Sempre que falamos em dispositivos para movimentar nossos "pequenos" projetos mecatrônicos, pensamos logo em motores DC, motores de passo, pequenos solenoides, etc., tudo associado a caixas de redução, engrenagens, parafusos sem fim, e muitos outros. Às vezes estas associações parecem muito complicadas e nos perguntamos: "Existe alguma coisa que possa substituir tudo isso?". A resposta é sim. O músculo eletrônico!

 

Nota: Este artigo saiu numa Mecatrônica Fácil de 2003. Reproduzimos com a permissão do autor.

 

O leitor deve estar confuso. Mas tudo o que realizamos na mecatrônica, principalmente na área da robótica, visa "imitar" com certa perfeição o homem. Um braço mecânico com suas articulações "tenta", com certas limitações, alcançar o número de movimentos possíveis de um braço humano. . Afinal, para que servem os robôs senão para substituir o homem em tarefas árduas e às vezes perigosas, liberando-o para tarefas mais prazerosas como, por exemplo, "pensar".

As limitações impostas aos braços mecatrônicos ou manipuladores estão diretamente relacionadas com os dispositivos utilizados para executar os movimentos (veja a figura 1), onde apresentamos um pequeno exemplo de articulação robótica.

 


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O motor recebe energia elétrica, transforma-a em energia mecânica que é transferida a um parafuso sem fim. Este, por sua vez, atua através de uma alavanca no braço. Assim podemos levantar e abaixar o mesmo. Tudo parece simples, mas temos pouca mobilidade (ligada diretamente ao tamanho do parafuso), baixa velocidade (depende do tamanho do parafuso e da velocidade do motor) e claramente um desperdício de energia, pois durante a transformação de energia elétrica em mecânica, dependendo da carga do braço, teremos perda de parte da energia aplicada em forma de calor.

Agora pense em um braço com um "Músculo Eletrônico". Use a figura 2 como orientação do que será exposto. Através de "estímulos elétricos" aplicados ao músculo podemos contrai-lo ou relaxá-lo, posicionando o braço no ponto desejado. Não temos mais a necessidade de um motor, parafuso sem fim, alavancas, etc. Fica claro que a perda de energia é muito menor, já que temos perda de energia sempre que precisamos transformá-la.

 


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O que acabamos de demonstrar é possível e existe. O nome é SMA - Shape Memory Alloy (Liga com Memória de Forma).

 

 

O QUE É SMA

 

SMA ou músculo eletrônico são ligas desenvolvidas em laboratório, capazes de transformar calor em movimento mecânico. Em 1932, o pesquisador sueco Arrie Olander observou a habilidade de contração em certas ligas de ouro e cádmio (Au-Cd). Em 1950, pesquisadores da Universidade Columbia, de Nova York, utilizaram raios-X para pesquisar e explicar as mudanças ocorridas nessas ligas. A partir daí muitos pesquisadores procuraram por outras ligas que pudessem apresentar propriedades iguais, mas que fossem mais baratas que as caras ligas primeiramente estudadas.

Em 1963, os pesquisadores do laboratório "US Naval Ordenance" desenvolveram uma liga SMA com metais não tóxicos e de custo baixo: chamaram-na de Nitinol. Esta liga, composta de Níquel e Titânio, tornou-se bastante popular e muito' aplicada na indústria militar, centros de pesquisas espaciais, e outros. Muitos, pesquisadores obtiveram êxito ao aplicar o Nitinol em diversas áreas.

 

 

APLICAÇÕES

 

A partir desta edição, procuraremos trazer sempre informações e algumas aplicações interessantes para as SMAs. Demonstraremos como utilizá-la na prática, já que esta fibra em forma de fio pode ser adquirida no Brasil através da Tato Equipamentos Eletrônicos (www.tato.ind.br).

As aplicações profissionais e didáticas são infinitas. Procuraremos sempre falar das aplicações didáticas da fibra, permitindo assim que professores de Física, Eletrônica ou outras áreas apliquem a SMA em suas experiências, passando mais esta "novidade" a seus alunos. Porém, não nos esqueceremos de trazer "luz" às possíveis aplicações profissionais da fibra, permitindo ao leitor o conhecimento necessário para tratar a SMA no seu dia-a-dia e no futuro.

 

 

CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS

 

A SMA em forma de fio possui diferentes diâmetros, que implicam em variações de força, temperatura de uso, máxima variação de comprimento, entre outras, e desrespeitar algumas das "regras" impostas pode, irremediavelmente, danificar a fibra.

Na tabela 1 o leitor tem dados importantes da fibra como resistência, corrente típica de aplicação, peso de deformação e outras. Na figura 3 mostramos um exemplo do fio SMA 150 mícrons (Flexinol 150) em carteia para distribuição.

 


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Com as informações contidas na tabela I podemos dimensionar o trabalho de um pequeno pedaço de fio. Porém, atenção às unidades presentes na tabela. Por exemplo, a resistência linear é dada em metros e para calcularmos a resistência de um pedaço de fio de 10 cm teríamos que dividí-la por 10. Os outros dados são fixos e não variam com o tamanho adotado para o fio.

Podemos transformar o peso de deformação (máxima carga a trabalhar) em newtons usando a fórmula:

 

F = m.g

 

Com F em newtons (N), m em quilogramas e g a constante da aceleração da gravidade na Terra igual aproximadamente a 9,8 m/s2. Para simplificar, basta multiplicar a massa em gramas por 0,0098 e teremos a força resultante em newtons.

Dependendo do projeto, a força exercida por um único pedaço de fio SMA pode ser insuficiente para o trabalho. Mas é possível associá-los em paralelo, formando um "cabo" (não devemos trançar os fios) onde temos a somatória de forças, conforme ilustra a tabela 2, sendo necessário observar a potência total exigida. Utilize as fórmulas:

- Tensão

 

V = R.I

 

 

- Potência

 

P = R.I2 ou P = V.I

 

 

- Resistência equivalente

1/Req. = (1/R1) + (1/R2) + … + (1/Rn)

 

 


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Assim é possível calcular a tensão e potência requeridas para atuação, além da corrente. Vale salientar que a tensão em um circuito paralelo será a mesma em todas as malhas (fios) e a corrente será dividida nos nós de entrada e somada nos nós de saída. Veja a figura 4.

 


 

 

 

Um outro ponto importante está no tipo de atuação das fibras SMA, que é feita através do calor gerado pela corrente que atravessa o fio. Ou seja, ao ser atravessada por uma corrente, estas fibras aquecem-se e contraem-se. Quando não existe mais corrente aplicada, as fibras tendem a retornar a situação de temperatura ambiente (25° C). A velocidade de retorno pode parecer lenta e dependendo da aplicação a solução é melhorar a refrigeração. Na figura 5, temos alguns exemplos típicos de aplicação para aumentar a velocidade de relaxação das fibras (fio).

 


 

 

 

Em A, temos o método tradicional que deixa a fibra resfriar-se em temperatura ambiente. Um outro método (B) aplica um pequeno "fan" (ventilador) para acelerar o processo. Em C, o método utilizado é a refrigeração líquida. Porém neste método é necessário isolar o SMA da água para evitar curto-circuito, já que a água conduz corrente elétrica. E, finalmente, em D temos um método mais avançado de refrigeração que poderá contar com radiadores de calor, gases refrigerantes e outros aparatos.

Um outro método, mais simples, que ajudará a fibra a retornar a sua posição inicial é usar a força da gravidade, molas, ímãs, etc. A figura 6 explica como isso pode ser feito. Contudo, o leitor deve estar atento ao "Peso de Recuperação" dado em gramas, presente na tabela 1.

 


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Existem muitos outros métodos de refrigeração e retorno. Devemos apenas ter atenção às especificações dadas nas tabelas aqui expostas para que o SMA não sofra esforço extra, o que poderia danificá-lo. Se o leitor seguir atentamente as informações dadas até aqui, poderá utilizar SMAs com sucesso sem o risco de danificar a fibra (fio).

 

 

FERRAMENTAS NECESSÁRIAS

Para trabalhar com SMAs não é necessário que o leitor possua ferramentas somente encontradas em sofisticados laboratórios de pesquisa como a NASA. Ferramentas e materiais simples encontrados dentro da casa do leitor, podem e deverão ser utilizados. Listaremos os principais.

As ferramentas básicas como tesouras, estiletes, alicates de bico e corte, pinças, chaves de fenda tipo relojoeiro, entre outras, vistas na figura 7, permitem o manuseio do fio.

 


 

 

 

Materiais como fios (finos e encapados), clipes de papel, fitas adesivas, colas, pequenos massores (pode-se utilizar moedas de vários tamanhos), tachinhas, madeira, acrílico, papelão, grampos de papel, entre outros, permitirão construir qualquer experimento didático (figura 8).

 


 

 

 

Entre as ferramentas avançadas, podemos destacar o ferro de solda, placas de circuito padrão, fontes de alimentação, componentes eletrônicos, a matriz de contato (pront-o-board), multímetros, etc. Porém, o leitor não deve se preocupar em ter todas a mão, pois não trabalharemos no início com estas. Elas serão utilizadas posteriormente em futuros projetos e nenhuma delas foge ao que o estudante / hobista em mecatrônica tem em sua bancada (figura 9).

 


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DICAS DE USO

A principal dica de uso sobre SMAs é que elas não podem, de forma alguma, serem soldadas. Lembram-se quando falamos sobre a maneira de atuação? Aplicar um ferro de solda a um SMA o danificará irremediavelmente. Para prendê-los e ligá-los aos circuitos utilizaremos materiais simples como parafusos, grampos, porcas, etc., que formarão pequenos conectores que serão demonstrados em momento oportuno.

Limite máximo de carga - Não devemos exigir de um SMA mais que sua capacidade de carga. Isso diminui sua vida útil. Procure respeitar os dados passados nas tabelas 1 e 2.

Limite máximo do "Peso de Recuperação" - Um peso excessivo pode causar o "stress" do fio, diminuindo sua vida útil além da capacidade de carga.

Temperatura máxima de trabalho do fio - Não devemos aplicar uma corrente maior que a permitida no fio e o tempo que esta corrente é aplicada também deve ser controlado. Geralmente, ele não deve ser maior que o necessário para que o movimento "programado" seja executado.

Limite de "parada" - Normalmente os projetos com SMA são feitos de maneira que o fio (ou fibra) realize um movimento até um ponto máximo determinado. Exceder este ponto pode danificar o fio, pois ele realizará uma força maior neste ponto.

Persistência e paciência - Estas duas palavras devem ser utilizadas sempre pelo leitor quando se tratar de SMAs. Muitas técnicas, ferramentas e projetos podem parecer em um primeiro momento um pouco difíceis de se lidar. Mantenha a calma acima de tudo, afinal você está lidando com uma novidade! É necessário que o leitor leia atentamente o material (artigo), procurando sempre eliminar suas dúvidas. Se necessário leia várias vezes. A cada leitura, pontos obscuros lhe parecerão mais claros.

 

 

MÉTODOS DE CONTROLE E ALIMENTAÇÃO

Podemos controlar SMAs de várias formas, vistas na figura 10:

- Através de circuito manuais, geralmente construídos com chaves tipo liga/ desliga e "push-button";

- Através de circuitos lógicos;

- Através de microcontroladores (Basic STEP, PICs, etc);

- Através de nosso PC (computador).

 


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As formas de alimentação para os SMAs também são variadas (figura 11). Em princípio utilizaremos pilhas, mas em breve falaremos sobre uma fonte de corrente, apropriada para o controle de SMAs de vários diâmetros e de fácil construção.

 


 

 

 

 

PROJETO PRÁTICO

Como primeiro projeto prático, faremos uma pequena experiência com um pedaço de 10 cm de Flexinol 150. Esta experiência visa demonstrar como proceder e realizar os cálculos necessários no uso do SMA. Aconselhamos que o leitor leia o passo-a-passo antes de começar a realizar o experimento.

Na figura 12 o leitor tem o esquema do circuito elétrico que será usado nesta primeira experiência. Nele, o leitor tem um novo símbolo, ainda não utilizado em nossos projetos. Ele representa o SMA. Note que o circuito é composto apenas por um suporte de duas pilhas pequenas tipo AA (usando apenas uma única pilha), uma chave tipo "push-button" normalmente aberta e um pedaço de 10 cm de Flexinol 150 (SMA).

 


 

 

 

Corte a base, o apoio e a alavanca. Para unir o apoio ao centro da base utilize cola branca ou mesmo fita adesiva. A alavanca deve ser fixada à coluna com o uso de "tachinhas" ou "percevejos". Certifique-se de que a alavanca se movimenta com liberdade, sem estar presa a nada. Veja na figura 13 o suporte montado.

 


 

 

 

O SMA será preso em dois pontos. No topo da coluna e em um dos pontos marcados da alavanca (ponto B). Para prender o SMA ao fio que realizará o contato siga o que descreveremos a seguir.

Como foi dito anteriormente, o SMA se contrai devido ao calor gerado pela corrente elétrica que atravessa a fibra. Sendo assim, não é possível soldar a SMA em conectores, placas e outras. O método mais utilizado é prender a SMA a conectores apropriados ou mesmo aos "adaptados". No mercado existem muitos conectores para fios, em diversos tamanhos e tipos. A adaptação que descreveremos foi a que proporcionou

- Grampos para grampeador de papel;

- Junta para trilhos tipo "N" (figura 14), usada em ferromodelismo e obtida facilmente em casas especializadas no hobby ou mesmo através da Internet;

- Fio fino e encapado;

- SMA.

Atente para a figura 15. Nela, o grampo é dobrado de maneira a formar um gancho, conforme a figura "A'. Desencapamos a ponta de um fio fino, inserimos este fio, juntamente com o grampo dobrado em um dos lados da junta e do outro lado o SMA, conforme apontado em "B". Para melhorar a junção mecânica o leitor poderá enrolar duas ou três voltas de SMA ao grampo. Apertamos a junta de trilho tipo "N" com um alicate para prender tudo conforme a figura "C" (figura 16).

 


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É claro que poderemos utilizar outros tipos de "junções" com conectores tipo fio, por exemplo (figura 17). Muitas são as possibilidades. Cada um encontrará o tipo que se adapta mais a suas necessidades. A única coisa que o leitor deve ter em mente é que o SMA não deve ser soldado!

 


 

 

 

Para fixar o conector à alavanca e à base utilize as "tachinhas" (percevejos). Use os pontos previamente marcados no "lay-out" do suporte. Ponto A para prender a alavanca a base, ponto B para prender o SMA e ponto C para prender o peso de recuperação, que poderá ser uma moeda de um centavo de Real (não utilize maior). Se não tiver, não há necessidade, apenas a tachinha já surtirá um bom resultado. Para prender a moeda utilize fita adesiva ou mesmo coloque-a dentro de um pequeno saco plástico e prenda-o ao ponto "C". As tachinhas dos pontos B e C devem ser presas de maneira invertida. A figura 18 ilustra o conjunto montado.

 


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Com todo o circuito montado e o SMA preso à base, podemos iniciar nossos testes. Insira a pilha no suporte. Se o leitor estiver usando um suporte de duas pilhas, deverá providenciar um "curto" no lugar de uma das pilhas (qualquer uma). Veja a figura 19.

 


 

 

 

Pressione a chave para que a alavanca se eleve até que o SMA se retraía 5 mm. Não ultrapasse esse limite! Use o ponto "B" como referência. Solte a chave e aguarde o retorno natural da alavanca até a base.

O leitor notará que apesar do SMA ter-se contraído apenas 5 mm, a alavanca elevou-se 10 vezes isso, 50 mm! Isso porque a distância entre os pontos A e C é 10 vezes maior que a distância entre os pontos A e B. Temos então a proporção de 10:1. Porém, a força exigida também é 10 vezes maior. Sendo assim, para cargas maiores, o ponto B deve se aproximar do ponto C, porém a distância percorrida pela alavanca será menor. Para cargas menores, o ponto B pode ficar mais próximo do ponto A, com maior distância percorrida pela alavanca.

Fica claro então que apesar da pouca contração do SMA (para evitar danificar a fibra), é possível, utilizando-se recursos da Física, aplicar maior ou menor força e realizar tarefas diversificadas.

 

 

CÁLCULOS

Após a montagem e conclusão da experiência o leitor poderá, agora, com o auxílio do que será apresentado, compreender melhor o que foi realizado. É importante que o leitor leia atentamente e compreenda o que será demonstrado para que no futuro possa calcular seus próprios projetos com sucesso.

Escolhemos para nossa experiência o Flexinol 150. Esta escolha deve-se ao fato deste SMA ser considerado um elemento intermediário na família, podendo assim ser aplicado em diversas experiências. Na tabela 3 o leitor encontrará os cálculos realizados para esta experiência.

 


 

 

 

 


 

 

 

 

CONCLUSÃO

Nesta primeira abordagem o leitor recebeu as informações necessárias à compreensão da operação e uso dos SMAs. Recomendamos que o leitor, dentro do possível, estude o presente material. Nas próximas edições traremos mais alguns pequenos projetos e informações sobre SMAs. Até lá e boa leitura!