Em desafio que propomos um problema interessante para estudantes de engenharia, física e do nível médio. “Tirar energia do Gelo e com ela manter pelo maior tempo possível um motor em funcionamento”.

Mostramos o nosso motor funcionando no vídeo e descrevemos na totalidade o processo usado. Não entramos em detalhes, entretanto, sobre cálculos e as explicações científicas, assunto que abordamos neste artigo.

Será que a energia vem realmente do gelo? Esta é uma questão que deixa professores, alunos e muitas outras pessoas “desconfiadas” sobre a validade do desafio. Mas, como não costumamos enganar nossos leitores, e damos sempre um embasamento técnico-científico ao que fazemos, pois essa é nossa formação, vamos começar por explicar os princípios físicos:

 

Princípios

Da física sabemos que o calor consiste em uma forma de energia. É a energia cinética da vibração das partículas de um corpo. A soma das vibrações de todos os átomos de um corpo nos dá a quantidade de energia térmica que ele possui.

Veja então que a quantidade de energia não é dada apenas pela sua temperatura, mas também pela sua massa, ou seja “pela quantidade de átomos que estão vibrando”. Essa medida é feita em calorias (cal).

Isso significa que podemos ter dois corpos na mesma temperatura (mesma intensidade de vibrações), mas com quantidades de energia diferentes (calorias). Um pode ser maior que o outro, ou feitos de materiais diferentes.

Da mesma forma, dois corpos podem ter a mesma quantidade de energia (calorias), mas estarem em temperaturas diferentes, pelos mesmos motivos.

O importante é saber que, se dois corpos estiverem em temperaturas diferentes e entrarem em contato, as vibrações de um se transmitem ao outro, as do corpo de maior temperatura (que vibram mais) transmitem as vibrações para o de menor temperatura (que vibram menos), até que elas se igualem e os dois corpos fiquem na mesma temperatura.

Isso significa que a energia do que está em maior temperatura flui para o de menor temperatura. Haverá então fluxo de energia térmica ou calor do que está em maior temperatura para o que está em menor temperatura.

Nessa movimentação podemos aproveitar esse fluxo de energia para gerar energia, por exemplo, mecânica como numa máquina a vapor, ou ainda em elétrica, como num dispositivo de efeito Seebeck (Peltier), como fizemos.

A física nos diz que não podemos retirar desse fluxo toda a energia de que ele dispõe (Carnot), mas se soubermos trabalhar com esse fluxo, podemos fazer coisas muito interessantes em termos de obter energia alternativa.

 

O gelo

E aí entra a pergunta. Como podemos tirar energia do gelo, se ele já está frio e não tem como mandar calor para nenhum lugar?

Sim, esta é a grande jogada. O gelo não tem como mandar energia térmica para suas vizinhanças, a não ser que encontre um gelo mais frio ainda. Mas ele pode receber calor de suas imediações, e com isso estabelecer o chamado “gradiente térmico” que permitirá que ocorra um fluxo de energia e com ele podemos obter a transformação.

Podemos dizer que o gelo tem um potencial térmico “negativo” em relação ao ambiente. Esse potencial é obtido quando ele foi criado e a geladeira tirou energia da água para formá-lo.

Podemos “devolver” essa energia ao gelo, fazendo com que ele receba um fluxo de calor, por exemplo, do meio ambiente e é aí que entra em jogo nosso desafio.

Na verdade, o que estaremos fazendo é “obter de volta” parte da energia que a geladeira gastou para formá-lo.

É claro que na natureza existe a possibilidade de obter gelo sem gastar energia. Na verdade, a energia que os formou veio do meio ambiente. Se usarmos esta energia, estaremos devolvendo essa energia ao meio ambiente.

Isso é o que se trabalha em princípios físicos no nosso desafio.

 

Os cálculos

Mas, como esta seção, além dos conceitos que estão envolvidos nos diversos fenômenos também abordamos os aspectos quantitativos, vamos aos cálculos.

Quanto de energia posso obter teoricamente de uma pedra de gelo, como a que usamos em nosso desafio?

Lembramos que a parte da física que estuda os fenômenos relativos às trocas e transferências de calor (calor em movimento) é a termodinâmica. Assim, as fórmulas que vamos usar e os procedimentos são os que normalmente se utiliza no ensino de física do segundo grau (e que depois são manuseados nos cursos de engenharia e nos cursos técnicos).

 

a) Unidades

A quantidade de calor envolvida num processo térmico é medida em calorias (cal)

1 caloria equivale a 4,18 Joules (quantidades de energia)

Lembrando que:

1 Joule equivale a 1 watt por Segundo W/s)

Isso significa que se tivermos a disponibilidade de converter 1 caloria em energia elétrica:

1 caloria = 4,18 Joules = 4,18 W por segundo

Poderemos acender um LED de 0, 1 W por:

T = 4,18/0,1 = 41 segundos

Nota 1 - Também lembramos que as medidas de temperatura podem ser feitas tanto em graus Celsius (°C) como graus Kelvin (°K) dependendo do problema considerado.

Como, em geral nos nossos problemas trabalhamos com diferenças de temperatura e 1 grau Celsius equivale em “tamanho” a 1 grau centigrado, tanto faz.

Veja que isso significa que uma variação de 10 graus centigrados é igual a uma variação de 10 graus Kelvin, mas não que 10 graus centígrados equivalem a 10 graus Kelvin. Devemos estar atentos nos cálculos.

Sabendo trabalhar com as unidades, vamos aos fenômenos.

 

b) Calor sensível e calor latente

Denominamos calor sensível a quantidade de calorias que precisamos aplicar ou retirar de um corpo para que sua temperatura varie de 1ºC. (veja Nota 1).

Normalmente expressamos essa quantidade em calorias por grama (por grau centígrado).

Por exemplo, o calor sensível da água é de 1 cal/g°C.

Isso significa que 1 g de água precisa de 10 cal para passar, por exemplo, de 10 a 20 graus centigrados ou ainda, devemos retirar dela 10 calorias para reduzir sua temperatura de 10 a 0°C, por exemplo. Tudo isso pode

 

c) Fórmulas

Calor sensível.

Q = m . c . Δθ 

Onde:

Q é a quantidade de calor em calorias (cal)

M é a massa do corpo (g ou kg) (*)

C – calor específico de um substância em cal/g°C)

Δθ = Variação de temperatura em graus Celsius (°C) ou graus Kelvin (°K)

(*) Se for dada em g, o resultado será em calorias e C deve ser dado em calorias, Se, em kg o resultado será em quilocalorias (Kcal).

Por exemplo, para o gelo é 5 cal/g°C

Para a água é de 1 cal/g°C

 

 

Calor latente

É a quantidade de calor necessária para que um corpo passe do estado sólido para o estado líquido ou do estado líquido para o gasoso.

Para o gelo: 80 cal/g°C

É a quantidade de calorias que o gelo precisa absorver para passar de gelo a 0°C a água a 0°C, ou ainda a quantidade de calor que precisamos entregar a 1 g de água em estado líquido a °C para que ela forme 1g de gelo a °C.

Com estas informações podemos aplicar alguns cálculos interessantes ao nosso desafio como:

 

 

Problema

Colocando uma pedra de gelo de 10g que esteja a -10 °C de temperatura sobre o dispositivo Peltier (Seebeck) quanto de energia elétrica podemos obter com o seu derretimento completo, e a água resultante escorrendo a °C para um pequeno recipiente. Supomos que o rendimento teórico do dispositivo no processo seja de 5%.

Resolução:

a) Para ir de -10°C a 0°C a pedra de gelo de 10 g precisa absorver:

Q1 = ?

Δθ = 10

C = 5 cal/g°C

M = 10 g

 

 

Q1 = 5 x 10 x 10 = 500 cal

 

b) Para derreter 10 g de gelo ele precisa absorver:

Q2 = ?

C = 80 cal/g

M = 10

 

 

Q2 = 800 cal

 

c) A quantidade total de calor que a pedra de gelo absorverá será de:

Q = Q1 + Q2

Q = 800 + 500 cal

Q = 1 300 cal

 

d) O valor em joules ou Watts/segundo será:

E = 1 300 x 4,18

E = 5 435 Joules

 

A potência será:

P = 5 435 J/s ou W

 

Veja que se tivermos uma geladeira que deve produzir a pedra de gelo nas condições indicadas, partindo de água a zero grau, e desejarmos que ela “fabrique” a pedra em 100 segundos, ela deve operar com uma potência de:

P1 = 5 435/100 = 54 W por 100 segundos

 

e) Rendimento

Da mesma forma, se o processo inverso tiver 100% de rendimento na conversão, teremos 54 W de potência por 100 segundos.

No entanto, o rendimento do processo é muito mais baixo, no nosso caso, da ordem de 5%. Assim, teremos:

E = 5 435 x 0,05 = 271 J ou W.s

Um motor que precise de 0,45 W, por exemplo (3 V x 150 mA) poderá funcionar por:

T = ?

E = energia disponível em Joules ou W.s

P = potência em watts

T – 271/0,45 = 602,22 segundos ou 10 minutos

É claro que, na prática entrarão em jogo diversos fatores adicionais que, num projeto, o montador deve otimizar.

Este será o rendimento máximo teórico. Podemos melhorar isso? É a finalidade do desafio.

 

NO YOUTUBE


NOSSO PODCAST