Na primeira parte deste artigo vimos que a energia da rede que alimenta dispositivos em indústrias, comércios e residências não é pura, contendo harmônicas que podem causar sérios problemas a esses equipamentos. Nessa 20 parte veremos quais são esses efeitos e, uma vez constatados, como podem ser eliminados.
Nota: Artigo publicado na revista Saber Eletrônica 463 de julho/agosto de 2012
Componentes de uma instalação, equipamentos e a própria instalação elétrica podem ser afetados pela presença de harmônicas. Danos irreversíveis podem ocorrer em muitos dos casos.
Os efeitos da presença de harmônicas em uma rede se manifestam de diversas formas. Em alguns casos, eles podem ser ouvidos na forma de oscilações ou vibrações estranhas dos aparelhos alimentados. Em outras situações, podem ser percebidos pelo sobreaquecimento ou mesmo oscilações da tensão afetando o brilho das lâmpadas que iluminam o local. No entanto, a maioria só poderá ser detectada de forma eficiente com a utilização de instrumentos apropriados. Analisemos esses efeitos.
Sobreaquecimentos
As harmônicas podem ter frequências muitas vezes maiores do que o sinal fundamental. Pelo efeito pelicular, as correntes de frequências mais elevadas tendem a circular pelas camadas exteriores do condutor. Isso significa que a resistência encontrada (pela distribuição não uniforme da corrente) será maior, com um aquecimento consequentemente maior, conforme mostra a figura 1.

Atuação de Sistemas de Proteção
Os valores eficazes das correntes podem ser pequenos, mas se o fator de crista for elevado, dada a presença de harmônicas, teremos o disparo dos dispositivos de proteção, mesmo que a corrente no circuito seja aparentemente menor do que o necessário para isso. Veja que esse fato é importante nos casos onde tenhamos computadores sendo alimentados por uma rede comum e equipamentos que tenham características capazes de gerar harmônicas e, com isso, disparar disjuntores com frequência. Circuitos separados ou nobreaks são recomendados para que não ocorra a perda de informações em caso de interrupção do fornecimento de energia.
Ressonância
Cargas indutivas em paralelo com cargas capacitivas podem formar um circuito ressonante LC, conforme ilustra a figura 2.

Os bancos de capacitores usados na correção do fator de potência de certas instalações formam com as cargas indutivas, circuitos ressonantes capazes de amplificar certas harmônicas presentes nessas redes.
Alterações de Tensão e Fator de Potência
Como um outro efeito provocado pela presença de harmônicas numa rede, temos o aumento das quedas de tensão e a redução do fator de potência.
O que Fazer para Corrigir os Problemas?
Constatando-se problemas causados pela presença de harmônicas em uma rede, diversas são as ações a realizar no sentido de se fazer sua correção. A seguir, detalhamos algumas delas.
Cuidados com os condutores de Fase e Neutro
Os critérios da norma NBR5410 devem ser a base para o dimensionamento dos condutores. Na norma é previsto o caso ideal em que não existem harmônicas.
Entretanto, a corrente do circuito deve considerar a presença das harmônicas, levando-se em conta que ela pode chegar a ter até três vezes o valor das correntes das fases, veja a figura 3.

Assim, em lugar da recomendação da norma para que o condutor de neutro tenha metade da secção das fases, em alguns casos esse condutor deverá ser até mais grosso que os condutores de fase, dada a presença das harmônicas.
Um descuido nesse dimensionamento pode levar a sobreaquecimentos e até a problemas com o próprio dispositivo alimentado. Isso nos leva a procedimentos básicos para a determinação das secções dos condutores para circuitos trifásicos em que estejam presentes harmônicas, principalmente de 3ª ordem nas fases. Considerava-se ainda que os condutores sejam dos mesmos materiais.
Esses procedimentos consistem em se corrigir as bitolas recomendadas de acordo com a presença de harmônicas conforme a seguinte tabela 1. Essa correção é válida para circuitos trifásicos de 4 condutores. Esta tabela deve ser usada em conjunto com as tabelas 31 a 34 da NBR5410/97.
Filtros
O controle da presença de harmônicas em uma instalação é de vital importância para se ter algumas garantias importantes para o correto funcionamento dos aparelhos alimentados. Uma baixa THD significa ter uma forma de onda mais próxima possível da senoidal. Internacionalmente, recomenda-se como limite para a presença dessas distorções em todos os pontos de uma instalação 5 %. Normas como a IEC 61000 — 3 — 2, IEC — 3 — 4, IEEE 519-2 especificam os limites de THD que devem existir numa instalação elétrica.
Os valores de THDU e THDI (Distorções Harmônicas de Tensão e Distorções Harmônicas de Corrente) estão interligados. Isso significa que os processos utilizados na sua redução podem operar com as duas grandezas.
Os processos usados na redução da THDI e THDU são basicamente três.
Uso de indutâncias
Neste caso, o que se faz é ligar uma indutância em série com o dispositivo alimentado, conforme mostra a figura 4.

A indutância agregada é somada à indutância do cabo e da fonte (transformador ou gerador), ocorrendo então uma atenuação dos sinais de frequências mais elevadas, que correspondem justamente às harmônicas. Fontes chaveadas usadas em computadores e outros dispositivos fazem uso desta técnica.
Embora esta solução tenha uma eficiência limitada e dependendo da aplicação suas dimensões possam ser grandes, além de haver uma certa queda de tensão na linha, as vantagens principais estão na sua simplicidade e possibilidade de uso praticamente em qualquer tipo de fonte.
Filtro passivo
Neste caso, conforme exibe a figura 5, o que se faz é ligar um filtro LC em paralelo com o circuito alimentado, responsável pela poluição da energia.

Os valores dos elementos deste circuito devem ser tais que a impedância do filtro seja zero na frequência da harmônica que deve ser eliminada. Esse filtro também recebe a denominação de "não compensado".
Um outro tipo de filtro LC é o compensado, que tem a configuração dada na figura 6.

Nesse filtro temos uma indutância a mais ligada em paralelo com o conjunto LC série. Essa indutância adicional reduz a energia capacitiva exigida do gerador, principalmente no momento da partida.
Estes filtros passivos apresentam como principal vantagem a sua simplicidade e confiabilidade, além da facilidade de instalação, sendo bastante eficientes quando a taxa de distorção harmônica é inferior a 5 %. Todavia, como desvantagem eles eliminam apenas os sinais sintonizados, não sendo eficazes numa banda mais larga.
Filtros Ativos
Os filtros ativos ou condicionadores ativos como também são chamados, são ligados em paralelo entre a fonte geradora das harmônicas e a fonte de alimentação, atente para a figura 7.

Esse tipo de filtro monitora em tempo real as fases do sinal, e a partir dessa análise ele gera o espectro harmônico. Com as informações contidas neste espectro harmônico, o filtro gera uma corrente de compensação que é a diferença entre a corrente total da carga e a fundamental.
Essa corrente (que consiste na soma das correntes fundamental e harmônicas) é injetada no circuito, porém em oposição de fase de modo a cancelar os sinais harmônicos. O resultado da combinação dessas correntes é um sinal senoidal puro aplicado à carga. Veja que, este filtro faz com que no percurso entre a fonte e a carga não existam correntes harmônicas circulando. Note, então, que outros equipamentos ligados à mesma fonte neste percurso não serão afetados pela eventual presença de harmônicas na linha de alimentação.
Os filtros ativos são circuitos com semicondutores de potência, normalmente IGBTs, e são projetados para atuar numa faixa de harmônicas que vai do segundo ao vigésimo quinto.
Transformadores
Em muitas instalações são usados transformadores que têm por finalidade modificar as tensões e correntes, ou ainda para se obter um neutro de forma diferente, isolando trechos ou ainda proporcionando um nível segurança maior.
No entanto, as propriedades elétricas desses componentes também permitem que eles sejam empregados na confinação dos circuitos que alimentam equipamentos geradores de harmônicas. Um transformador pode bloquear a passagem das harmônicas de uma linha para outros trechos, afetando assim outros equipamentos que são alimentados por essa mesma linha, acompanhe na figura 8.

O modo como os enrolamentos de um transformador são ligados determina a ordem de bloqueio de certas harmônicas. Logo, temos duas possibilidades. Na primeira, mostrada na figura 9, um transformador com uma ligação triângulo/estrela é capaz de confinar ao trecho alimentado pelos secundários as terceiras harmônicas e suas múltiplas.

Esse tipo de aplicação para um transformador é especialmente indicado para a alimentação de quadros que tenham como cargas equipamentos com fontes monofásicas, tais como computadores, copiadoras, eletrodomésticos, etc. Para o caso de cargas trifásicas, onde predominam as quintas e sétimas harmônicas, a melhor solução consiste na utilização de um transformador com secundário duplo, conforme ilustra a figura 10.
Estes enrolamentos fazem com que haja um deslocamento de fase de 30 graus nas tensões, o que implica com que as correntes harmônicas se somem algebricamente e com isso se cancelem antes do transformador, desaparecendo assim da linha que alimenta o primário. Este tipo de solução deve, entretanto, alimentar apenas cargas trifásicas de mesmas características, ou seja, que tenham o mesmo espectro harmônico além de carregarem da mesma forma os enrolamentos secundários do transformador. Isso é necessário para que as correntes de primário, quando somadas, resultem em um valor o mais próximo de zero quanto seja possível.
Conclusão
A presença de harmônicas numa linha de alimentação é um problema que se agrava com o uso de dispositivos comutadores, na maioria das aplicações. As fontes comutadas, os dispositivos da família dos tiristores que trabalham com a rápida comutação de correntes em inversores de frequência, os controles de velocidade e muitos mais geram uma grande quantidade de harmônicas que polui as linhas de alimentação, causando diversos tipos de problemas.
Nestes dois artigos estudamos como as harmônicas são geradas, o que elas podem causar em uma instalação e completamos com alguns procedimentos que podem ser adotados para sua eliminação, entre eles o uso de filtros e transformadores.
Também tratamos da escolha adequada dos cabos de uma instalação onde a presença de harmônicas ocorra de forma mais frequente, podendo causar problemas de aquecimentos e desarme de dispositivos de proteção.
Acreditamos que este artigo tenha sido de grande utilidade para os que fazem instalações elétricas, manutenção de instalações, principalmente em indústrias e outros locais onde esses problemas possam se manifestar de forma mais intensa.