Uma das coisas mais misteriosas no ser humano referem-se aos seus sentimentos. Muitos têm dificuldade de expressá-los, outros têm até mesmo dificuldade em identificá-los. Esta descoberta foi o resultado inesperado de uma tentativa de identificar e materializar os sentimentos humanos. O que apresentamos é a descrição de como chegamos a um resultado surpreendente. Mas, fica um aviso: o processo e a aparelhagem já foram patenteados, protegida mundialmente.

 

Nota: Aldo Vilela era o pseudônimo de um de nossos colaboradores que todos os anos, inspirado em Hugo Gernsback

 

Há muitos anos, eu vinha tentando descobrir o que se passa na mente humana, saber o que as pessoas sentem diante de certas situações. Tenho um amigo que se dedica a um trabalho que tem muito a ver com os sentimentos, de como deixar as pessoas extravasarem o que sentem no íntimo do seu ser. Esse amigo, um dia, num encontro entre vários colegas, perguntou:

— Vilella, você que vive pensando em sentimentos e é bom em Eletrônica, já pensou em "bolar" um aparelho que permita "ler" os sentimentos das pessoas, ou mesmo dos animais?

Isso me fez pensar: afinal, o que é o pensamento, senão uma série de impulsos elétricos, fraquíssimos, é verdade, mas perfeitamente detectáveis através de processos apropriados, com equipamentos de sensibilidade suficiente.

Mãos postas à obra, foi relativamente fácil desenvolver uma aparelhagem que conseguisse detectar esses impulsos. Mas, o resultado foi uma confusão de impulsos aparentemente sem nenhum significado. Teriam que ser decifrados, decodificados. Recorri à ajuda de outro amigo, muito mais competente que eu em elaborar programas de computador, pois seria necessário um "software" sofisticado para dar algum sentido à barafunda que até então eu conseguira. Depois de muito tempo, o programa ficou pronto e pudemos então passar à fase de testes. Nós mesmos fomos as primeiras "cobaias", e o resultado foi animador.

O processo consistia em aplicar um sensor na cabeça da "cobaia" e transmitir seus sinais para um decodificador, que interpretava as ondas recebidas e enviava o resultado para um computador, onde era feita a associação das emoções detectadas a cores diversas. A escolha dessas cores obedeceu a um critério absolutamente subjetivo, ou seja, a preferência do autor por esta ou aquela cor. Assim, o azul representava a paz de espírito, o vermelho a cólera, o verde a alegria, o rosa o amor, o amarelo a incerteza, o preto, a depressão, o desespero, e o branco, a indiferença.

O resultado foi animador, mas havia falhas. Primeiramente, porque o número de sentimentos, de emoções, é muito maior que o número de cores separadas que o olho pode distinguir e em segundo lugar, porque muitas vezes o que se sente é um misto de várias emoções. Neste caso, a mistura de cores daria um resultado falso. Essas cores apareciam na tela na forma de padrões aleatórios, determinados pela personalidade de quem estava sendo testado.

Passamos então ao aprimoramento do equipamento e do processo. O sensor foi transformado numa faixa flexível, que podia ser enrolada na cabeça. A sensibilidade foi aumentada e os circuitos eletrônicos miniaturizados, integrados num "chip" dedicado. A conexão com o computador passou a ser sem fio, através de um "link" infravermelho.

Até aí, tudo correu conforme o esperado. Mas, então surgiu "aquele" sujeitinho, que perguntou, inocentemente: "Mas... não daria para fazer o caminho inverso? Implantar emoções no cérebro das pessoas?"

De início, a ideia foi rejeitada com indignação. Porém, depois, percebeu-se as possibilidades comerciais da ideia. (Não vou citá-las aqui, porque poderia colocar ideias na cabeça de alguns, sem o equipamento, mesmo...). Mas, aos poucos, a sugestão começou a martelar o meu cérebro e comecei a fazer experiências. Experiências que não deram certo, pois não consegui implantar emoções, sentimentos pré-gravados, nem no meu próprio cérebro. Compreendi então que emoções, sentimentos, são coisas muito complexas, muito pessoais, que são originárias de cada um de nós.

Todavia, no curso das minhas experiências, percebi que seria possível gravar as ondas cerebrais ligadas a sensações (não confundir sentimentos com sensações), como frio, calor, sabores diversos, e muitas outras. Sensações táteis, auditivas, olfativas, visuais e gustativas. Experiências sensoriais poderiam ser captadas diretamente do cérebro de uma pessoa, registradas em fita ou CD, e depois reproduzidas, transmitidas ao cérebro de outra pessoa, que as sentiriam como se as estivessem vivendo naquele momento.

Aprimorei o equipamento indutor, que permitiria "injetar" as sensações diretamente no cérebro das pessoas. Uma cinta, um chapéu ou um adorno de cabeça, seriam suficientes, com um circuito miniaturizado e uma bateria especial, alimentada a partir do calor do próprio corpo, desempenhariam a função.

A seguir, passei a produzir alguns "softwares", isto é, gravações de experiências sensoriais que eu mesmo experimentara e gravara. Assim, refeições fartas, espetáculos teatrais, até mesmo festas um tanto depravadas e muito mais, ficaram registrados em CD-ROM. Quando reproduzidos e aplicados em um dos dispositivos transmissores, as "cobaias" sentiriam a mesma coisa que eu sentira ao gravar as experiências.

Vejam o que poderia resultar disso: uma pessoa receberia as impressões sensoriais de uma farta e deliciosa refeição, enquanto estaria se alimentando apenas de pão seco e água. Ou estaria sentado numa poltrona e vivenciaria uma espetacular viagem de férias, com todos os encantos que isso proporciona. Ou ainda, estaria saltando de paraquedas, sem sair da cama. Ou descendo uma corredeira num bote inflável...ou muitas outras coisas. Poderia mesmo, ainda que estando só, estar na companhia de uma (ou várias) belas garotas. As possibilidades são imensas, apenas limitadas pelo alcance da imaginação.

Resolvi apresentar a invenção a um grupo de financiadores, extremamente influentes. Convidei-os para uma reunião, que veio a acontecer na mansão de um deles, o mais poderoso de todos. Fiz uma demonstração do funcionamento, da aplicação, e com a minha peculiar eloquência e imaginação, apresentei-lhes todas as possibilidades de exploração comercial. Disse-lhes que, com esse invento, as pessoas não precisariam mais recorrer a pratos requintados, caros, pois, poderiam alimentar-se com alimentos básicos, complementando-os com "refeições" gravadas em CD, que lhes dariam o. prazer proporcionado por um banquete, sem os inconvenientes de provocar um aumento indesejado de peso. Poderiam assistir "ao vivo", com todas as emoções de um espetáculo dessa natureza, grandes "shows" e peças teatrais.

Poderiam mesmo, se assim o quisessem, passar horas agradáveis numa companhia feminina (ou masculina, no caso das mulheres) desde que alugassem o respectivo disco. Poderiam viajar para os lugares mais exóticos, viver as mais emocionantes aventuras, sem sair de casa. Enfim, seria um passo — não vários passos — adiante da TV, como a conhecemos hoje.

Todos me ouviram atentamente, com interesse. Pensei tê-los convencido, pensei que conseguiria, no mínimo, um patrocínio para a mais ampla divulgação e comercialização do meu revolucionário invento. Depois de alguns minutos de silêncio, todos levantaram-se de seus lugares e correram em minha direção. Pensei que seria aclamado como um novo benfeitor da humanidade...

Engano meu. O que queriam, na verdade, era me linchar. Fui atacado por todos os lados, levei safanões e sopapos, em meio aos quais ouvia frases desconexas: ... acabar com a indústria de alimentos... ... destruir o turismo... ... prejudicar o comércio... ...com a indústria da pornografia... e assim por diante. Em dado momento desmaiei e vim a acordar num cubículo, dotado apenas de uma pequena abertura para entrada de ar. Consegui escrever este relato, que joguei por essa abertura, na esperança de que alguém a encontrasse e tornasse pública. Agora, acabando de redigir o meu relato, olho para a parede nua, onde existe apenas um calendário, onde leio a data: 1° de abril de 2004.