Um problema frequente para quem monta amplificadores, misturadores, pré-amplificadores, transmissores e outros equipamentos que trabalhem com sinais de áudio de pequena intensidade, é verificar a presença de roncos. Da mesma forma, para quem instala um sistema de som interligando diversos aparelhos como amplificadores, toca-fitas e equalizadores, o mesmo problema se manifesta ao se constatar que o sistema "ronca" quando ligado. De onde vêm esses roncos desagradáveis e como eliminá-los é o assunto deste nosso artigo.
Nota: Artigo publicado na revista Eletrônica Total 107 de 2005.
A rede de energia funciona como uma gigantesca antena irradiando um sinal numa frequência muito especial: 60 Hz. De fato, 60 Hz é a frequência da corrente alternada que usamos, e sua finalidade é alimentar os nossos aparelhos elétricos e eletrônicos.
A irradiação desse sinal não é algo proposital, mas ela ocorre, e com isso aparecem alguns problemas que afetam o funcionamento de muitos aparelhos eletrônicos, principalmente os mais sensíveis, aqueles que trabalham com sons.
O que acontece é que, se o sinal de 60 Hz "irradiado" pela rede de energia for captado pelos circuitos amplificadores dos equipamentos de som, ele passa a ser reproduzido em fones e alto-falantes. Como 60 Hz é uma frequência de áudio, ou seja, corresponde a um som que podemos ouvir, o resultado é a reprodução de um som constante, semelhante a um ronco ou zumbido bastante grave.
Se o leitor quiser ter uma ideia melhor deste som, bastará colocar o dedo em um jaque conectado na entrada auxiliar de um amplificador, conforme ilustra a figura 1.
Seu corpo funcionará como uma antena, captando os sinais irradiados pela rede de energia, os quais serão então amplificados pelos circuitos do aparelho de som.
Evidentemente, não se trata de algo interessante ter um ronco no alto-falante do sistema de som, quando não há música sendo reproduzida ou outro sinal. Se este ronco estiver presente, ele poderá estar "entrando no seu equipamento de som de forma indevida.
POR ONDE O RONCO ENTRA
As caixas dos equipamentos de som, em sua maioria, são metálicas e devidamente aterradas funcionando como blindagens eficientes. Os próprios cabos por onde passar os sinais são blindados e devem ter suas malhas aterradas para evitar a captação de zumbidos. Grande parte dos sinais induzidos pela rede de energia ficam na malha dos fios ou na caixa do aparelho que os desvia para a terra, observe a figura 2.
No entanto, por melhor que seja a blindagem de um cabo, ou a caixa que aloja um aparelho, os roncos podem encontrar "brechas" e penetrar nos circuitos amplificadores aparecendo, então de forma ingrata nos alto-falantes.
Por onde podem entrar esses roncos?
a) Um primeiro ponto importante a ser observado é a própria conexão dos cabos.
A blindagem atua onde pode alcançar, mas nos pontos de emendas, ou de colocação de um jaque, ou um plugue, a blindagem deve ser removida, descobrindo um pequeno pedaço do cabo, conforme mostra a figura 3.
Pode parecer pouco que um ou dois centímetros de um cabo descascado tenha algum efeito, mas esse pequeno comprimento pode perfeitamente captar alguns microvolts de ronco e transferi-lo ao equipamento de som.
Os cabos que operam com sinais muito fracos como, por exemplo, os que transferem o sinal de uma cápsula magnética de um toca-discos, de um microfone ou de um captador de instrumento musical, são bastante sensíveis a este problema.
O primeiro passo para sua eliminação é identificar a origem:
• Coloque o amplificador na condição em que o ronco se manifesta.
• Desligue o cabo de conexão do toca-discos ou aparelho ligado ao amplificador da rede de energia, mantendo-o sem alimentação.
• Desligue o cabo de conexão do toca-discos ou de alta impedância ligada ao amplificador.
• Se, ao desligar o cabo, o ronco desaparecer, estará caracterizada a origem do problema.
• Se o ronco não desaparecer, ele poderá ter outras origens, conforme veremos. Poderá estar sendo gerado no circuito do amplificador ou captado pela própria caixa, em vista de não estar devidamente aterrada. Se o ronco foi provocado pelo cabo, verifique então:
• Se sua blindagem está fazendo bom contato com os plugues e o circuito nas duas extremidades.
• Se o jaque do amplificador está devidamente ligado à terra.
• Se existem emendas no fio, verifique essas emendas, reduzindo o tamanho exposto do cabo interno, veja exemplo na figura 4.
b) Aterramento Comum
Quando dois ou mais aparelhos são interligados, para que suas caixas ou chassis atuem como blindagem de maneira eficiente evitando o aparecimento de roncos, eles devem estar sob mesmo potencial.
Pode ocorrer que, por diferenças de características ou pelos próprios circuitos externos, dois aparelhos conectados à mesma rede de energia, quando em funcionamento, apresentem uma pequena diferença de potencial de alguns microvolts ou milivolts, conforme observamos a figura 5.
Essa diferença consiste em um sinal que aparece nos circuitos de entrada dos circuitos amplificadores quando os aparelhos são interligados. É fácil o leitor verificar se o problema tem esta origem:
• Ligando-se os dois aparelhos sem. sinal, e abrindo o volume do amplificador, o ronco aparece.
• Encostando-se a caixa de um aparelho no outro, ou ainda interligando-a por um momento por meio de um pedaço de fio grosso. o ronco desaparece, conforme mostra a figura 6.
• Se o ronco não desaparecer, sua origem poderá ser outra. Continue lendo este artigo. Para eliminar o ronco que tenha esta origem, basta usar os terminais de terra comum que todos os equipamentos de som possuem em sua parte traseira.
Interligue os terminais de terra de todos os aparelhos que formam o sistema, se usarem caixas separadas, veja a figura 7. O fio usado nesta interligação deve ser grosso e o mais curto possível.
c) Terras fora de fase
Dois aparelhos conectados à mesma rede de energia, um funcionando como fonte de sinal (tape-deck, CD-player, pré-amplificador, equalizador, etc.) e outro como amplificador final de potência, podem apresentar pequenas diferenças de potencial entre seus chassis ou caixas, da mesma forma que no caso anterior, mas por estarem com as fases diferentes de alimentação. O que acontece então, é que seus transformadores de força podem estar com as fases diferentes em relação à tensão de entrada, o que afeta levemente a tensão do secundário em relação à fase, aparecendo no ripple da corrente contínua que alimenta os circuitos, conforme ilustra a figura 8.
Assim, entre os chassis ou caixas surge uma pequena tensão alternada na frequência de 60 Hz, resultante da defasagem da alimentação dos transformadores.
Uma maneira simples de se verificar se o problema é este, é a seguinte:
• Ligue os aparelhos de modo que o ronco seja produzido.
• Inverta a tomada de força de um dos aparelhos, girando-a de 180 graus, observe a figura 9.
• Se o ronco desaparecer por completo, estará caracterizado o problema. Uma interligação adicional com fios grossos entre os chassis pode resolver de forma definitiva o defeito.
d) Roncos internos
Temos também os roncos que são gerados por deficiências dos próprios circuitos ou ainda de casamento de características de aparelhos.
Um primeiro caso ocorre quando pequenos aparelhos portáteis que funcionam com pilhas passam a ser alimentados com eliminadores de pilhas.
Esses eliminadores, conforme mostra a figura 10, possuem circuitos muito simples, por questão de economia, com uma retificação que nem sempre é de onda completa e com capacitores de filtro insuficientes para a eliminação de todo "ripple" da fonte.
O "ripple" ou ondulação de uma fonte nada mais é do que a oscilação de tensão contínua de saída, da ordem de milivolts e que aparece sobreposta a essa tensão. Essa ondulação tem uma frequência de 60 Hz ou 120 Hz (para as fontes de onda completa).
O resultado é que o circuito passa a ser alimentado por uma tensão que não é tão contínua ou pura como poderia ser, mas tem uma componente de baixa frequência capaz de modular os sinais que devem ser amplificados pelos circuitos.
O efeito disso é o aparecimento de roncos nestes aparelhos. Se seu CD ou walkman não ronca quando você o alimenta por pilhas, mesmo ligando a um equipamento de som maior, mas ronca ou quando usa o eliminador ou quando, com o eliminador, excita um aparelho maior, então o problema está no eliminador.
Se o leitor tem habilidade, pode abrir seu eliminador e tentar usar um capacitor de filtro maior. Alguns usam 470 µF ou 1 000 µF. Tente aumentar para 2 200 µF. (figura 11)
Uma outra possibilidade de entrada do ronco é pelo próprio cabo que vai do eliminador ao aparelho alimentado. Neste caso, pode ser tentado um capacitor de filtro no final do cabo, veja a figura 12.
Um capacitor de 2 200 µF serve perfeitamente para esta finalidade. Para detectar este problema o procedimento é então o seguinte:
• Verifique se o aparelho ronca somente com o eliminador.
• Se isso acontecer, o problema pode estar na filtragem do eliminador.
Muitos amplificadores de montagem caseira também manifestam roncos, quer seja pelo mau dimensionamento da fonte quer seja por uma ligação indevida de seus cabos, ou irradiação de componentes.
A conexão da fonte à placa ou entre as placas de um amplificador, assim como as linhas de alimentação, devem ser curtas e grossas. Se possível, a entrada de alimentação deve ser desacoplada por meio de um capacitor, conforme ilustra a figura 13.
Uma trilha curta, um fio fino e longo funcionam como antenas e podem captar roncos que vão modular os circuitos alimentados, ou mesmo passar para as entradas de sinal, gerando os roncos.
Uma blindagem de fios de alimentação não deve ser descartada nos circuitos muito sensíveis como, por exemplo, os que possuam pré-amplificadores que operem com sinais de alguns microvolts na entrada.
Esse é o motivo principal pelo qual podem ocorrer problemas com a montagem de amplificadores de alto ganho, pequenos transmissores e outros circuitos sensíveis em matrizes de contatos ou ponte de terminais. Não é possível encurtar tanto quanto seda necessário as ligações desses elementos de montagem, e através deles podem entrar os roncos que vão afetar o funcionamento dos circuitos.
Uma outra fonte de ronco é o próprio transformador de alimentação que irradia com grande intensidade sinais na frequência da rede de energia. De fato, o campo magnético em torno de um transformador de alimentação é suficientemente forte para poder gerar tensões nos circuitos de entrada, exemplo na figura 14.
Leve-se em conta que as blindagens dos cabos comuns evitam a penetração dos ruídos de natureza elétrica, mas os ruídos de natureza magnética como os criados por um transformador, não.
Campos magnéticos, como os de um transformador, atravessam malhas como a dos cabos, e com isso induzem ruídos nos condutores internos. Um mau posicionamento do transformador dentro do equipamento pode causar sérios problemas de ronco.
Como descobrir se essa é a origem e o que fazer em caso positivo, é o que veremos:
• Se, ao colocarmos uma chapa de alumínio provisória entre o transformador e a placa do amplificador, o ronco diminuir, a origem poderá estar no campo magnético.
• Se ao aterrar por um momento o transformador, usando um fio, o ronco diminuir, o problema estará neste componente. Este caso ocorre principalmente nos transformadores montados em placas cuja blindagem não esteja aterrada.
As soluções são simples neste caso:
• Mudar de posição o transformador dentro da caixa, caso o amplificador seja um projeto caseiro. Na verdade, é bom experimentar antes de fazer a fixação deste componente.
• Aterrar a carcaça do transformador, se ele estiver montado em placa de circuito impresso, ligando-a ao terra do circuito ou ao chassi, observe a figura 15.
• Tentar afastar ou blindar os circuitos sensíveis de entrada do aparelho usando, por exemplo, compartimentos de alumínio ou cobre.
• Os transmissores, que são muito sensíveis a esse problema devem ter suas fontes montadas em compartimentos blindados e aterrados para que sejam evitados roncos, e a própria interferência de uma etapa em outra.
CONCLUSÃO
O que vimos são apenas algumas das origens para os roncos que aparecem em equipamentos de som. Evidentemente, problemas de funcionamento dos próprios circuitos não foram considerados.
Uma deficiência em um capacitor de desacoplamento de fonte, um diodo com problemas numa fonte, um transformador que tenha fugas, são apenas alguns exemplos de falhas que podem gerar roncos.
Além disso, existem aqueles que não tem origem na própria rede de energia e que não cabem ser analisados neste artigo.
Se o leitor conseguir eliminar, ou pelos menos reduzir os roncos desagradáveis de seus aparelhos de som, com as dicas apresentadas neste artigo, estaremos satisfeitos.
A "SUJEIRA" DA REDE DE ENERGIA
Ao contrário do que muitos possam pensar, a energia que chega até nossas casas pelos fios da rede de energia não é tão "limpa" como pode parecer à primeira vista.
Junto com os 60 Hz da "ondulação suave" da tensão da rede chegam picos de tensão denominados transientes, trens de pulsos e variações de maior duração denominados surtos, e até sinais de altas frequências gerados por aparelhos os mais diversos.
Os ruídos de maior frequência que chegam pela rede podem afetar o funcionamento de diversos tipos de aparelhos, principalmente os que operam recebendo sinais de rádio corno receptores AM, receptores FM, televisores, videocassetes, etc.
De fato, detectados pelos circuitos desses aparelhos, os ruídos que chegam pela rede aparecem sobrepostos ao som e a imagem de diversas formas.
Quando um motor elétrico é ligado na mesma rede que alimenta um televisor, por exemplo, a comutação rápida de suas escovas pode gerar um ruído elétrico que o circuito interpreta com o sinal de imagem e produz pequenos traços claros e escuros, ou ainda coloridos que aparecem na tesa.
Esse ruído manifesta-se na forma de um “chuvisco" em televisores, conforme ilustra a figura 16.
Nos rádios AM e mesmo FM, esse ruído aparece na forma de barulho, o qual se assemelha muito ao próprio barulho do motor que o produz.
Pela rede chegam também sinais gerados por computadores, videogames, videocassetes e outros aparelhos, e quando captados por um televisor, podem provocar ondulações da imagem e muitos outros problemas.