De onze em onze anos, o Sol passa por um período de turbulências em que o nível de radiação e de emissão de partículas alcança valores extremos capazes de afetar equipamentos eletrônicos aqui na Terra. Embora o nivel de radiação suba lentamente, o último máximo deveria ocorrer em 27 de fevereiro deste ano (2000).
Os níveis de raios X e de partículas emitidas pelo Sol, atingindo nossa ionosfera e penetrando na nossa atmosfera, são elevados o suficiente para causar blackouts como o que o deixou Quebec sem luz durante vários dias em 1989, ou então paralisar completamente os sistemas de comunicações que utilizam satélites ou ondas curtas (semelhante ao que ocorreu em1967). O que são as tempestades solares e como os máximos de 11 anos podem afetar tudo que é eletrônico aqui na Terra será assunto deste artigo.
No site existe uma versão mais recente deste artigo. Veja na seção de astronomia. O artigo escrito em 2000 está relacionado com a espera de um forte ciclo de manchas na época que preocupava todos diretamente ligados com as telecomunicações.
No dia 26 de julho de 1946, às 11:15 h da manhã, os astrônomos viram um filamento quente, escarlate, cruzar a face do Sol diretamente sobre uma grande mancha solar ativa.
No instante do seu aparecimento, as transmissões de ondas curtas de todo o hemisfério iluminado pelo Sol foram interrompidas.
Numa das frequências do espectro, o nível de ruído vindo da direção do Sol teve um aumento de intensidade de 10 000 vezes.
Depois de 10 a 12 minutos, o filamento escarlate aumentou em intensidade e por alguns segundos brilhou mais do que 30 vezes a própria face brilhante do Sol.
Em seguida, menos rapidamente do que havia aparecido, o fulgor alongou-se, espalhou-se e sumiu.
Às 12:30 h havia-se torcido numa distância de 500 000 quilômetros e nas suas proximidades ficou uma massa de gás mais frio cobrindo uma superfície de 2 bilhões de quilômetros quadrados, caindo em direção do Sol a uma velocidade de 60 km por segundo.
Algumas horas depois, o fulgor já não existia, mas à 1:45 h da tarde do dia seguinte, os sensíveis instrumentos magnéticos dos observatórios de toda a Terra começaram a estremecer simultaneamente, com violência.
O campo magnético da Terra sacudiu-se durante as doze horas seguintes e as comunicações sem fio entre Nova Iorque e o norte da Europa permaneceram inúteis durante a maior parte dos dias 26 e 27 de julho.
Uma brilhante aurora iluminou os céus da costa marítima nas primeiras horas do dia 27 e fitas coloridas de eletricidade foram vistas no céu para além do zênite em Washington.
Este relato, do livro "A Nova Astronomia" (Scientific American – edição de 1959), dá uma idéia do que significa uma temporada de turbulência no
Sol.
Na verdade, nosso Sol não é uma estrela tão calma quanto parece.
Em ciclos de 11 anos, o número de manchas na superfície do Sol aumenta, quando então fenômenos extremamente violentos que acontecem a 150 milhões de quilômetros podem ter importância para nós aqui na Terra.
Este ciclo já vem sendo notado há mais de 400 anos e seu relacionamento com diversos fenômenos aqui na Terra tem sido descrito.
Alterações no tempo, com tempestades de violência fora do comum, e até mesmo o crescimento de plantas têm um certo relacionamento com o ciclo dos 11 anos das manchas solares.
Mas, nos nossos dias de alta tecnologia eletrônica, onde dispositivos sensíveis que usam eletricidade estão espalhados por toda a Terra, a possibilidade de interferência em seu funcionamento é o que se torna mais preocupante.
O QUE ACONTECE NO SOL
O Sol é um estrela, uma enorme massa (1300 000 quilômetros de diâmetro) de gases aquecidos a aproximadamente 6000 graus Celsius.
O calor do Sol vem de reações nucleares que ocorrem no seu interior.
Liberado pela fusão atômica de núcleos de hidrogênio que "se queimam" para transformar-se em núcleos de hélio, o calor sobe lentamente até a superfície de onde é irradiado.
A enorme quantidade de energia envolvida no processo torna a superfície turbulenta, ocorrendo fenômenos de violência impressionante como as
explosões que lançam enormes quantidades de matéria e energia no espaço.
Estes fenômenos, que possuem máximos cíclicos de 11 anos, estão associados à presença de manchas na superfície solar.
Na verdade, não são manchas propriamente ditas.
Elas aparecem escuras nas fotos tiradas com filtros por serem regiões mais frias que as adjacentes.
Suas temperaturas são de apenas "3 a 4 000 graus".
Estas regiões podem ser comparadas aos furacões terrestres, mas no caso de gases quentes.
As dimensões destas manchas são impressionantes, muitas vezes maiores do que a própria Terra.
Os pesquisadores observaram que nestas manchas são criados campos magnéticos muito fortes, da ordem de 4 a 5 000 gauss.
Comparativamente, o campo magnético da Terra é de apenas 0,5 gauss.
Quando estas manchas se tornam instáveis", estruturas em forma de “S"
denominadas "sigmoides" aparecem, e em pouco tempo ocorrem explosões
violentíssimas que lançam para o espaço uma enorme quantidade de matéria e radiação.
Surgem então os "fulgores" ou labaredas que podem subir milhões de quilômetros acima da superfície quente do Sol, para depois retornarem, “caindo" sobre sua superfície.
No entanto, nestas explosões são lançadas partículas atômicas, raios X e outras formas de radiação para o espaço, e que justamente podem atingir a Terra.
Nas épocas de máximo, uma quantidade acima do normal de manchas
surge na superfície do Sol, aumentando o número de explosões e a sua intensidade.
COMO TUDO ISSO NOS AFETA
Raios X e outras formas de radiação emitidas por um fulgor levam pouco mais de 8 minutos para cobrir os 150 milhões de quilômetros que nos separam do Sol.
Entretanto, as partículas mais pesadas como núcleos atômicos viajam mais devagar, apenas 1 milhão de quilômetros por hora, precisando de alguns dias para chegar até aqui.
Quando a radiação produzida nestes fenômenos chega à Terra, sua intensidade é suficiente para afetar qualquer tipo de equipamento que use eletricidade, principalmente os que envolvem rádio-transmissão.
Os primeiros equipamentos afetados são os satélites que, por estarem no próprio espaço sem proteção alguma, recebem deforma direta a radiação.
No último máximo, em 1989, os Estados Unidos tiveram seu satélite de pesquisa Galaxy 4 totalmente inutilizado após uma explosão solar.
Sigmóides
Normalmente, as missões espaciais são interrompidas quando se constata que uma explosão solar mais forte é iminente.
Prosseguindo, temos a influência da radiação na ionosfera.
As partículas carregadas de eletricidade que chegam à atmosfera superior penetram com grande violência, alterando sua estrutura e modificando suas propriedades elétricas.
As comunicações na faixa de ondas curtas passam então por perturbações que chegam até à completa interrupção, como relatado na introdução deste artigo.
Como estas partículas são carregadas, sua trajetória é influenciada pela presença do campo magnético terrestre isso quer dizer que elas passam a fazer uma trajetória espiralada, entrando na atmosfera mais baixa predominante pelos pólos.
O efeito da grande energia é tal que ocorre um processo de ionização que torna o céu luminoso nestas regiões polares, dando origem ao que denominamos “auroras boreais".
Surgem no céu franjas coloridas luminosas que podem ser facilmente observadas.
Temos a seguir um aumento significativo do nível de eletricidade estática nas faixas de frequências mais baixas, que vão desde as ondas muito longas (VLF) a partir de 20 kHz, até a faixa de VHF. Este aumento de estática pode afetar a eficiência das comunicações destas faixas de onda.
O aumento da quantidade de eletricidade gerada nas camadas altas da atmosfera pela penetração destas partículas tem ainda outros efeitos importantes.
As linhas de transmissão de energia, inclusive as telefônicas funcionam como antenas, podendo assim captar toda a energia gerada neste processo.
No caso das linhas de transmissão podem ser induzidos pulsos e transientes de intensidade suficiente para causar problemas no próprio serviço de distribuição de energia, principalmente em países de latitudes elevadas (por onde as partículas entram com maior intensidade).
Isso aconteceu no Canadá no dia 13 de março de 1989 quando numa destas tempestades solares, Quebec ficou sem energia elétrica por vários dias.
Um transformador da rede de energia foi totalmente destruído pelos transientes gerados pela tempestade solar.
Mesmo quando os pulsos e transientes não afetam a rede de distribuição de energia propriamente dita, eles podem chegar até os aparelhos ligados a ela.
Assim, transientes e pulsos gerados por descargas elétricas nas linhas de distribuição de energia podem passar por um máximo significativo colocando em risco a integridade de seus equipamentos eletrônicos.
O número de falhas de equipamentos eletrônicos em geral certamente passará por um máximo significativo nesta época em que a atividade solar aumenta.
MÁXIMO DE 2000
No dia 27 de fevereiro de 2000 passamos por um novo máximo de manchas solares do ciclo de 11 anos.
Evidentemente, este máximo não ocorre com um pico agudo de incidência de manchas num único dia.
Por meses seguidos o número de manchas aumenta e com elas a intensidade dos fenômenos que ocorrem na superfície do Sol.
Assim, mesmo hoje, já várias semanas depois do máximo, ainda não estamos livres de fenômenos mais violentos que possam ocorrer na superfície do astro-rei.
A NASA possui um sistema eficiente de vigilância solar que envolve o uso de satélites e telescópios, constantemente apontados para o Sol, detectando quando as formações sigmóides aparecem.
Com isso, é possível prever até com semanas de antecedência quando uma explosão mais violenta pode colocar em risco equipamentos na Terra.
Na realidade devemos estar preparados para o fato de que nossos equipamentos, principalmente os alimentados pela energia da rede, estão sujeitos a problemas com maior frequência nesta época.
PESQUISANDO
Existem diversos centros de pesquisas que trabalham continuamente, monitorando a atividade solar e avisando quando algo de anormal que possa comprometer nossa vida na Terra, ocorrerá.
Muitos destes laboratórios utilizam métodos relativamente simples de detectar as explosões solares.
São dois os principais métodos utilizados.
O primeiro consiste em se monitorar o nível do ruído elétrico na faixa de frequências muito baixas (VLF), normalmente em 27 kHz.
O segundo método consiste em sintonizar uma estação de VLF e monitorar seu sinal, registrando as variações de sua intensidade.
Uma estação muito usada é a de Jim Creek, nos Estados Unidos, que opera em 18,6 kHz.
Estas frequências muito baixas são utilizadas pela Marinha dos Estados Unidos para manter contato com submarinos em qualquer parte do mundo.
Os sinais destas frequências podem penetrar profundamente na água, o que não acontece com sinais de outras faixas, possibilitando desta forma manter comunicação com submarinos, mesmo submersos.
Sinais das estações de VLF americanas podem ser sintonizados em distâncias superiores a 12 000 quilômetros.
No entanto, o fato do Sol ser a estrela mais próxima da Terra e ainda envolve fenômenos muito intensos, permite que até mesmo amadores possam trabalhar monitorando a atividade desta estrela.
Assim, nos Estados Unidos, existe a American Association of variable Star Observers (Associação Americana dos observadores de Estrelas Variáveis - www.aavso.org) que faz uma pesquisa constante não só da atividade solar, mas também de milhões de outras estrelas variáveis que existem no Universo.
Usando receptores militares, de construção caseira ou adaptados, os membros desta associação pesquisam a atividade solar sintonizando sinais na faixa de VLF e mesmo trabalhando na faixa de ondas curtas.
Nesta faixa, em especial, os pesquisadores trabalham com as SlDs (Sudden lonospheric Disturbances, ou Perturbações Súbitas na lonosfera), as Tempestades lonosféricas e as PCAs (Po/ar Cap Absortion Events).
Entrando no site da AAVSO, o leitor poderá encontrar os registros de SlDs feitos nos últimos meses, mostrando o aumento da atividade solar na faixa de
VLF e até exemplos de registros feitos em dias considerados "calmos”.
As tempestades solares afetam a propagação das ondas curtas, o que pode servir de base para importantes estudos de sua natureza.
CONCLUSÃO
Não estamos imunes ao que ocorre tão longe, no nosso Sol.
Muitos de nossos equipamentos eletrônicos e elétricos podem perfeitamente ser afetados pelos fenômenos que acontecem de maneira mais intensa no ciclo
dos 11 anos.
Estar preparado para enfrentar suas consequências, significa também conhecer um pouco de sua natureza.
Mais uma vez, a ligação da Eletrônica com outras ciências como, por exemplo, a Astrofísica, revela-se importante.
O especialista em Eletrônica deve ter cada vez mais conhecimentos em campos da ciência tão misteriosos como este, mas de importância vital, pois o funcionamento de muitas coisas que usamos no nosso dia-a-dia pode depender de fatos tão distantes como a fusão de átomos no centro de uma estrela a 150 milhões de quilômetros de distância.