Muito tem-se escrito a respeito de fontes de alimentação em diversas publicações técnicas, por isso não se pretende com este trabalho reescrever aquilo que é demasiadamente conhecido pelo leitor, nem tampouco dar a última palavra sobre o assunto. Apenas nos limitaremos a fornecer alguns informes e aplicações do diodo zener nas fontes de alimentação.
Nota: Este artigo foi publicado na Revista Saber Eletrônica de outubro de 1982.
Um diodo zener é um retificador de estado sólido, cuja característica inversa de ruptura é útil: na condução direta, o diodo zener comporta-se de forma semelhante a um diodo convencional. Com uma tensão inversa aplicada, inferior à tensão de ruptura da união, o mesmo se comporta como praticamente um circuito aberto, como acontece com os diodos convencionais; porém, ao aproximar-se a tensão inversa ao valor da tensão da ruptura, passa a circular uma pequena corrente pelo diodo (figura 1), a qual cresce rapidamente (mais rapidamente que nos diodos usuais); para valores de tensão inversa superiores à tensão de ruptura, também conhecida como 'tensão zener', a queda de tensão nos bornes do diodo mantém--se praticamente constante ao longo de uma ampla gama de intensidades de correntes. É justamente nesta região de controle do diodo zener que o semicondutor se comporta como uma referência de tensão constante.
Em virtude da sua característica inversa ser aplicável na prática, conclui-se que o diodo zener costuma ser polarizado inversamente de modo que funcione na referida região de controle (figura 1).
Na figura 2, estão apresentadas as curvas características volts x ampères, típicas para alguns diodos zener da série BZY88, extraídas do 'Data Handbook' da Philips. Na figura 2-A, aparece a curva de condução no sentido direto (primeiro quadrante) para esta série de diodos; esta curva já é bastante familiar, em virtude da sua semelhança com a curva dos diodos retificadores convencionais. Na figura 2-B (terceiro quadrante), temos as curvas características para os diversos tipos de diodos zener quando inversamente polarizados. Observar que as escalas dos gráficos apresentados são diferentes entre si; chama-se ainda a atenção para o fato de que tanto a tensão entre os terminais do diodo e a corrente que por ele circula são ambas negativas no terceiro quadrante, se bem que estejam, por comodismo e pelo seu amplo emprego, representadas como positivas.
Ainda em referência à figura 2-B, observamos que na região do "cotovelo" das curvas, a corrente cresce repentinamente quando se atinge a tensão de ruptura e à medida que a corrente cresce, a tensão zener permanece quase que constante, principalmente para os diodos zener do tipo C5V1 a C9V1, no entanto para os demais diodos desta série, a tensão zener sofre incrementos bastante acentuados à medida que a corrente aumenta. Podemos dizer, de um modo geral, que a tensão zener aumenta à razão de 10mV por mA, o que fornece, em média, uma resistência interna para diodo de 10 ohms.
Desejando-se determinar, efetivamente, qual é a resistência interna de um diodo, para uma dada aplicação prática, basta determinar o coeficiente angular (inclinação) da curva característica do diodo especificado. Este procedimento é válido para qualquer elemento ou componente eletrônico, desde que se tenham as respectivas curvas características tensão versus corrente.
Já que o diodo zener tem por finalidade manter uma tensão constante, inclusive para elevadas correntes de entrada, o mesmo deve ser protegido contra as flutuações da tensão de entrada. Tal proteção consiste numa resistência conectada em série com o diodo, como se indica na figura 3, isto é, com uma resistência Rs, em série, que limita a corrente de entrada. O valor desta resistência em série, como se verá adiante, deverá ser várias vezes maior que a resistência interna Rz do diodo zener.
A figura 4 apresenta a curva característica, em escala ampliada, do diodo C4V7 em estudo, note--se como a tensão zener aumenta ao crescer a corrente de entrada, principalmente no trecho BC
A inclinação da curva no trecho AB é praticamente constante e vale aproximadamente (5,4 – 5,1) V / (80 – 20)mA ou 5 ohms, isto é, neste trecho a resistência interna do diodo é praticamente constante, valendo 5 ohms.
Ainda para o diodo da figura 4, no trecho B a C, a sua resistência interna varia exponencialmente com a corrente. Para o ponto E (4,5 e 5mA) o valor desta resistência é dado pela inclinação da reta 't' tangente à curva característica no ponto em 0)V 0 — 4, questão e vale (6,0 – 4,0) V / (20,0 – 0,0) mA .
A partir do ponto C para a direita, a resistência do diodo cresce violentamente, contanto que no ponto F, por exemplo, esta resistência é de aproximadamente 2k ohms.
Visto como se determina a resistência interna do diodo zener, voltemos à figura 3; observemos que o diodo está polarizado inversamente, o que significa que Voz é menor que Viz, porém de mesma polaridade. A corrente I que circula pela resistência Rs é dada por (Viz – Voz) / Rs .
Um diodo zener costuma ser especificado pela sua tensão zener e pela potência que ele é capaz de dissipar, sendo que esta última corresponde ao produto da tensão zener pela corrente que circula pelo diodo. Para exemplificar, escolhamos o diodo BZY88 — C4V7, c qual pode ser empregado para estabilizar fontes de alimentação para os circuitos integrados TTL; suponhamos ainda que o mesmo manipule, no projeto, correntes de até 80 mA (tolerâncias de até 10% são permitidas) à temperatura ambiente, isto é, 25°C. Evidentemente o diodo deve dissipar nesta temperatura uma potência de 4,7 V x 80mA ou 376mW; optaremos por um diodo zener de maior potência, digamos, de 400mW, desde que a temperatura se mantenha próxima dos 25°C; se houver grandes variações de temperatura, é conveniente optar por um diodo de maior potência; 1W para desencargo de consciência!
Posto isto, estamos aptos a analisar o primeiro projeto de estabilização de tensão. Suponhamos para tal, uma fonte não estabilizada de 13 volts de saída, para alimentar uma carga a 9,1 volts sob 36mA ou, o que é a mesma coisa, uma carga que consuma 327,6mW (esta carga equivale a uma resistência de 252,8 ohms). Designemos por VM e Vm, respectivamente, os valores máximo e mínimo de saída entregue pela fonte quando não estabilizada; fixemo-los, digamos, entre 14,5V e 11,1V —estes dois valores são fixados no bom senso e na pior das hipóteses após uma série de medições realizadas em condições temporais diversas.
Para o nosso projeto, optemos pelo diodo BZY88 — C9V1 (1W) para manter a tensão de 9,1 volts nos bornes da nossa carga de 252,8 ohms. A variação de tensões Viz — Voz, está compreendida entre um valor mínimo de 11,1 — 9,1 = 2 volts e um máximo de 14,5 — 9,1 = 5,4 volts. Devemos selecionar o valor de Rs, de forma a garantir uma corrente no diodo, para a máxima tensão de entrada (14,5V), que seja inferior ao valor máximo admissível para o diodo ou, no nosso caso, 100mA com 10% de tolerância, pois 1000mW ÷ 9,1V ≈≈ 109 mA.
Vejamos como uma resistência de 82 ohms limita a corrente do diodo e da carga (figura 5): — para a máxima tensão de entrada (VM) a corrente de entrada é:
sendo que pela carga circulará uma corrente de 36mA (9,1 ÷ 252,8) e pelo zener irá circular uma corrente de 65,9mA — 36mA = 29,9mA (figura 6). Ao retirarmos a carga, a corrente a circular pelo diodo zener aumenta para 65,9mA, requerendo do mesmo a capacidade para dissipar uma potência de aproximadamente 600mW (65,9mA x
9,1 V), bem abaixo da máxima potência especificada pelo projeto para o diodo (1000mW).
— para a mínima tensão de entrada (Vm) —figura 7 — a corrente de entrada seria:
Observemos que para manter os 9,1 volts sobre os bornes da carga, deverá circular, no mínimo, uma corrente de 36mA pela resistência de 82 ohms, corrente esta que iria alimentar adequadamente a carga, acontece que a corrente circulante é menor que os 36mA exigidos pela carga, daí podemos concluir que a d.d.p. nos seus terminais é menor que 9,1 volts, fazendo o diodo não conduzir; nestas condições, a corrente total do circuito será (figura 8):
Esta corrente acarreta uma queda de potencial sobre a carga, de: 33,2 mA x 252,8 ≈ 8,4 V, fornecendo uma potência de saída aproximadamente igual a 278,9mW contra os 327,6mW entregues à carga no primeiro caso e os 9,1 volts estabilizados que queríamos... 'já eram'!
Para contornar o problema, basta reduzir o valor do resistor Rs de 82 ohms para 47 ohms; nestas condições teremos:
— para VM (14,5V)
circulando pelo diodo uma corrente de 114,9mA -- 36mA = 6,6mA e garantindo neste pior caso uma tensão de saída praticamente igual a 9,1 volts.
— 36mA = 78,9mA e exigindo mesmo um poder de dissipação de 78,9mA x 9,1V ≈ 718mW com a carga conectada, e sem carga, 1 000 mW.
— Para Vm (11,1V)
circulando pelo diodo uma corrente de 42,6mA —
Modifiquemos a carga de forma que se necessitem 7,5 volts a 43,7mA, o que equivale dizer que a potência de carga continua a mesma, isto é, 43,7 x 10-3 x 7,5 327,8mW. Empreguemos para este caso o diodo BZY88 — C7V5, 1W (figura 2-B) mantendo, contudo, o resistor em série ainda em 82 ohms. Podemos escrever:
— Para VM (14,5V)
Nesta condição irá circular pelo diodo, quando a carga estiver conectada, uma corrente de 85,4mA — 43,7mA = 41,7mA e em vazio (sem carga) esta corrente será de 85,4mA, onde se conclui que o diodo utilizado é perfeitamente aplicável neste caso, pois 85,4mA x 7,5V ≈ 641 mW.
A máxima potência dissipada pelo resistor será: Ps = I2 • Rs = (85,4 • 10-3)2 • 82 ≈ 598 mW —optar-se-á por um resistor de 82 ohms e 1W de dissipação.
— Para Vm (11,1V)
Deduzindo os 43,7 mA demandados pela carga, restam 0,2mA para ser a corrente mínima a circular pelo diodo zener, mantendo em torno de 7,5 volts a tensão de saída.
O exemplo precedente, mostrou-nos duas características importantes de um circuito simples regulado a diodo zener:
1) quando a tensão de entrada é variável, deveremos empregar uma tensão zener consideravelmente mais reduzida que a tensão mínima de alimentação (ou entrada) e,
2) a corrente zener para a tensão máxima de entrada pode ser maior que a corrente de carga.
Ambas as características nos mostram, por outro lado, que um regulador zener pode ser bastante ineficaz; posto que os reguladores zener operam com baixos níveis de rendimentos, não é costume empregar níveis de potência que excedem alguns watts.
O diodo zener de 7,5V/1W do exemplo, apresenta uma resistência interna de 2 ohms aproximadamente. O regulador apresenta uma resistência em série de 82 ohms em consequência, as trocas de tensão e ondulações da fonte (ripple) de alimentação são reduzidos em um fator de 41. A característica mais importante de um regulador zener é que, ao contrário dos condensadores eletrolíticos, ele é eficiente à baixas frequências e inclusive com c.c.
Como os reguladores zener são empregados constantemente, é conveniente dispor de um método para o projeto de tais reguladores. O método deve atender a um compromisso entre várias condições contraditórias, a fim de torná-lo simples. Um projeto pode resultar difícil e inclusive pode ser irrealizável se a tensão de entrada variar em mais de uns 30%. Se a tensão de entrada é nitidamente bastante constante e ainda se a carga permanece sempre conectada à fonte, devemos escolher uma tensão zener de um ou dois volts abaixo da tensão de entrada e optar por uma resistência em série capaz de suportar a corrente zener e a corrente de carga ao mesmo tempo.
Resultados satisfatórios são conseguidos se aplicarmos o procedimento que a seguir se descreve:
a) selecionar uma tensão zener — Vz aproximadamente 2/3 da mínima tensão de entrada — Vm — esperada, isto é:
b) a potência Pz dissipada pelo diodo zener é aproximadamente o produto da tensão zener pela máxima corrente zener. Uma boa margem é considerar que a potência Pz chegue a valer, no mínimo, 3 vezes a potência ministrada à carga ou, em outros termos:
c) o valor nominal da corrente zener — lz —deverá valer em torno de 3l0 e em consequência, a corrente de carga poderá ser desprezada durante a pesquisa do valor ideal para Rs. É óbvio que a resistência em série deve limitar a corrente zener ao valor máximo da corrente nominal especificada pelo fabricante quando a tensão de entrada na fonte de alimentação for máxima. Desta forma podemos escrever:
d) comprovaremos o projeto encontrando a corrente de entrada correspondente à máxima tensão de entrada. A partir da corrente de entrada, encontraremos o valor da potência a dissipar pela resistência em série, a máxima corrente no diodo e a máxima entrada de potência ao diodo zener. A partir do valor mínimo de tensão de entrada, determinaremos a entrada mínima de corrente e a mínima corrente no diodo. Se o projeto não apresenta resultados satisfatórios, duplicaremos ou reduziremos à metade o valor da resistência em série e comprovaremos novamente o seu rendimento.
Vamos reportarmos ao seguinte exemplo: dispomos de uma fonte de alimentação, cuja tensão compreende-se entre 13V e 15V e queremos alimentar uma carga, digamos de 200 ohms, sob uma tensão constante, compreendida entre 5,2V e 6,0V e sob uma corrente de 28mA aproximadamente; o problema é determinar o tipo de zener, bem como o valor da resistência Rs que deve ser conectada em série com o mesmo.
Inicialmente, escolhamos, dentre os diodos zener, aquele cuja tensão zener compreende-se entre os 5,2V e 6,0V; optemos pelo zener BZY88 — C5V6 — notar que pelo item 'a' anterior que a tensão deveria ser de aproximadamente 8,6V, recaindo a escolha no zener C8V2. Estipulemos a corrente Iz como sendo de 90mA, já que Iz ≈310 e lo ≈30mA, exatamente, 28mA, então, vem:
O valor de Rs é determinado pela aplicação da expressão do item 'b' precedente:
daí, deduzimos, conforme vimos anteriormente, o circuito da figura 9, quando Viz = 15V e considerando Rs = 150 ohms, valor comercial. Quando Viz = 13V, temos o circuito da figura 10 com as respectivas correntes. A potência que o resistor deverá dissipar nas piores condições (circuito aberto) é: (63 x 10-3)2 150 ≈ 600mW, optemos por 1W para efeito de segurança.
Posto isto, o projeto final nos fornece os seguintes dados:
Rs: 150 ohms/1W e D: BZY88 — C5V6/0,5W.
Existem recursos a serem aplicados neste tipo de reguladores, que permitem aumentar a sua potência anexando ao circuito outros componentes, isto porém será tema de outra publicação.