridimensional em lugar de se espalhar os raios por toda a superfície do corpo em análise, concentra-se os raios X num feixe muito estreito e além disso varia-se continuamente o ângulo segundo o qual ele é produzido, conforme mostra a figura 3.
Figura 3 – Movimento da fonte de raios X para obter uma imagem tridimensional.
Desta forma, analisando-se por meio de um computador os níveis de absorção em todos os ângulos possíveis, pode-se formar uma imagem tridimensional de fatias do corpo humano, conforme sugere a figura 4.
Figura 4 – Explorando o corpo de um paciente com o sistema instalado num tambor rotativo.
Evidentemente, para se ter uma imagem total, podem ser sobrepostas imagens de fatias obtidas com cada varredura do sistema.A tomografia computadorizada, conforme o leitor pode perceber, só se tornou possível com a disponibilidade de computadores capazes de fazer os complexos cálculos que levam a obtenção das imagens tridimensionais. Mas, o sistema não parou de evoluir e algumas alternativas interessantes passaram a ser pesquisadas, tornando-se, em pouco tempo de uso prático comum. Uma delas foi a Tomografia Computadorizada por Auto Radiografia ou Tomografia por Emissão de Pósitrons (abreviada por PET, do inglês Positron Emission Tomography). A idéia deste sistema é, em lugar de emitir o feixe de raios X para análise, fazer com que o próprio paciente emita alguma forma de radiação que possa ser detectada, pela injeção de substâncias radioativas em doses apropriadas. Escolhem-se então rádio - isótopos de tipos especiais que, emitam pósitrons quando ocorre a desintegração do material.( Usamos diversos termos que talvez não sejam muito familiares aos nossos leitores. Para que ninguém fique "no ar" vamos procurar explicá-los da melhor forma possível. Veja no final do artigo um glossário dos termos aplicados) Os pósitrons, ao se formarem na desintegração do material radioativo, imediatamente se combinam com os elétrons que estiverem mais próximos, ocorrendo a emissão de raios gama. Quando um pósitron se encontra com um elétron, eles se aniquilam, com a produção de dois raios gama (dois “quanta” de energia) que se propagam em direções opostas, conforme sugere a figura 5.
Figura 5 – O choque de partículas de alta energia produz raios gama.
Usando sensores apropriados, o sistema PET CT pode então formar uma imagem do corpo que está sendo analisado. Os locais em que a substância radioativa se concentrar produzem intensidades maiores de radiação fornecendo assim uma imagem mais "clara".
Os equipamentos deste tipo foram usados na década de 80 para estudos da atividade cerebral, no estudo do metabolismo, na verificação do consumo de oxigênio e na movimentação do sangue além dos efeitos de drogas. Como este sistema fornece uma imagem dinâmica, tornou-se possível ver o organismo funcionando "por dentro" sem a necessidade de abri-lo! Posteriormente, um novo aperfeiçoamento do sistema ocorreu.
No meio da década de 80, com o desenvolvimento dos equipamentos de Ressonância Magnética ou MRI (Magnetic Resonance Imaging) uma nova família de equipamentos médicos entrou em funcionamento. Conforme já explicamos em outros artigos de revistas desta editora, (quando tratamos do perigo que os campos elétricos intensos apresentam potencialmente aos organismos vivos), as células vivas tendem a responder de maneira determinada à ação de campos magnéticos externos, segundo sua freqüência. A presença de materiais magnetizáveis ou ferromagnéticos no interior das células vivas faz com que elas se comportem como pequenas bússolas, agitando-se e orientando-se conforme a influência externa de campos magnéticos intensos. Se as células de um ser vivo forem seletivamente estimuladas por campos magnéticos externos, a agitação resultante provoca a emissão ondas de rádio que podem ser facilmente detectadas “do lado de fora”, conforme mostra a figura 6.
Figura 6 – Excitando um tecido vivo, ele emite ondas de rádio.
A freqüência do estímulo é então escolhida de modo a corresponder a ressonância (*) das célula que se deseja examinar, quando então elas são forçada a re-emitir radiação, a qual pode ser detectada facilmente para estudo. O interessante deste sistema, e que o torna extremamente poderoso, é que a freqüência de estímulo pode ser escolhida de modo a permitir a detecção exatamente dos átomos desejados. Por exemplo, pode-se sintonizar o aparelho na "freqüência" do cálcio e assim fazer-se um levantamento completo da distribuição deste elemento num organismo. Isso permitiria uma detecção muito simples de regiões com problemas de ossificação, por exemplo. E, outras vantagens podem ser citadas neste sistema: uma delas é o fato da radiação usada como estímulo ser muito menos agressiva ao organismo, o que não ocorre com os raios X e a radiação produzida por isótopos que sejam injetados num paciente. Outro fato é que se obtém uma imagem em tempo real com elevada resolução de pormenores: pormenores da ordem de 2 mm e até menos podem ser acusados por este sistema.
Figura 7 – Um equipamento de ressonância magnética
CONCLUSÃO
Os recursos eletrônicos avançam a cada dia exigindo, não só profissionais habilitados no seu manejo como na manutenção. O uso de circuitos eletrônicos complexos mostra que a cada dia se necessita de um preparo específico para se mexer ou usar os equipamentos.
Os profissionais desta área são escassos, e o primeiro passo para o leitor que pretende penetrar neste campo, é saber o que pode fazer. Para isso, devemos começar sabendo justamente o que fazem tais aparelhos e é isso que procuramos mostrar neste artigo.
GLOSSÁRIO
RADIO-ISÓTOPOS
A maioria das substâncias que conhecemos é estável, ou seja, seus átomos não se alteram com o tempo e ela não emite qualquer forma de radiação. Existem entretanto, substâncias que são radioativas por natureza, ou seja, seus átomos se desintegram numa velocidade determinada com o tempo e com isso ocorre a emissão constante de radiação. Dizemos que estas substâncias são radioativas.Ocorre que, se colocarmos substâncias que não sejam radioativas junto às que sejam, ou as submetermos a radiação seus átomos podem sofrer alterações, mudando de massa mas não de número atômico. Isso significa que muda a maneira como as partículas do núcleo se organizam, mas a substância continua a mesma. A nova substância assim formada é entretanto radioativa, pois os átomos alterados são instáveis. Assim, por exemplo, se tomarmos o Césio comum, que tem massa atômica 133, ele não é radioativo, mas submetendo-o a um processo especial, podemos obter o Césio 135 que é radioativo. Esse césio radioativo é um isótopo do césio comum, ou um "rádio-isótopo" que se desintegra gradativamente emitindo radiação atômica. O césio ‚ justamente um dos radioisótopos usados na tomografia para "dar contraste" aos tecidos analisados.
PÓSITRONS
Os elétrons são partículas dotadas de cargas elétricas negativas e são comuns na matéria que nos rodeia. No entanto, existe uma forma mais rara de partícula com propriedades totalmente idênticas às dos elétrons, exceto a carga elétrica que é positiva.
Podemos dizer que os pósitrons são os "anti-elétrons". Suas estruturas são tais que, se estas partículas se "encontrarem" ocorrem um aniquilamento e as duas desaparecem.
No entanto, com o desaparecimento ocorre a emissão de duas "porções" ou "quanta" de energia na forma de raios gama.
RESSONÂNCIA
Todos os corpos tendem a vibrar com maior intensidade numa determinada freqüência. Quando existe uma excitação externa nesta frequência, o corpo ressoa vibrando com grande intensidade, muito mais do que outros que sejam excitados pelo mesmo sinal, mas que tenham outra frequência de ressonância. Um violão emite sempre a mesma nota ao se excitar determinada corda, porque ela ressoa na frequência emitida. É por isso que as cordas dos instrumentos musicais produzem uma única freqüência quando excitadas e essa freqüência depende de seu comprimento. Uma barra de metal quando recebe uma pancada vibra sempre na mesma freqüência que é a sua freqüência "natural" de vibração. Dizemos que esses corpos "ressoam" em determinadas freqüências, na qual tendem a vibrar com maior intensidade, e estas são as suas "freqüências de ressonância".