Como utilizar o multímetro na análise de circuitos transistorizados? A possibilidade de empregarmos transistores com diversos tipos de polarização, que levam a diferentes tensões nos seus eletrodos pode causar algumas confusões na interpretação de estado. Veja neste artigo como saber exatamente o que medir em cada caso, usando seu multímetro como eficiente instrumento na localização de problemas.
A configuração mais comum para transistores usados como amplificadores é a de emissor comum, mostrada na figura 1.
Nesta configuração as variações do sinal aplica- do à base são traduzidas por variações da corrente de coletor, a qual, por sua vez, em vista do resistor de carga RL se traduz em variações da tensão de coletor (VC).
Entretanto, conforme a maneira como o transistor seja polarizado nesta configuração,a amplificação de sinal pode ocorrer de modos diferentes, e consequentemente a tensão que medimos no coletor também varia.
Assim, levando em conta as diversas possibilidades de polarização traçamos as curvas mostradas na figura 2.
Nestas curvas temos a característica de transferência de um transistor dada por Ic em função de VBE ou seja, da corrente de coletor em função da tensão base emissor que corresponde ao ponto de repouso do transistor na polarização correspondente.
Temos então quatro possibilidades de polarização:
A primeira é a correspondente à classe C, em que o transistor é polarizado de modo a ter uma corrente de repouso de coletor (lc) praticamente nula. (figura 3).
Nestas condições, o transistor se encontra em corte, com uma resistência muito alta entre o coletor e a base, de modo que a tensão de coletor em repouso é quase da mesma ordem que a tensão de alimentação da etapa, ou seja + Vcc.
A tensão de base nestas condições é praticamente nula na ausência de sinal.
As medidas com o multímetro numa etapa deste tipo típica são mostradas na figura 4.
Com a presença do sinal, somente quando sua tensão de pico superar os 0,6V típicos para vencer a barreira de potencial da junção base-emissor é que começa a condução, e com isso o aparecimento de corrente de coletor.
Isso quer dizer que, para um sinal senoidal de entrada, somente parte do pico positivo é que consegue excitar o transistor, levando-o à amplificação.
Somente nos instantes em que os picos da senóide superarem os 0,6 V é que teremos corrente de coletor, e que portanto, a tensão neste eletrodo cairá em vista da existência do resistor de carga RL.
Perceba o leitor que a forma de onda de saída para uma entrada senoidal corresponde apenas a um pico de um semiciclo, o que significa uma forte distorção.
Este tipo de polarização é, pois, usada apenas nas aplicações em que esta distorção não compromete o funcionamento do circuito. Um exemplo seria uma etapa de saída de transmissor, conforme mostra a figura 5.
Nas condições normais, isto é, sem ausência de sinal, o leitor deve então levar em conta que:
Tensão de coletor = mesma ordem que a de alimentação
Tensão de base e de emissor = 0 V (aproximadamente)
A segunda possibilidade de polarização é a chamada Classe B.
Neste caso, o transistor tem em repouso uma pequena corrente de coletor, de modo que para haver condução no sentido direto com a aplicação de sinal, não precisamos mais dos 0,6 V.
A tensão de base já é mantida em torno dos 0,6 V de modo que, com a aplicação do sinal, já se obtém um acréscimo imediato da corrente de base com consequente entrada em ação do transistor como amplificador.
É claro que, conforme podemos ver pelas curvas da figura 1, as variações negativas não são amplificadas, o que significa que apenas o semiciclo positivo do sinal excita o transistor.
Entretanto, obtemos já uma amplificação maior no sentido de que uma parcela maior do semiciclo positivo "passa".
Na figura 6 temos o circuito típico que obtemos neste caso.
Analisando-o com o multímetro vemos que neste caso o transistor já não se comporta em repouso como uma resistência infinita, se bem que não se encontre também saturado.
A tensão em seu coletor será um pouco menor que a da alimentação ( + Vcc), e a tensão de base estará em torno de 0,6V.
Temos então:
Tensão de coletor = pouco menor que a tensão de alimentação;
Tensão de base = em torno de 0,6 volts (transistores de silício);
Tensão de emissor = OV (para emissor aterrado);
O terceiro tipo de polarização é o correspondente à classe AB mostrado também no gráfico.
Em classe AB o transistor é polarizado um pouco abaixo do centro da reta de carga, conforme mostra a figura 7.
Nestas condições a tensão de coletor fica em aproximadamente 2/3 da tensão de alimentação, o que corresponde a um estado quase que intermediário entre o corte e a saturação. (figura 8)
Circula, portanto, uma corrente de base de pequena intensidade que variará segundo a intensidade do sinal de entrada.
Supondo que o sinal de entrada seja uma senóide, vemos que, estando o transistor já em estado de polarização para conduzir, as variações de tensão são sentidas tanto no sentido positivo como negativo.
O que ocorre então é que temos uma variação de corrente de coletor em todo o semiciclo positivo e também em parte do semiciclo negativo.
Apenas o pico do semiciclo negativo é cortado, pois neste ponto a tensão de base cai abaixo de 0,6 volts.
E claro que teremos uma deformação do sinal, mas a amplificação será maior.
Usando o multímetro para medir uma etapa deste tipo, em repouso constataremos as seguintes tensões:
Tensão de coletor entre 3/5 e 2/3 da tensão de alimentação
Tensão de base em torno de 0,6 volts
Tensão de emissor em 0 V se ele estiver aterrado
Finalmente temos a polarização em classe A que é mostrada tipicamente na figura 9.
Neste tipo de polarização o transistor é levado a operar no centro da reta de carga de modo que tanto as variações positivas com as negativas do sinal de entrada são amplificadas.
Isso significa que em condições de repouso (ausência de sinal) a tensão de coletor é aproximadamente igual à metade da tensão de alimentação e a tensão de base em torno de 0,6V.
A corrente de base é que determina a corrente de repouso de coletor que leva o transistor a se comportar como um resistor de valor igual ao do resistor de carga RL.
Forma-se, portanto, um divisor de tensão como mostra a figura 10.
Neste tipo de polarização, tanto as variações positivas como as negativas do sinal de entrada, provocam variações da corrente de coletor, obtendo-se na saída uma variação de tensão que corresponde a todo o ciclo do sinal sem distorção.
É claro que se a amplitude do sinal de entrada superar certo valor ocorre a saturação com a deformação do semiciclo correspondente.
Usando o multímetro para analisar uma etapa deste tipo constatamos que:
A tensão de coletor em repouso é aproximadamente metade da tensão de alimentação;
A tensão de base é de aproximadamente 0,6 V circulando uma corrente de certa intensidade, de acordo com o ganho da etapa e das características do transistor;
A tensão de emissor é de 0 V se ele estiver aterrado.
Observamos que, se os emissores dos transistores não estiverem aterrados, como mostra a figura 11, as tensões de base passam a ser referidas em relação ao ponto X.
Somamos então o valor medido em X aos valores que explicamos nos casos anteriores.
Conclusão
Não basta ligar o multímetro e um circuito e medir a tensão para se chegar a qualquer conclusão sobre seu estado.
É preciso saber o que vamos encontrar e conforme o explicado isso pode variar.
Uma leitura que num caso pode indicar um problema em outro pode ser perfeitamente normal.
Uma leitura de 0 V numa base de transistor em classe C é normal, não ocorrendo o mesmo numa que opera em classe A ou AB.