O forno de microondas é um exemplo de eletrodoméstico que utiliza intensamente recursos eletrônicos. Na verdade, o princípio de funcionamento deste aparelho lembra mais o de um transmissor de rádio do que propriamente um fogão, daí o seu especial interesse para os técnicos eletrônicos. Neste artigo analisamos o princípio de funcionamento desse tipo de forno e ainda damos algumas orientações no sentido de se obter mais segurança e rendimento na sua utilização e mesmo na reparação.
Nota: Este artigo saiu na revista Eletrônica Total 126 de 2007. Outro com o mesmo nome e do mesmo autor saiu em outra publicação e também se encontra neste site.
Todos têm conhecimento que as ondas de rádio transportam energia. Os operadores de transmissores de alta potência sabem que a simples aproximação da antena de uma lâmpada fluorescente a faz acender, e que um toque acidental em um circuito causa mais queimaduras do que propriamente choques.
O aquecimento provocado pelas ondas de rádio também foi observado de modo mais intenso pelos operadores de grandes estações de radar nos anos 50 como, por exemplo, na Groenlândia, em que se aqueciam diante das potentes antenas que irradiavam milhões de watts na direção de onde poderia vir um eventual ataque russo.
Estudos feitos com seres vivos revelam que as ondas de determinados comprimentos podem penetrar profundamente nos tecidos vivos e provocar um aquecimento, pela absorção de energia. Este aquecimento é perigoso pois pode destruir os tecidos vivos, motivo pelo qual a exposição de pessoas, animais ou mesmo plantas a radiações eletromagnéticas de grande intensidade, mesmo na faixa das radiofrequências, é perigosa.
No entanto, se os tecidos já estiverem mortos, o efeito de aquecimento provocado por ondas de rádio de comprimento muito pequeno pode ter até uma boa utilidade no âmbito doméstico.
Aplicando-se uma boa potência de radiação de alta frequência nos alimentos, é possível aquecê-los e cozinhá-los com uniformidade, facilidade e grande eficiência.
O interessante de tudo isso é que só podemos ter hoje este aparelho de uso doméstico porque houve época em que esforços de guerra levaram a uma pesquisa que permitiu desenvolver um dispositivo de uso exclusivamente militar, capaz de gerar grandes quantidades de microondas com facilidade e que atualmente tem seu uso civil.
Este dispositivo, que analisaremos mais adiante, consiste no coração dos fornos de microondas: é a válvula Magnetron.
Aquecimento por microondas
Em um corpo qualquer em estado neutro, normalmente a eletricidade não se manifesta porque suas moléculas, que são polarizadas, têm uma distribuição que no todo cancela os efeitos dessas cargas, conforme ilustra a figura 1.

Todavia, tais moléculas polarizadas podem ser facilmente orientadas pela ação de campos elétricos externos.
Na figura 2 mostramos o que acontece com as moléculas de um corpo quando submetidas à ação de um forte campo elétrico.

Se invertermos a polaridade do campo elétrico, a tendência das moléculas será modificar sua posição de modo a haver uma orientação no sentido de acompanhar a nova orientação do campo, observe a figura 3.

O que aconteceria se o campo externo ficasse mudando constantemente de polaridade, como no caso da aplicação de um sinal intenso de alta frequência (RF), por exemplo?
A resposta é que as moléculas procurariam mudar de posição rapidamente, tentando acompanhar as modificações do campo e, em consequência, haveria a absorção de energia com a sua transformação em calor.
O material seria aquecido justamente em função da energia dispendida no processo pela própria vibração adquirida por suas moléculas, conforme sugere a figura 4.

Veja que, se este material for um alimento, seu cozimento poderá ocorrer de uma maneira bem diferente da convencional. No cozimento convencional, o alimento é aquecido a partir de uma fonte externa de calor. Assim, este calor deverá penetrar no alimento propagando-se por convecção, se for um líquido, ou por condução, se for um sólido. O calor transfere-se então de fora para dentro de maneira lenta. O resultado disso é que o aquecimento não acontece de maneira uniforme.
Se tivermos um alimento sólido, a tendência é que as partes externas se aqueçam mais e antes que as internas.
No caso de uma peça grande de carne, por exemplo, pode ocorrer que a parte externa já esteja perfeitamente cozida (ou assada) antes da interna ter recebido calor suficiente para isso, veja a figura 5.

No cozimento por radiofrequência, pela ação de um forte campo elétrico, as moléculas do alimento vibram todas com a mesma intensidade e ao mesmo tempo gerando, assim, calor de modo uniforme.
Isso significa que a temperatura sobe até o valor desejado, necessário ao cozimento, em toda a extensão do corpo ao mesmo tempo, conforme ilustra a figura 6.

Para que aconteça o processo indicado, não podemos usar qualquer tipo de sinal de rádio ou radiofrequência (abreviado por RF).
Para penetrar nos alimentos e produzir calor, a frequência dos sinais deverá estar na faixa das microondas e a potência usada terá que ser considerável.
Os fornos de microondas comuns (domésticos) trabalham com potências na faixa dos 400 aos 1 600 watts, dependendo do tipo e tamanho, o que é algo a ser levado em conta.
Para produzir um sinal dessa potência na faixa de frequências acima de 1 000 MHz são necessários dispositivos especiais, uma vez que válvulas comuns e mesmo transistores não conseguem fazer isso.
Além disso, o próprio forno deve ser dotado de dispositivos especiais de segurança que impeçam que esta radiação intensa escape atingindo os usuários, o que poderia ser perigoso. Para entender como funcionam os fornos e de que modo as radiações são obtidas com certa facilidade, devemos começar pelo estudo da válvula magnetron.
A válvula magnetron
A válvula magnetron Nos circuitos de transmissores comuns, que geram sinais de radiofrequências em faixas e potências mais baixas, normalmente são usadas válvulas e transistores.
Entretanto, para gerar frequências da ordem exigida para o cozimento dos alimentos em um forno de microondas, as válvulas e transistores não servem. O motivo disso é que a frequência é tão elevada que não há tempo, num ciclo do sinal, para que o feixe de elétrons ou os portadores de carga atravessem o dispositivo que deve controlá-los, observe a figura 7.

Existem, portanto, limites para a operação de válvulas comuns e transistores no que se refere à frequência máxima que eles podem gerar.
Para produzir sinais de potência elevada na faixa das microondas, acima de 1 000 MHz, é utilizada uma válvula magnetron de cavidade ressonante. Esta válvula foi desenvolvida a partir da válvula Klystron da Universidade de Birmingham (Inglaterra), pelo professor M.L. Oliphant, no outono de 1939.
A ideia básica era utilizar a válvula para produzir sinais de potências elevadas na faixa de microondas para os sistemas de radar que deveriam detectar ataques nazistas. Naquela época, o sistema de radar ainda era precário e os ingleses estavam em plena guerra contra os alemães. Na figura 8 temos o desenho em corte de um magnetron, como o usado em um forno de microondas.

Nesta válvula existe um anodo, que é uma peça de ferro oca com diversas cavidades, tendo as dimensões determinadas pelo comprimento de onda cio sinal que deve ser gerado. Essas cavidades possuem aletas em número par que apontam para um filamento, cuja finalidade é aquecer o catodo para a emissão de elétrons. A antena, que é a saída de sinal da válvula, é conectada às aletas do anodo.
Quando ocorre a condução da corrente pela cavidade, seu comportamento é ode um indutor, enquanto sua abertura é equivalente a uma capacitância, formando assim um circuito ressonante na frequência que deve ser gerada.
Para operar o magnetron é preciso conectar uma fonte de alta tensão que pode variar entre 3 000 e 5 000 volts, dependendo da potência e do tipo de válvula.
O polo positivo da fonte vai ao anodo e o negativo ao catodo, como numa válvula convencional. A alta tensão é obtida de um transformador comum ligado à rede de energia e que tem no seu secundário um sistema retificador/ dobrador de tensão convencional.
O funcionamento da válvula como um oscilador pode ser analisado da seguinte maneira: Se nenhuma força adicional agisse sobre o feixe de elétrons emitido pelo catodo no interior da válvula, haveria simplesmente um fluxo simples em direção ao anodo, conforme ilustra a figura 9.

Contudo, existem potentes ímãs na válvula que atuam sobre o feixe de elétrons, fazendo-os descrever uma trajetória espiral, veja a figura 10.

O movimento dos elétrons desta forma é responsável pela indução de uma corrente alternada nas cavidades, observe a figura 11.

Quando um elétron se aproxima do segmento entre duas cavidades, cargas elétricas são induzidas no mesmo da maneira indicada na figura 12.

O movimento dos elétrons e a indução de cargas podem ser, então, analisados como se houvesse uma oscilação e existissem circuitos ressonantes nos segmentos, conforme exibe a figura 13.

Na prática, a indução das cargas não se dá por elétrons isolados. Os elétrons emitidos pelo catodo, espiralando-se, formam uma espécie de nuvem com a forma indicada na figura 14, e induzindo com isso cargas muito maiores, o que permite obter potências elétricas elevadas.

Os circuitos ressonantes são então constantemente excitados, mantendo a oscilação na frequência que lhes corresponde.
A energia gerada no processo poderá, assim, ser obtida a partir do terminal de antena.
Um circuito prático
Na figura 15 temos um circuito típico simplificado do setor que gera microondas em um forno comercial, onde o magnetron é alimentado por um transformador e um dobrador de tensão de meia onda.
Os choques de RF em série com o filamento da válvula magnetron, assim como os capacitores, são utilizados para eliminar as interferências geradas no processo de oscilação e que podem afetar rádios e televisores ligados nas proximidades.
O transformador tem uma tensão de secundário da ordem de 2 000 volts e a potência do circuito é da ordem de 1 000 watts, o que nos leva a uma corrente de aproximadamente 500 mA no enrolamento de alta tensão.
O resistor de drenagem em paralelo com o capacitor tem uma função importante: quando o forno é desligado o capacitor pode manter a carga de alta tensão por um bom tempo, o que seria um risco para um técnico reparador. Com o resistor esta carga é drenada, demorando aproximadamente 30 segundos para que o processo se complete e não haja mais perigo em trabalhar no circuito.
O técnico, entretanto, nunca deve confiar totalmente nesse resistor, descarregando sempre o capacitor antes de trabalhar no circuito.
Na figura 16 mostramos o modo segundo o qual o magnetron é instalado em um forno e como seus sinais são aplicados ao alimento através de uma guia de onda.

Veja que nas frequências de operação do forno os sinais não são transmitidos com facilidade por cabos coaxiais. As guias de onda, que são condutores ocos de metal, podem transmitir esses sinais com muito mais facilidade.
Os sinais obtidos a partir da saída da guia de ondas são espalhados pelo compartimento onde fica o alimento, de modo uniforme.
O forno deve ter esta cavidade feita com material que reflita totalmente essas radiações para evitar que elas possam escapar e atingir pessoas do lado de fora.
Observe o leitor, entretanto, que deve existir obrigatoriamente no interior do forno alguma coisa que possa absorver esta energia, pois se isso não acontecer, as ondas "voltam" ao magnetron causando-lhes danos.
Portanto, não se deve nunca ligar o forno vazio, nem colocar em seu interior objetos de metal que possam refletir as ondas de forma indevida.
Comportamento das microondas
As microondas comportam-se basicamente de modo semelhante à luze aos raios infravermelhos, que são formas de radiação eletromagnética de menor comprimento de onda. Assim, há corpos que são transparentes, translúcidos e opacos para as microondas do mesmo modo que existem corpos com tais propriedades em relação à luz.
Os corpos transparentes às microondas como o papel, o vidro, a louça. os plásticos, etc., são aqueles que não afetam sua propagação.
Se colocarmos alimentos em recipientes feitos com estes materiais, as ondas os atravessam sem problemas, chegando diretamente aos alimentos produzindo assim o efeito desejado, veja a figura 17.
Os corpos translúcidos são aqueles em que a radiação penetra, mas se espalha em seu interior, sendo em parte absorvida. Um exemplo de corpo translúcido para a luz é o vidro leitoso. Para as microondas, os alimentos que são cozidos são translúcidos.
Finalmente, temos os corpos opacos que refletem essas radiações, não as deixando penetrar em seu interior, e que são os metais. Para o caso dos alimentos, é preciso ainda levar em conta a profundidade de penetração que as ondas podem atingir.
Na realidade, à medida que as ondas penetram nos alimentos, sua energia vai sendo absorvida, havendo, portanto, uma redução gradual da sua intensidade. Este grau de penetração depende tanto da natureza do material que absorve as microondas quanto de sua frequência.
O valor numérico deste grau de penetração é expresso para o ponto em que a intensidade das microondas cai para 37% do valor inicial.
Para os fornos que operam nas frequências de 2 450 MHz, por exemplo, o grau de penetração das ondas na carne é de aproximadamente 2 a 3 cm, e para outros alimentos chega a 5 ou 7 cm.
Isso quer dizer que grandes pedaços de carnes ou aves precisam de um tempo maior de exposição às microondas para ficarem totalmente cozidos. Assim, pelo menos 15 minutos de cozimento são necessários para tais alimentos ficarem no ponto.
Um forno comercial
Na figura 18 temos o diagrama de um forno comercial do tipo NE-7660-B, da National, que, apesar de ser algo antigo, possui um circuito simples e é ideal para que o leitor entenda seu princípio de funcionamento.
Quando o alimento é colocado no seu interior e a porta é fechada, os contatos da chave de segurança habilitam a alimentação do circuito.
Se a porta for aberta quando o forno estiver funcionando, esta chave curto-circuita a linha de energia, provocando com isso a abertura do fusível de proteção.
Para ativar o forno, temos a chave de acionamento que atua sobre o relé que, por sua vez, controla a corrente principal do circuito.
A lâmpada do forno acende juntamente com a entrada em funcionamento do motor do ventilador. A finalidade deste ventilador é refrigerar o magnetron, provocando a circulação de ar.
Com o fechamento do circuito o transformador de alta tensão recebe energia da rede e produz a alta tensão de 2 000 volts que, retificada e filtrada é aplicada ao anodo do magnetron. O secundário de 3,3 volts do transformador tem por finalidade alimentar o filamento da válvula.
No final do processo de cozimento, comandado pelo timer, o sistema desliga automaticamente. Como os tempos de cozimento variam não só em função do tipo de alimento como também da potência aplicada, os fornos também são dotados de controles de potência.
O controle mais simples de potência é o que altera a tensão aplicada ao magnetron. Capacitores no sistema de chaveamento do dobrador de tensão permitem fazer o controle da tensão aplicada no anodo da válvula.
A principal vantagem deste sistema é sua simplicidade. Nos circuitos mais sofisticados encontramos o controle digital das funções além de um microprocessador que permite a programação sofisticada de potências, tempos etc.
Instalação
Diversos são os cuidados que alguém que instala um forno de microondas deve ter, já que o escape de radiação pode ser perigoso e a presença de tensões muito altas no circuito também.
O primeiro ponto que deve ser considerado é o aterramento que permite que, qualquer fuga de alta tensão ou mesmo de RF que apareça na estrutura metálica do forno seja desviado para a terra.
O uso de tomadas de 3 pinos (2P+T) como as usadas nos computadores é altamente recomendável para maior segurança se bem que na maioria dos casos sejam usadas tomadas comuns com um terceiro fio para conexão à terra. Em caso de dificuldades de obter uma boa terra no local de instalação o polo neutro da rede de energia pode ser usado para esta finalidade.
O segundo ponto importante refere-se à tensão disponível na rede, assim como o tipo de instalação em que vai ser usado o forno.
O forno é um dispositivo de alto consumo, o que exige que a instalação use fios apropriados para a intensidade da corrente exigida, de modo a não haver sobrecargas. Nunca ligue na mesma tomada do forno outros aparelhos de alto consumo como ferros de passar, geladeiras, aquecedores, acionando-os todos ao mesmo tempo!
Como terceiro ponto importante temos a localização do forno que deve ficar em local livre de umidade ou calor excessivo.
Quando a temperatura estiver acima de 40 graus centígrados, o forno não deve ser utilizado em sua potência máxima, sob pena de encurtamento da vida útil de seus componentes ou até problemas imediatos.
A quarta recomendação refere-se à instalação de aparelhos que possam sofrer interferências nas proximidades como por exemplo rádios e televisores.
O fio terra e a utilização de filtros de rede eliminam ou reduzem bastante os problemas de interferências causadas por fornos de microondas. Finalmente, temos a fixação que deve ser feita de maneira que ele fique firme e que nenhum objeto venha obstruir os furos de ventilação.
Nunca coloque toalhas ou outros objetos sobre os furos de ventilação quando o forno estiver funcionando.