Se você pensa que a energia elétrica que chega até sua casa, vinda pelos cabos da empresa fornecedora, é limpa", está enganado. Da mesma forma que a água que chega até sua casa pode conter algumas impurezas, a energia elétrica também pode ter suas "sujeiras".

 

 

É claro que a empresa fornecedora faz todo para "filtrar" qualquer tipo de sujeira que possa chegar a sua casa e afetar de algum modo os aparelhos alimentados. Computadores, videocassetes, rádio-relógios, secretárias eletrônicas, aparelhos de som são alguns dos equipamentos mais sensíveis a estas "sujeiras" que podem chegar junto com a eletricidade que você consome, causando sérios estragos e até funcionamento anormal.

O que ocorre é que a energia da rede é fornecida na forma de uma corrente alternada. Isso, conforme já vimos, significa que a tensão entre os pinos da tomada de força deve variar suavemente entre um valor positivo e um valor negativo.

Essa variação suave da tensão provoca um movimento de vai e vem dos elétrons através dos aparelhos alimentados, permitindo que eles transfiram a energia que eles precisam para funcionar.

O movimento de vai e vem dos elétrons pelos aparelhos pode ser comparado ao movimento de sobe e desce de uma bóia num mar agitado, conforme mostra a figura 1.

 

 

Numa corrente alternada os elétrons oscilam em torno de uma posição fixa.
Numa corrente alternada os elétrons oscilam em torno de uma posição fixa.

 

 

No caso da rede de energia o vai-e-vem dos elétrons ocorre numa frequência de 60 Hz, ou seja, em cada segundo os elétrons vão 60 vezes e voltam 60 vezes, isso de um modo suave.

A representação desse vai e vem, que identifica uma corrente alternada, é na verdade feita por um gráfico suave que lembra uma onda do mar: a senóide.

 

 

A senóide, que representa uma corrente alternada.
A senóide, que representa uma corrente alternada.

 

 

Em cada ciclo da corrente alternada, a tensão sobe até o valor máximo positivo, quando a corrente é empurrada, para depois de atingi-lo, voltar suavemente ao zero, e depois invertendo sua polaridade atingir o valor máximo negativo ou pico negativo. No pico negativo, podemos dizer que a corrente é "puxada" com mais força invertendo seu sentido de circulação.

Tudo ocorreria bem com os aparelhos alimentados, se as variações da tensão numa tomada seguissem esse ritmo de uma for suave, sem problemas.

No entanto, exatamente como no caso de uma onda do mar, podem existir "marolas" superpostas e até mesmo "rajadas" de água que se sobrepõem a onda original, conforme mostra a figura 3.

 

 

Sujeiras superpostas à tensão da rede de energia.
Sujeiras superpostas à tensão da rede de energia.

 

 

Quando um interruptor é aberto ou fechado nas vizinhanças de sua casa, alimentando algum aparelho, ele provoca uma pequena variação no consumo de energia a qual é sentido, se bem que, de maneira quase que imperceptível, por todos os aparelhos alimentados pela mesma rede de energia. Uma pequena "ondulação" pode sobrepor-se à energia que chega à sua casa, com talvez uma pequena queda de tensão.

Se o aparelho ligado naquele instante pelo interruptor acionado tiver um alto-consumo, pode-se até verificar a queda de tensão provocada por meio de um multímetro, ou pelo súbito piscar das lâmpadas, conforme mostra a figura 4.

 

 

Quando o chuveiro é ligado a tensão na lâmpada cai.
Quando o chuveiro é ligado a tensão na lâmpada cai.

 

 

Mesmo dentro de sua casa, quando a geladeira liga, ou um aparelho de maior consumo é acionado, percebemos este tipo de variação, mas em especial nos interessa aqui as variações ou "sujeiras" que vem de fora.

Esta variação não causa muito problema, mesmo deformando um pouco a nossa senóide, por ser muito pequena. A maioria dos aparelhos eletrônicos não é sensível a esta variação, a não ser quando ela cause uma queda de tensão muito grande.

O problema maior ocorre quando os aparelhos que são ligados ou desligados por uma chave ou interruptor, ou ainda de modo automático na mesma linha de energia possuem características especiais.

São os chamados aparelhos "indutivos", ou seja, aqueles que possuem bobinas e eventualmente escovas de comutação, tais como motores, solenóides, relés, campainhas, máquinas de solda elétrica, etc.

Um aparelho indutivo, conforme o nome diz, possui uma característica de indutância.

Uma indutância, conforme mostra a figura 5, tende a apresentar uma oposição forte a qualquer variação de corrente que tenda a ocorrer em seu circuito.

 

 

Comportamento de um circuito indutivo.
Comportamento de um circuito indutivo.

 

 

Quando ligamos um dispositivo qualquer que tenha uma bobina, como por exemplo um transformador, a corrente logo se estabelece, invertendo e revertendo seu sentido de circulação, não sem encontrar uma certa oposição, mas mesmo assim, entregando a energia que ele precisa para funcionar.

As variações da corrente vão fazer com que um campo magnético apareça e desapareça no mesmo ritmo da corrente, invertendo o sentido de orientação de suas linhas de força.

Até aí tudo bem, mas vamos supor que em dado momento do funcionamento de um dispositivo deste tipo ele seja desligado. Se a corrente for interrompida justamente num instante em que o campo magnético esteja num valor alto (não importa o sentido), o dispositivo sofre uma alteração muito grande de condição a que ele tende a se opor. O resultado é que as linhas do campo magnético que estava presente naquele instante se contraem com uma velocidade muito maior do que a da variação suave da corrente que o produz.

Essa velocidade pode ser tão grande, que na contração, as linhas de força do campo, cortando as espiras do dispositivo, geram um pulso de alta tensão. Essa alta tensão pode ser muitas vezes até dezenas de vezes maior que a tensão da rede de energia que alimenta o dispositivo.

A faísca que aparece nos fios ou interruptores quando desligamos estes tipo de dispositivo nos revela que esta faísca pode "saltar" os contactos passando então para a rede de energia, conforme mostra a figura 6.

 

 

Ao desligar uma carga indutiva a alta-tensão gerada produz uma faísca no interruptor.
Ao desligar uma carga indutiva a alta-tensão gerada produz uma faísca no interruptor.

 

 

Essas faíscas de curta duração, que podem chegar a milhares de volts, são denominadas transientes e se propagam pela rede de energia, passando até de uma casa para outra.

Se um vizinho seu aciona uma bomba de água de um poço, ou liga uma geladeira, o transiente gerado pode chegar até sua tomada na forma de um pulso de curta duração (alguns micro-segundos). conforme mostra a figura 7.

 

 

Propagação dos transientes ou surtos pela rede de energia.
Propagação dos transientes ou surtos pela rede de energia.

 

 

Em alguns casos, quando um aparelho é desligado e é fortemente indutivo, a corrente chega a oscilar, indo e vindo várias vezes antes de ser interrompida, mas gerando um trem de pulsos de alta tensão de maior duração que se propaga pela rede de energia. Dizemos. neste caso que se trata de um "surto", e isso consiste num outro tipo de "sujeira" que se propaga até nossa casa pela rede de energia.

Motores elétricos, que são fortemente indutivos, e que possuem um sistema que liga e desliga suas bobinas centenas de vezes por segundo consistem em uma fonte indesejável de transientes.

Outra fonte de "sujeira" na rede de energia é a própria natureza.

Descargas estáticas ou mesmo raios que caiam na linha de distribuição podem se propagar pela rede de energia chegando até sua casa. Neste caso, dependendo da distância em que isso ocorrer, os picos de tensão podem variar de intensidade e de duração.

 

 

COMO A SUJEIRA AFETA SEUS APARELHOS

Pequenas variações de tensão, ou variações muito rápidas da tensão da rede de energia não são sentidas por muitos aparelhos que além de robustos possuem uma inércia suficientemente grande para não reagir. É o caso de uma lâmpada comum que demora um certo tempo para ter seu filamento aquecido por uma corrente. Se ocorre uma variação brusca muito rápida da tensão, a lâmpada não tem tempo de reagir, e nada acontece. A variação deve durar pelo menos uma fração de segundo para que aconteça alguma coisa e a na maioria dos casos isso não ocorre.

Um motor também não reage rapidamente a uma variação muito brusca de tensão e mesmo grande, absorvendo a energia que esta variação representa e nada acontece.

Em suma, a maioria dos aparelhos eletrodomésticos tem uma construção suficientemente robusta e uma inércia suficiente grande para não sofrer e nem reagir com a "sujeira" da rede de energia que é representada por transientes e surtos.

No entanto, não é o que ocorre com muitos aparelhos eletrônicos, que em geral são mais sensíveis, com uma inércia muito menor, reagindo facilmente, mesmo as variações de menor duração.

As fontes de alimentação dos aparelhos eletrônicos possuem componentes que deveriam filtrar todos os ruídos ou "sujeiras" que podem chegar junto com a tensão de alimentação, mas não é isso o que ocorre na prática.

As fontes filtram a maior parte da energia a ser entregue aos aparelhos eletrônicos por meio de capacitores eletrolíticos.

Eles funcionam como "amortecedores" que suavizam a corrente de alimentação, evitando "solavancos" devidos a buracos.

 

 

Fontes comuns
Fontes comuns "amortecem" boa parte dos transientes.

 

 

Os buracos são os transientes que podem afetar o circuito, aplicando-lhes tensões maiores do que a que suportam normalmente, mas existe um problema: os "amortecedores", ou melhor, os capacitores dos filtros possuem uma certa inércia. Eles, pela sua construção física, são levemente indutivos, ou seja, não respondem à variações muito rápidas da tensão e por isso podem deixar passar os transientes.

O resultado pode ser fatal para os componentes delicados dos circuitos eletrônicos.

Aparelhos como computadores, secretárias eletrônicas, telefones sem fio, videogames, videocassetes, rádiorrelógios possuem componentes internos, denominados circuitos integrados, de um tipo muito delicado denominado CMOS (Complementary Metal-Oxide Semiconductor e suas variantes MOS-FET, JFET, DMOS, etc.) que consistem em pastilhas microscópicas de silício onde são integrados os componentes principais do aparelho.

Entradas e saídas destes integrados dão em elementos que são isolados por uma finíssima camada de óxido metálico isolante (daí o nome). Essa camada de alguns microns de espessura só consegue isolar tensões de alguns volts, que é justamente o que o aparelho precisa para funcionar e que sua fonte fornece em condições normais.

Se um transiente ou surto consegue passar pelo circuito e chega a este componente, sua tensão elevada "fura" a capa de óxido semicondutor, "queimando" de modo irreversível o componente e inutilizando o aparelho.

 

 

Estrutura delicada de um transistor de efeito de campo.
Estrutura delicada de um transistor de efeito de campo.

 

 

Em muitos casos, o circuito integrado é o "coração" do aparelho ficando mais caro sua substituição (quando é possível encontrar um semelhante, pois nos equipamentos importados normalmente isso é uma tremenda dificuldade!) do que adquirir um novo.

Existem casos em que o transiente em lugar de entrar pela rede de energia pode entrar de outras forma, como no caso de telefones sem fio e secretárias eletrônicas, onde ele vem pela linha telefônica.

Quantos aparelhos desse tipo já "pifaram" coincidentemente depois de uma tempestade com muitos raios caindo nas vizinhanças?

Mesmo aparelhos menos delicados podem sofrer seriamente com estes transientes, se forem muito fortes. Alguém que esteja próximo demais de uma indústria ou de alguma oficina com máquina de soldas pode sofrer bastante com a "sujeira" que chega até suas tomadas.

Um caso interessante em que a "sujeira" não queima, mas afeta o aparelho é o de relógios digitais de cabeceira.

O ritmo desses relógios é dado pelas "ondulações" da tensão da rede de energia que se mantém, com boa precisão nos 60 Hertz, ou seja, 60 vezes por segundo.

Dividindo por 60 essa frequência, o relógio obtém um pulso em cada segundo para seu funcionamento. No entanto, o circuito que faz a divisão pode ser "enganado" pela presença de transientes ou surtos, dependendo de sua duração.

Se não houver um bom filtro interno no circuito, um transiente é contado como uma ondulação a mais e o relógio passa a andar mais rápido.

Se seu relógio de cabeceira adianta alguns minutos por mês é sinal que ele está sendo enganado pela "sujeira" de sua rede de energia (*)

(*) Esse problema nada tem a ver com os relógios importados que, projetados para a rede de 50 Hz são ligados em 60 Hz e por isso passam a andar mais depressa. Tais relógios passam a contar uma hora de 50 minutos e por isso adiantam muito mais. Normalmente, levando-os a um técnico ele identificará os pinos de programação do circuito integrado interno e fará a troca de 50 para 60 Hz.

 

AS PROTEÇÕES QUE JÁ EXISTEM

A presença de transformadores no percurso da energia que chega até sua casa é interessante porque estes componentes conseguem bloquear uma boa parte dos surtos de alta tensão e transientes que podem afetar seus aparelhos.

Os próprios fios longos e a presença de certos dispositivos que possuam características "capacitivas" faz com que algumas das "sujeiras" que chegam com a energia sejam atenuadas ou mesmo desviadas.

Os fusíveis que existem na entrada de sua instalação, infelizmente não são rápidos o bastante para proteger suas instalações contra estes picos de tensão que podem entrar, pois eles têm uma duração muito curta. Nem mesmo os disjuntores conseguem isso.

Isso significa que, mesmo havendo uma certa proteção natural da rede de energia, não se consegue eliminar totalmente os transientes, e o problema se agrava nas regiões mais densamente povoadas onde podem existir muitos dispositivos geradores de "sujeira" ligados a uma mesma rede de energia.

 

COMO EVITAR PROBELAMAS COM A SUJEIRA DA REDE DE ENERGIA

Muitos aparelhos sensíveis a transientes e surtos vem com dispositivos de proteção internos ou então com recomendações para que sejam usados com dispositivos de proteção.

O dispositivo de proteção mais usado nos aparelhos sensíveis é o Varistor de Oxido de Zinco ou SiOV que tem a aparência mostrada na figura 10.

 

 


 

 

O óxido de zinco é uma substância isolante até uma determinada tensão. Quando a tensão supera um certo valor ele torna-se repentinamente condutor.

Assim, se ligarmos a uma rede de energia de 110V um varistor de 200 V ele não conduz a corrente em condições normais, porque numa rede de 110 V, conforme vimos, a tensão oscila entre -150 e +150 V de modo que na média são mantidos os 110V ou 127 V.

Entre os dois valores indicados, o varistor é um isolante e nada acontece.

No entanto, se junto com os 110 V vier um transiente perigoso, por exemplo, um "pico" que tenha 250 V conforme mostra a figura 11, esse "pico", está acima do ponto de disparo do varistor.

 

 


 

 

A ação do varistor é então muito rápida. Com a chegada do pulso de alta tensão que poderia causar dano ao aparelho, ele se torna momentaneamente condutor e "curto-circuita" o pulso absorvendo sua energia. O pulso não consegue passar, não chegando portanto até o aparelho alimentado.

Tomadas de computadores podem ser adquiridas contendo "jogos" de varistores que protegem então os computadores contra surtos perigosos e transientes que podem afetar seus delicados circuitos.

 

 

Um jogo de tomadas protegidas por varistores.
Um jogo de tomadas protegidas por varistores.

 

 

Evidentemente tais tomadas protegidas também podem ser usadas com outros aparelhos sensíveis como videocassetes, fax, televisores, etc.

Outra maneira de se evitar problemas com os transientes e surtos é através de um bom aterramento, caso os aparelhos já possuam proteção interna.

Computadores normalmente possuem varistores nos seus circuitos de entrada, mas estes varistores são ligados de tal forma que precisam de um fio terra para que o surto ou transiente seja absorvido. Isso ocorre, porque na realidade as correntes provocadas por eles na condução do dispositivo de proteção precisam escoar para a terra, conforme mostra a figura 13.

 

 

Proteção correta das tomadas de 3 pinos.
Proteção correta das tomadas de 3 pinos.

 

 

Isso significa que, sem a presença do fio terra, os varistores perdem sua capacidade de proteção, pois não há para onde escoar a energia absorvida da "sujeira" da rede.

É por este motivo que os cabos de entrada dos computadores possuem três fios: dois para a alimentação em si e um terceiro para conexão à terra.

Essa conexão é feita por meio de um condutor grosso a uma barra de metal enterrada no solo. (Veja no capítulo correspondente às ligações a terra como fazer essa conexão).

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