Este artigo é uma adaptação de dois capítulos que saíram no nosso livro Curso de Eletrônica – Eletrônica Básica e Curso de Eletrônica – Eletrônica de Potência, dando uma visão geral do funcionamento dos diodos semicondutores, com ênfase aos diodos de potência. Em outros artigos do site,o leitor pode encontrar outras abordagens para o tema.
ART1019S
Estudamos nas lições do Curso Básico (volume da mesma série) que existem dois tipos de comportamentos dos materiais em relação à capacidade de conduzir a corrente elétrica. Existem os materiais através da qual a corrente pode fluir com facilidade, sendo denominados condutores, e os materiais em que a corrente não pode passar, denominados isolantes.
Dentre os condutores destacamos os metais, os gases ionizados, as soluções iônicas, etc. Dentre os isolantes destacamos o vidro, a borracha, a mica, plásticos, etc.
Há, entretanto, uma terceira categoria de materiais, um grupo intermediário de materiais que não são bons condutores, pois a corrente tem dificuldade em passar através deles, mas não são totalmente isolantes. Nestes materiais, os portadores de carga podem se mover, mas com certa dificuldade. Estes materiais são denominados “semicondutores”.
Dentre os materiais semicondutores mais importantes, que apresentam essas propriedades, destacamos os elementos químicos silício (Si), germânio (Ge) e o Selênio (Se). Numa escala de capacidades de conduzir a corrente, eles ficariam em posições intermediárias, conforme mostra a figura 1.
Quando juntamos dois materiais semicondutores de tipos diferentes, P e N formam-se entre eles uma junção que tem propriedades elétricas importantes.
Na verdade, são as propriedades das junções semicondutoras que tornam possível a fabricação de todos os dispositivos semicondutores modernos, do diodo, passando pelo transistor ao circuito integrado.
Para entender como funciona a junção, vamos partir de dois pedaços de materiais semicondutores, um P e outro N, que são unidos, de modo a formar uma junção, conforme mostra a figura 2.
No local da junção, os elétrons que estão em excesso no material N se deslocam até o material P, procurando então lacunas, onde se fixam.
O resultado é que temos elétrons neutralizando lacunas, ou seja, nesta região não temos mais material nem N e nem P, mas sim material neutro. No entanto, ao mesmo tempo em que ocorre a neutralização, uma pequena tensão elétrica passa a se manifestar entre as duas regiões de material semicondutor.
Essa tensão, que aparece na junção, consiste numa verdadeira barreira que precisa ser vencida para que possamos fazer circular qualquer corrente entre os dois materiais. Conforme o fenômeno sugere, o nome dado é “barreira de potencial”, conforme mostra a figura 3.
Esta barreira possui um valor que depende da natureza do material semicondutor usado, sendo da ordem de 0,2 V para o germânio e 0,6 V para o silício.
A estrutura indicada, com dois materiais semicondutores, P e N, forma um componente que apresenta propriedades elétricas importantes e que denominamos “diodo semicondutor”, ou simplesmente “diodo”. É dele que trataremos no próximo item.
O diodo semicondutor
Para fazer uma corrente elétrica circular através de uma estrutura, como a estudada no item anterior, com dois materiais P e N formando uma junção, existem duas possibilidades, ou dois sentidos possíveis: a corrente pode fluir do material P para o N, ou vice-versa.
Na prática, veremos que diferentemente dos corpos comuns que conduzem a eletricidade, a corrente não se comporta da mesma maneira nos dois sentidos.
A presença da junção faz com que um comportamento completamente diferente se manifeste em cada caso.
Vamos então supor inicialmente que uma bateria seja ligada a estrutura formada pelos dois pedaços de material semicondutor que formam a junção, ou seja, à estrutura PN.
O material P é ligado ao pólo positivo da bateria, enquanto que o material N é ligado ao polo negativo.
Ocorre então uma repulsão entre cargas que faz com que os portadores de carga do material P, ou seja, as lacunas se movimentem em direção à junção, enquanto que os portadores de carga do material N, que são os elétrons livres, se afastam do polo da bateria sendo empurrados em direção à junção.
Os portadores de carga positivos (lacunas) e os negativos (elétrons) se encontram na região da junção onde, por terem polaridades diferentes se recombinam e são neutralizados.
A recombinação dessas cargas, “empurradas” pela bateria, abre caminha para que novas cargas sejam empurradas para essa região, formando assim um fluxo constante.
Esse fluxo, nada mais é do que uma corrente elétrica que pode fluir livremente através do componente, sem encontrar muita resistência ou oposição. Dizemos, nessas condições, que o componente, esta polarizado no sentido direto, conforme mostra a figura 4.
Esse componente, denominado “diodo” , conforme já vimos, deixa então a corrente passar sem oposição quando polarizado no sentido direto.
Por outro lado, se invertermos a polaridade da bateria em relação aos pedaços de material semicondutor dessa estrutura, o fenômeno que se manifesta é diferente.
Os portadores do material N são atraídos para o polo positivo do gerador se afastando da região da junção. A polarização inversa pode ser visualizada na figura 5.
Da mesma forma, os portadores do material P também se afastam da junção, o que significa que temos um “alargamento da junção”, com um aumento da barreira de potencial que impede a circulação de qualquer corrente elétrica.
A estrutura polarizada desta forma, ou seja, polarizada no sentido inverso, não deixa a corrente passar.
Na prática, uma pequena corrente da ordem de milionésimos de ampère pode circular mesmo quando o diodo está polarizado no sentido inverso.
Esta corrente “de fuga” se deve ao fato de que o calor ambiente agita os átomos do material de tal forma que, um ou outro portador de carga pode ser liberado, transportando corrente dessa forma.
Como a intensidade dessa corrente varia com a temperatura, uma estrutura desse tipo, ou seja, um diodo, também pode ser usado como um excelente sensor de temperaturas.
Veja então que uma simples estrutura PN de Silício ou de Germânio já resulta num importante componente eletrônico que é o diodo. Na figura 6 mostramos a estrutura e o símbolo usado para representar o componente que lembra uma “seta”, indicando o sentido da corrente.
Na mesma figura temos os aspectos desses componentes, cujo tamanho depende da intensidade da corrente que podem controlar ou conduzir e também da tensão máxima que pode se manifestar entre seus terminais.
Veja que existe uma faixa ou anel em alguns tipos de diodos, indicando o lado do catodo, ou seja, o lado do material N.
O próprio símbolo do componente pode ser gravado na posição em que indica o anodo e o catodo.
O diodo semicondutor pode então ser polarizado de duas formas, conforme mostra a figura 7.
Se o diodo for polarizado como mostra a figura em (a), com o pólo positivo da bateria ou outra fonte de energia elétrica em seu anodo, a corrente pode fluir com facilidade, pois o diodo apresenta uma resistência muito baixa. Dizemos que o diodo está polarizado no sentido direto.
Se a polarização for feita conforme mostra a mesma figura em (b), então nenhuma corrente pode circular. Dizemos que o diodo está polarizado no sentido inverso.
Observe ainda que, devido ao fato de que precisamos vencer a barreira de potencial de 0,2 V para os diodos de germânio, e 0,6 V para os diodos de silício, quando ocorre a condução, aparece sobre o componente sempre essa tensão, independentemente da intensidade da corrente que está circulando através dele, conforme é possível ver pela figura 8.
Na verdade, como a resistência do diodo é muito baixa, na sua condição de plena condução de corrente, se não existir um componente que limite essa corrente no circuito, o diodo corre o risco de se “queimar”, pois existe um valor máximo para a intensidade da corrente que ele pode conduzir.
Da mesma forma, também existe um limite para a tensão máxima que podemos aplicar num diodo ao polarizá-lo no sentido inverso.
Chega um ponto em que, mesmo polarizado inversamente, a barreira de potência não mais pode conter o fluxo de cargas “rompendo-se” com a queima do componente.
Os diodos comuns são então especificados em função da corrente máxima que pode conduzir no sentido direto, abreviada por If (O f vem de forward que em inglês quer dizer direto), e pela tensão máxima que podem suportar no sentido inverso, abreviada por Vr (O r vem de reverse que, em inglês, quer dizer inverso).
Analisaremos isso ao estudarmos as especificações dos diodos, que no caso dos diodos de potência exigem um cuidado especial
Veremos também que existem alguns tipos de diodos especiais que podem funcionar polarizados no sentido inverso e que apresentam características muito interessantes para a eletrônica.
Tipos de diodos
Conforme estudamos, o material semicondutor usado na formação de junções tanto pode ser o germânio como o silício. Assim, temos diodos tanto de germânio como de silício. E, nestes grupos, os tipos podem ainda ter finalidades diferentes sendo, por esse motivo, construídos de forma diferente.
No nosso Curso de Eletrônica – Eletrônica Analógica – Vol 2, estudamos diversos tipos de diodos que são encontrados nos equipamentos eletrônicos.
Neste volume, em especial vamos nos aprofundar no estudo dos diodos de potência, que são os diodos que se destinam a operação com altas correntes e altas tensões.
Assim, numa primeira etapa estudaremos os diodos retificadores para depois passar a outros tipos como os diodos zener, diodos Schottky, diodos de quatro camadas e outros.
Diodos Retificadores de Silício
Os diodos mais comuns em aplicações de médias e altas potências são os retificadores que, conforme estudamos no curso de eletrônica analógica são usados em fontes de alimentação como retificadores.
Diodos da série 1N4000 e 1N5000 são bastante comuns assim como os da série SK.
Estes diodos são encontrados em fontes com correntes até 1 A ou 5 A no segundo caso.
No entanto, nas aplicações industriais, em veículos elétricos em automação de alta potência são usados diodos retificadores com correntes muito maiores.
Estes diodos são destinados à condução de correntes intensas, também suportando tensões elevadas que podem superar os 1 000 V.
Na figura 9 temos os aspectos comuns destes diodos que possuem recursos para montagem em dissipadores de calor.
Na construção desses diodos são usadas técnicas especiais que visam uma geometria em que a corrente se distribua de forma uniforme pela pastilha de silício.
O que ocorre, é que no momento em que se inicia a condução de um diodo deste tipo, a corrente está concentrada numa pequena área, gerando assim um pico de calor neste local.
À medida que a corrente aumenta, e se distribui, a geração de calor também é distribuída de maneira mais uniforme.
Estes diodos podem ser encontrados em fontes de alimentação, reguladores de tensão de alternadores, inversores de potência, controles, etc.
Assim como os diodos usados em outras aplicações, como sinais, baixa corrente, detecção, os diodos de alta corrente possuem especificações.
No próximo item analisaremos as especificações dos diodos.
Especificações dos diodos de silício
Para as especificações dos diodos são usados normalmente símbolos, que os usuários dos diodos precisam conhecer.
O conhecimento desta simbologia é especialmente importante quando precisamos interpretar as folhas de dados (datasheets) de um determinado componente.
Lembramos que todos os componentes possuem limites para sua utilização e estas especificações justamente definem estes limites. Se forem ultrapassados, o componente pode sofrer dano ou ainda ficar inutilizado.
Nos símbolos normalmente são usadas uma letra maiúscula que corresponde à unidade usada, por exemplo, I para corrente, V para tensão, P para potencia, etc.
Especificações de tensão e corrente
Para os diodos comuns normalmente duas especificações de tensão são suficientes para nos permitir avaliar seu funcionamento num circuito. Elas são:
Vf = queda de tensão no sentido direto – é a queda de tensão que ocorre num diodo quando ele conduz a corrente. Normalmente de 0,6 a 0,7 V nos diodos de silício
PIV = tensão inversa de pico (Peak Inverse Voltage), que é a máxima tensão que se pode aplicar ao diodo quando polarizado no sentido inverso.
Para a corrente, basta saber o valor de uma delas:
IF(AV) = corrente média no sentido direto e com isso sabemos como usar o diodo.
No entanto, consultando datasheets encontramos outras especificações de tensão que são igualmente importantes quando pretendemos trabalhar com estes componentes. As principais são:
VRRM= Tensão inversa máxima repetitiva (Maximum Repetitive Reverse Voltage) – é a tensão máxima que o diodo pode suportar no sentido inverso na forma de pulsos repetidos.
VR ou VDC = Tensão máxima contínua no sentido inverso (Maximum DC Reverse Voltage) que o diodo pode suportar quando polarizado no sentido inverso
VF = Tensão Máxima no sentido Direto (Maximum Forward Voltage) – é a tensão que aparece num diodo quando ele conduz uma determinada corrente, especificada no datasheet. Num diodo ideal, essa tensão é nula, mas conforme estudamos nos diodos comuns, ocorre sempre uma queda de tensão na condução que se costuma adotar como valor típico nos diodos de silício de 0,7 V. Num cálculo mais exato, entretanto, ela depende da corrente.
IF(AV) = Corrente máxima (média) direta – Maximum (average) forward current – é o máximo valor que a corrente média no sentido direto pode conduzir quando polarizado no sentido direto. Essa corrente é determinada basicamente pela capacidade de dissipação do diodo, pois o calor gerado nestas condições depende da queda de tensão que ocorre na junção, multiplicada pela intensidade da corrente.
IFSM ou If(surge) = Corrente máxima de pico ou surto no sentido direto – (Maximum (peak or surge) forward current - é o pico máximo de corrente que o diodo é capaz de conduzir quando polarizado no sentido direto. Este parâmetro é limitado pela capacidade de dissipação da junção, sendo normalmente muito alto devido à inércia térmica. Demora um certo tempo para o calor gerado se propagar.
PD = Dissipação máxima de potência (Maximum Total Dissipation) – é a capacidade de dissipação de potência do diodo em watts (W). Como esta grandeza é dada por P = V x I, ela pode ser calculada pela corrente conduzida multiplicada pela tensão direta.
TSTG = Faixa de temperaturas de armazenamento (Storage Temperature Range) – é a faixa de temperaturas em que o diodo pode ser guardado (sem estar em funcionamento).
Tj = Temperatura máxima da junção (Maximum Operating Temperature) ou máxima temperatura de funcionamento. Na maioria dos casos é o mesmo valor da temperatura de armazenamento.
R(θ) = Resistência Térmica (Thermal Resistance) é a diferença de temperatura que ocorre entre a junção e o meio exterior (ar) ou entre a junção e os terminais (JA ou JL) para uma determinada dissipação. Esta especificação é dada em graus Celsius por Watt (°C/W ). Seu valor seria zero se o invólucro do diodo fosse um condutor perfeito, mas na prática não é. Esta especificação é importante no dimensionamento de dissipadores de calor.
IR = Corrente inversa (ou reversa) máxima (Maximum Reverse Current) – é a corrente que circula pelo diodo quando ele é polarizado com a tensão inversa máxima (DC), Também encontramos esta corrente indicada como “corrente de fuga”(leakage current). Num diodo ideal ela deve ser nula, mas na prática depende de diversos fatores, sendo o principal, a temperatura.
CJ = Capacitância típica da Junção (Typical Junction Capacitance) – é a capacitância intrínseca que aparece entre as junções devido à região de depleção que age como um dielétrico. Trata-se de uma capacitância muito baixa, da ordem de picofarads.
trr = Tempo de Recuperação Inversa (Reverse Recovery Time) – trata-se do intervalo de tempo que ocorre entre o instante em que a tensão num diodo em condução é invertida e ele realmente deixa de conduzir. Veja mais adiante nesta lição, mais detalhes sobre este fenômeno em “diodos de recuperação rápida”.
É importante observar que os parâmetros indicados variam dependendo de diversos fatores, sendo o principal, a temperatura. Assim, os fabricantes, na maioria dos casos, não dão essas especificações através de um valor fixo, mas sim através de gráficos.
Nestes gráficos, a especificação é plotada em função de condições variáveis, o que pode ser muito importante nos projetos mais críticos.
Na figura 10 temos um exemplo que mostra como a corrente máxima de um diodo 1N5404 se comporta em função da temperatura.
O gráfico da figura 11 mostra como o diodo 1N5404 responde aos surtos de corrente no sentido direto quando a taxa de repetição dos pulsos aumenta.
Na figura 12 mostramos um detalhe de um datasheet de uma série de diodos comuns usados em retificação, Esta série vai do 1N5400 ao 1N5408.
A corrente destes diodos é a mesma 3 A (média retificada), mas as tensões mudam. Temos então os “máximos absolutos” que são os valores que não devem ser ultrapassados, sob pena do componente sofrer dano irreversível.
Veja que esses máximos são especificados sob determinadas condições, normalmente sendo dada a temperatura ambiente de 25°C. Veja que, para a maioria dos componentes estas características se deterioram rapidamente quando a temperatura indicada é ultrapassada.
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