Este artigo tem finalidade didática e experimental para estudantes de eletrônica, possibilitando explorar algumas características e aplicações não convencionais de um semicondutor.

 

INTRODUÇÃO

Os osciladores eletrônicos são circuitos de fundamental importância na eletrônica. Fornecem base de tempo para circuitos digitais e sistemas de comunicação, geram sinais para equipamentos transmissores de rádio, radares, instrumentos de medição tendo assim uma infinidade de aplicações. Em razão de suas extensas aplicações, existem muitos tipos de “designs” de circuitos osciladores cujas características visam atender aos parâmetros do projeto onde será aplicado.

Neste artigo, vamos explorar o oscilador que usa predominantemente o efeito de tunelamento quântico (efeito túnel) porém em um circuito extremamente simples e didático.

Os fenômenos de tunelamento em semicondutores e supercondutores foram estudados e descobertos através do trabalho teórico dos físicos  Brian David Josephson e pelos trabalhos experimentais dos Leo Esaki e Ivar Giaever, resultando no Prêmio Nobel de Física de 1973 [1].

 

O EFEITO TÚNEL

Tunelamento quântico ou também chamado de efeito túnel é um fenômeno descrito pela mecânica quântica, no qual partículas podem transpor um estado de energia onde a física clássica considera proibido.[5]

Em uma analogia muito simples, imagine uma rampa de subida e descida (a qual representa uma barreira de potencial, por exemplo) com uma altura h e ângulos de subida e descida iguais. Um carrinho (elétron) é impulsionado por um empurrão em direção a rampa, com energia inicial Eo, com energia cinética Ec e energia potencial Ep. Sem considerar atrito ou perdas a medida que o carrinho subir a rampa, a energia cinética Ec se transforma em energia potencial Ep até o topo (h). Porém se a energia Eo remanescente (do empurrão) for menor que a energia potencial Ep , a física clássica diz que o carrinho não consegue ultrapassar o topo e vá para o outro lado da rampa (não atravessa a barreira de potencial), retornando. [2] figura 1a.

Porém se considerarmos a mecânica quântica existe uma probabilidade finita de que o carrinho passe através da rampa com energia Eo aparecendo do outro lado sem precisar escala-la, fato incompatível com a mecânica clássica, porém explicado pela mecânica quântica. figura 1b.

 


| Clique na imagem para ampliar |

 

 

Considerando semicondutores estruturados em junções (diodos ou transistores por exemplo), uma partícula pode escapar de regiões cercadas por barreiras potenciais mesmo se sua energia cinética for menor que a energia potencial da barreira. [2] Temos vários exemplos e aplicações onde encontramos o efeito de tunelamento, tais como o diodo túnel e a memória Flash.

 

EFEITO AVALANCHE X EFEITO TUNNEL

Em um dispositivo semicondutor polarizado reversamente encontramos mecanismos físicos diferentes que permitem a condução de corrente: efeito avalanche (mecanismo de ionização) e o efeito Zener (mecanismo de tunelamento). Cada um dos mecanismos contribui de maneira que, dependendo dos níveis de tensão e temperatura um deles seja predominante sobre o outro no processo de condução reversa. Para tensões reversas baixas normalmente é o efeito Zener é o que predomina.

O aquecimento é o teste comumente usado que permite distinguir entre a quebra da barreira de potencial por efeito de ionização e/ou efeito de tunelamento, identificando assim o mecanismo predominante no semicondutor naquelas condições. Na verdade, a variação da tensão de corte com a temperatura é positiva para o primeiro caso negativo para o segundo [3]. Figura 2

 

 

Figura 2
Figura 2

 

 

 

RESISTÊNCIA NEGATIVA

Quando o efeito quântico de tunelamento se manifesta no dispositivo semicondutor, observa-se um comportamento peculiar entre a tensão e a corrente nos seus terminais.

Este comportamento compõe o mecanismo no qual o circuito irá funcionar, em nosso caso, oscilar. É chamado de resistência negativa [4].

 

Para auxiliar na compreensão deste comportamento elétrico, vamos recordar a lei de ohm. Na 1º lei de ohm a corrente que circula em um condutor é proporcional a tensão aplicada. Esta proporção é a resistência. Matematicamente R = V/I onde V é a tensão em Volts, I é a corrente em Ampère e R é a resistência em Ohm. Portanto, se a tensão aumenta, a corrente aumenta linearmente como ilustra a figura 3a

 

Figura 3
Figura 3

 

 

No caso da resistência negativa temos um comportamento diferente: quando a tensão V aumenta a corrente I diminui e quando a tensão V diminui a corrente I aumenta.

Isto ocorre pelo deslocamento das cargas nas junções e como as cargas atravessam as barreiras de potencial. Por estarem em sentidos opostos, representa-se .

A figura 3b mostra a região onde a resistência negativa se manifesta no dispositivo (entre b1 e b2), no caso chamada de resistência diferencial negativa (rdn) ( Eq1) onde:

 

 


 

 

 

Sendo .Observe que se você se deslocar P pela linha tangente (A) em direção a b1, v diminui e i aumenta. Deslocando-se em direção a b2 , v aumenta mas i diminui! Da origem do gráfico até o ponto C , v e i aumentam juntas.

O ponto C indica o ponto máximo de tensão onde o processo físico se inicia. É a tensão de disparo do tunelamento (Vi).

Concluindo, explorando o comportamento do dispositivo em resistência negativa é possível construir um oscilador de relaxação, neste caso chamado de oscilador Esaki, em homenagem ao físico que colaborou com experimentos práticos neste campo.

 

O OSCILADOR ESAKI

O oscilador Esaki [5] é muito simples de se construir. Ele é composto basicamente de um transistor NPN, um resistor, um capacitor e no nosso caso um LED. O objetivo é fazer com que o LED pisque periodicamente.

O diagrama da figura 4 mostra o circuito eletrônico. Observe que o transistor NPN está com o emissor ligado no maior potencial e o coletor no menor potencial. Não está invertido! Como o emissor do transistor possui menor largura e maior dopagem do que o coletor, o fato de estar ligado desta forma permite explorar o efeito na barreira de potencial na junção base – emissor a qual apresenta condições para o efeito de tunelamento.

 

 

Figura 4
Figura 4

 

 

ANÁLISE DO FUNCIONAMENTO:

Ao se acionar a chave S1 a tensão E1 é aplicada ao circuito. Nestas condições e considerando o capacitor C1 descarregado, portanto VC1=0, ele se carrega através do resistor R1 formando um circuito RC no modo de carga. Figura 5

 

 

Figura 5
Figura 5

 

 

Ao atingir o valor representado na curva da figura 2b pelo ponto C o mecanismo de disparo entra em ação fazendo com que o capacitor descarregue através de Q1 [6] acendendo o led LD1 até sua carga ser insuficiente para manter a condução, onde então ele retorna ao início do ciclo. Figura 6.

 

Figura 6.
Figura 6.

 

 

Forrmas de onda obtidas no ponto Va e no ponto Vb (Figura 7):

 

Figura 7
Figura 7

 

 

A frequência pode ser determinada de forma aproximada pela Eq 2 através do circuito R.C formado pelo resistor R1 e o capacitor C1 e as tensões de inicio e disparo e considerando tc >>> td.

O período de oscilação, considerando somente o resistor de 150 ? (RL) , ou seja, sem o LED é de aproximadamente:

T(s) ≅ RC ln((E-Vi) / (E-Vd))

 

E = Tensão de alimentação sem o led.

Vd = Tensão do ponto de disparo (V)

Vi = Tensão de inicio

R = R1 (ohms)

RL = R2 (ohms)

C = C1 (F)

T = Período do oscilador (s)

Para um transistor BC107 ou BC548A :

9,28 V * (obtido experimentalmente)

8.40 V * (obtido experimentalmente)

 

Para o circuito proposto o período entre os pulsos seriam:

T ≅ 103 103 10?6 ln((10,5-8,40)/(10,5-9,28))

T ≅ 0,7s

 

Com a adição do LED ao circuito, considerando a sua tensão de funcionamento de 1,8V (vermelho) [7] , temos 10,2 V + 1,8 V = 12V. Portanto o circuito deverá ser alimentado com 12 V DC. Na expressão do cálculo do período, a tensão do LED deve ser considerada.

Para o circuito proposto com o LED inserido ao circuito o período entre os “flashes “do LED deverá ser:

T ≅ 103 103 106 ln((12-8,40-1.8)/(12-9,28-1,8))

T ≅ 0,7s

 

Para calcular a frequência aplique

f(Hz) = 1/T

 

MONTAGEM PRÁTICA E TESTES:

 

Componentes:

R1 = 1k ohms 1/8 W

R2 = 150 ohms 1/8 W

C1 = 1000 µF x 16 V

LED = Vermelho 3mm

Q1*(1) = BC 107 ou BC 548 (leia as observações)

Alimentação = 12V DC (leia as observações)

O circuito pode ser montado em placa de matriz universal, placa de circuito impresso, em protoboard ou mesmo em “wire mode”. Observe que a base do transistor não é conectada em nenhuma parte do circuito. Figura 8.

 

 

Figura 8
Figura 8

 

 

Ao alimentar o circuito, se todas as condições forem atendidas e as conexões estejam corretamente ligadas, o led deverá piscar em intervalos de 0,7 s.

 

 

Montagem e Testes


| Clique na imagem para ampliar |

 

 

 

 

Observações (importante):

1 - Os transistores variam suas características entre os diversos tipos e mesmo entre os de mesmo tipo. Sendo que esta é uma aplicação não usual do transistor, é possível que alguns transistores não operem devido a suas características estarem incompatíveis com as exigidas pelo circuito. Não desista! Neste caso o mais simples é substituir o transistor e testando-o no circuito. Os melhores resultados foram com os transistores BC 548 e BC 109 metálico. Pode ser usado o 2N2222A ou testados outros transistores NPN de sinal.

2 –A tensão de alimentação é crítica para este circuito. O ideal é manter, com o LED no circuito, 12V + - 5%. Fora dessas margens o circuito pode não funcionar.

3 – O período de oscilação calculado é aproximado, levando em conta apenas os efeitos principais do circuito, na faixa de frequência proposta e considerando os valores nominais dos componentes. Para outros valores de frequência do oscilador, deve-se observar que efeitos tais como tolerância dos componentes, temperatura e os efeitos periféricos do semicondutor e dos componentes, principalmente em frequências mais altas, podem demandar alterações no processo de cálculo. Portanto cabe ao experimentador explorar o circuito, tendo em mente tais condições.

4 – O circuito é proposto para aplicações didáticas e experimentais.

 

Bibliografia:

[1] - Leo Esaki, USA, Ivar Giaever, USA and Brian D Josephson, UK. The Royal Swedish Academy of Sciences Press Release 1973 Nobel Prize in Physics

 

[2] –Sismanoglu, Bogos N. , Nascimento ,Janaina C., Aragão ,Eduardo C.B.B. Visualizando tunelamento quântico através da geração de microplasmas Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 37, n. 1, 1312 (2015)

 

[3] - Y. CROSNIER, F. TEMCAMANI, D. LIPPENS and G. SALMER AVALANCHE AND TUNNELING BREAKDOWN MECHANISMS IN HEMT'S POWER STRUCTURES JOURNAL DE PHYSIQUE Colloque C4, supplement au n09, Tome 49, septembre 1988

 

[4] - Nikhil M. Kriplani, Stephen Bowyer, Jennifer Huckaby, and Michael B. Steer “ Modelling of an Esaki Tunnel Diode in a Circuit Simulator” Research Article - Active and Passive Electronic Components Hindawi Publishing Corporation

 

[5] - P R Berger and A Ramesh, Negative Differential Resistance Devices and Circuits The Ohio State University, Columbus, OH, USA 2011 Elsevier B.V.

 

[6] – Phillips Semiconductors , BC546; BC547; BC548 NPN general purpose transistors, Product specification 1997 Mar 04.

 

[7] – Hewlett Packard Technical Data T-13/4 (5 mm), T-1 (3 mm), Low Current, Double Heterojunction AlGaAs Red LED Lamps Copyright © 1999 Hewlett-Packard Co.

 

 

Artigos sugeridos no site:

Conheça o diodo Tunnel (ART151)

Diodo Esaki (ALM1211)

Projetando osciladores (INS205)