Os ultrassons são utilizados numa infinidade de aplicações eletrônicas importantes. No sensoriamento de objetos, medida de distâncias, controles remotos, limpeza de objetos, aplicações médicas e até mesmo na transmissão de informações, essas vibrações inaudíveis ocupam lugar de destaque no amplo espectro das vibrações mecânicas. Como gerar ultrassons e como utilizá-los? Essas são algumas das questões que procuraremos abordar neste artigo. Respondendo a essas perguntas, levaremos nossos leitores a uma dimensão maravilhosa, que nossos sentidos não podem alcançar, mas que podem explorar com a ajuda da eletrônica.
Nota: Artigo publicado na revista Eletrônica Total 129 de 2008.
Nossos ouvidos são estruturas sensíveis que se adaptam perfeitamente aos tipos de vibrações que são mais comuns na natureza e no próprio meio em que vivemos. Assim, milhões de anos de evolução determinaram a faixa bem definida de frequências que podemos ouvir e que denominamos "sons".
Uma experiência imaginária nos permite entender melhor o que é o som, e também outras vibrações de mesma natureza, que se situam além do alcance de nossos ouvidos: os infrassons e os ultrassons, sendo este último o assunto chave deste artigo.
Se prendermos uma barra de metal numa morsa, poderemos fazer com que uma de suas extremidades entre em vibração - conforme mostra a figura 1. Para nossa experiência não importa exatamente como fazer isso, mas sim as consequências dessas vibrações.

As vibrações desta barra de metal vão comprimir e distender o ar em sua volta de modo regular, criando assim "ondas" onde localizamos regiões com maior ou menor densidade de partículas, ou seja, ondas de compressão e descompressão, conforme ilustra a figura 2.

Estas ondas longitudinais se propagam pelo ar numa velocidade que depende da pressão, umidade, temperatura e alguns outros fatores adicionais.
Para o ar ambiente, em condições normais de temperatura e pressão, ou seja, a 20 graus Celsius no nível do mar, a velocidade de propagação é da ordem de 333 metros por segundo. No entanto, para maior facilidade de cálculos, é comum fazermos a aproximação para 340 metros por segundo.
Encontrando algum tipo de obstáculo, essas vibrações poderão forçá-lo a vibrar na mesma frequência, transferindo-lhe assim energia. Em outras palavras, estas ondas transportam energia que podem entregar a objetos que encontrem em seu percurso.
Se as vibrações ocorrerem numa velocidade relativamente pequena, algumas vibrações por segundo apenas, mesmo incidindo na membrana sensível de nossos ouvidos, que é o tímpano, elas não conseguem excitá-lo a ponto de haver a transmissão de um sinal ao nosso cérebro.
Isso significa que essas vibrações estão numa frequência abaixo do que podemos ouvir. Essas vibrações, pela sua frequência, são denominadas infrassons. A posição dessas vibrações no espectro é apresentada na figura 3.

Conforme vimos, essas vibrações transportam energia e, por isso, possuem um certo poder de destruição. Em um terremoto, as vibrações desta faixa de frequência causam grande destruição, podendo ser sentidas, mas não ouvidas.
O ponto em que as vibrações começam a ser ouvidas está em torno de 15 hertz. É preciso que a nossa barra de metal imaginária vibre pelo menos 15 vezes por segundo para que as ondas de compressão e descompressão que cheguem aos nossos ouvidos o estimulem. A sensação transmitida ao cérebro será a de um som contínuo muito grave, um zumbido.
Aumentando gradualmente a frequência das vibrações, ou seja, fazendo com que a barra vibre cada vez mais rapidamente, vamos modificar a altura do som (a altura é a característica relativa à frequência que não deve ser confundida com o volume ou intensidade), tornando o som médio quando chegamos a aproximadamente 500 Hz, e depois agudo quando ultrapassamos os 2 000 Hz, conforme indica o diagrama da figura 4.

Aumentando mais e mais as vibrações, entretanto, vamos verificar que as pessoas, segundo suas idades, características pessoais e até mesmo eventuais doenças, vão deixando de ouvir o som que está sendo emitido.
O limite exato em que deixamos de ouvir as vibrações varia bastante de pessoa para pessoa, mas na média está em torno de 15 000 Hz (15.000 vibrações por segundo). Teremos então percorrido todo o espectro audível, ou seja, a faixa de frequências que corresponde às vibrações que podemos ouvir, conforme observamos na figura 5.

No entanto, passando dos 15 000 Hz, a barra de metal ainda pode vibrar. Estas vibrações já não serão mais audíveis, pois estão além de nossa capacidade de percepção. A barra estará produzindo então ultrassons.
Não existe limite conhecido para até onde a barra de metal pode vibrar.
Há dispositivos capazes de gerar ultrassons de milhões de hertz, ou seja, muitas oitavas acima do nosso limite auditivo e que, portanto, não podem ser ouvidos por ninguém.
Mas o interessante é que no mundo animal existem espécies que têm ouvidos capazes de alcançar frequências que o ouvido humano não atinge, como vemos na figura 6.

Assim, o que o ultrassom é para nós, pode não ser para algumas espécies animais. Podemos citar como exemplo os cães que, em alguns casos, podem ouvir vibrações de até 25 000 Hz, alcançando desse modo frequências que nós não podemos perceber. Quantas vezes seu cãozinho levantou as orelhas sobressaltado percebendo alguma espécie de som que você não ouviu?
Animais como os morcegos, e até mesmos os golfinhos, podem usar os ultrassons com finalidades muito mais complexas do que a simples comunicação. O morcego, por exemplo, possui um sistema de audição tão elaborado que pode captar e interpretar os ecos ou reflexões das vibrações que ele mesmo emite em frequências ultrassônicas. Em outras palavras, ele possui um verdadeiro sistema de "radar" que, no caso, por operar com sons, recebe a denominação de "sonar".
Ele emite um som de frequência muito alta (que não podemos ouvir) que chega aos 40 000 Hz, e se existir algum tipo de obstáculo para sua propagação, como por exemplo outros animais, insetos ou os galhos de uma árvore, ele recebe o eco e o interpreta, determinando a distância do obstáculo, seu tamanho e posição, evitando-o ou atacando-o.
À medida que as vibrações aumentam de frequência, a distância entre os pontos de maior e menor compressão diminui, ou seja, diminui o comprimento de onda. Isso significa que estas ondas passam a ser sensíveis a obstáculos cada vez menores. Podemos fazer uma interessante experiência com os morcegos (que é bem conhecida dos que moram no interior): provocando a vibração de uma vara, eles se desorientam podendo se chocar contra ela.
O que ocorre é que a vara em vibração provoca um fenômeno denominado "Efeito Doppler". Quando uma vibração sonora reflete em um objeto que se move em relação à fonte que emite o som, na reflexão acontece uma alteração da frequência. Se o objeto estiver se movimentando em direção à fonte, a alteração é no sentido de haver uma diminuição do comprimento de onda e, portanto, um aumento da frequência.
Efeito inverso sucede se o objeto estiver se afastando. Tudo isso é visto na figura 7.

É possível perceber este fenômeno observando o que ocorre quando um carro passa em alta velocidade por você com a buzina acionada. Na aproximação, o som da buzina parece mais agudo, e quando ele se afasta, o som torna-se mais grave. A transição do som de agudo para grave é bastante nítida no instante exato em que ele passa por você.
Ora, no caso do morcego, a vibração da vara altera a frequência do eco que o animal espera, e isso o confunde, de modo que ele não consegue interpretá-lo, desorientando-o completamente em voo. Na natureza existem muitos animais que emitem e/ou recebem ultrassons, de modo que a possibilidade de "escutarmos" ultrassons abre um campo muito interessante de pesquisa usando recursos eletrônicos.
Existem grilos, pequenos mamíferos e até mesmo peixes que emitem ultrassons do mesmo modo que existem diversos fenômenos naturais que são acompanhados da emissão dessas vibrações. Na verdade, emissões fortes de ultrassons podem "perturbar" certos animais, dada a utilização de aparelhos que emitem tais vibrações em grande intensidade.
Há "espantalhos eletrônicos" que afastam cães de latas de lixo, ou ratos de depósitos de cereais, ou mesmo despensas, que nada mais são do que potentes osciladores de ultrassons ligados diretamente a um pequeno alto-falante.
Como os humanos não podem ouvir tais vibrações, elas não nos causam qualquer tipo de inconveniente. Na verdade, mesmo sem ouvir (perceber), foi comprovado que ultrassons em grande intensidade têm um efeito nocivo sobre a audição humana. Assim, recomenda-se que humanos não permaneçam por muito tempo em locais onde repelentes ultrassônicos sejam usados.
Para os leitores que desejarem fazer experiências com ultrassons, temos na figura 8 o diagrama de um potente emissor que pode ser usado como espantalho, ou ainda para experiências diversas que envolvam este tipo de vibração.
Este circuito produz ultrassons na faixa de 20 a 30 kHz e o transdutor nada mais é do que um tweeter do tipo piezoelétrico que apresenta rendimento bom nesta faixa, para a aplicação visada.
Aplicações práticas
Aparelhos que emitam ou recebam ultrassons não são simples curiosidades. Na indústria, na medicina, ou mesmo no lar encontramos diversos dispositivos que operam com ultrassons. Na indústria, por exemplo, os ultrassons podem ser usados para detectar falhas de materiais como peças usadas em aviões ou ainda estruturas especiais.
Um transdutor aplica os ultrassons de altíssima frequência no material. Se existirem cavidades internas, falhas ou rachaduras, ocorrerão reflexões que mudarão o padrão do sinal captado por outro transdutor e visualizado em um osciloscópio, conforme mostra a figura 9.
Outra aplicação interessante é na limpeza de peças de metal. Se colocarmos joias ou outras peças delicadas em um recipiente metálico contendo um solvente especial e aplicarmos um ultrassom de alta potência, ocorrerá um fenômeno de grande utilidade.
As vibrações ultrassônicas fazem aparecer bolhas microscópicas nas cavidades em que se acumula a sujeira, expulsando-a com facilidade. Este fenômeno, denominado "cavitação", possibilita a realização de limpezas profundas em peças de pequenas dimensões ou muito delicadas.
Para essa finalidade, existem aparelhos especiais que usam esta tecnologia, como o exibido na figura 10 e que podem ser encontrados em oficinas especializadas.

Na medicina, temos equipamentos que são capazes de formar uma imagem de órgãos de nosso corpo, com a diferença de que os ultrassons não causam danos algum aos tecidos, o que não acontece com os raios X.
Citamos também os estetoscópios ultrassônicos que nada mais são do que aparelhos que convertem vibrações de frequências mais altas em vibrações de mesmo padrão, mas de frequência mais baixa.
Desta forma, os batimentos cardíacos do feto, que ocorrem em frequências inaudíveis para nós, tornam-se perfeitamente audíveis com um aparelho desse tipo. Observe a figura 11. Um conversor desses, de grande sensibilidade, pode servir ao explorador da natureza para escutar insetos e animais maiores que produzam sinais na faixa que não podemos ouvir normalmente, convertendo-os para uma frequência mais baixa.
Este mesmo aparelho pode inclusive ser usado por um técnico para detectar vibrações anormais numa máquina que não esteja funcionando corretamente. Podemos citar ainda sistemas de alarmes que detectam a passagem de pessoas pela interrupção de uma emissão ultrassônica.
Uma aplicação muito importante, que imita os animais, no caso o morcego, é o Sonar. Operando numa frequência acima de 40 kHz, o sonar emite ultrassons empregando um transdutor especial. Estes ultrassons se propagam pela água e refletem tanto no fundo quanto em objetos e animais (peixes, por exemplo). O resultado disso é a produção de um ou mais ecos, conforme mostra a figura 12.
Nos aparelhos mais simples, apenas o eco mais forte que corresponde ao fundo é considerado, e há a indicação da profundidade pelo tempo que o ultrassom demora para ir e voltar. Nos aparelhos mais sofisticados é formada uma imagem que considera todos os ecos, e assim pode ser visualizada a presença de um cardume.
Os barcos de pescas mais bem equipados possuem tais sonares que são capazes de detectar onde está o cardume que se visa capturar, veja a figura 13.

Conclusão
As aplicações que vimos são apenas algumas das muitas possíveis para os ultrassons. Futuramente, focalizaremos em nossas edições projetos que envolvam este tipo de vibração como, por exemplo, detectores, alarmes, aparelhos para escutar o inaudível, emissores com a finalidade de espantar animais, etc. O importante para o leitor é saber o que é o ultrassom e como ele pode ser usado.