Os leitores de nossa revista devem estar “carecas” de tanto encontrar montagens que usam SCRS. Entretanto, mesmo depois de realizar tantos projetos Ou mesmo simplesmente ler a parte que trata de seu princípio de funcionamento. acreditamos que muitos ainda não sabem exatamente como funciona, o que é, e o que pode fazer este útil dispositivo semicondutor. Se o leitor se inclui neste grupo e deseja saber um pouco mais sobre 0 SCR, leia até o fim este artigo que não se arrependerá.

Obs. Este é um dos muitos artigos que escrevemos mostrando como funciona um SCR. Esta versão é de 1984.

 

Os SCRs, ou diodos controlados de silício, são dispositivos semicondutores da mesma "família" dos triacs, ou seja, são todos Tiristores, ou comutadores eletrônicos de alta velocidade.

Encontramos os SCRs numa variedade de tipos enorme, que vai desde o pequeno comutador para baixas correntes, que opera com algumas dezenas de volts sob corrente de até algumas centenas de miliampères, até os tipos industriais, que controlam motores de locomotivas capazes de trabalhar com milhares de volts de tensão e correntes que superam 1 000 ampères.

O que nos interessa na prática da eletrônica é que o SCR pode ser usado como um simples interruptor de grande sensibilidade, acionado por sinais elétricos, como também como controle de potência, dosando o brilho de lâmpadas ou a velocidade de motores.

O SCR pode ainda fazer parte de circuitos um pouco diferentes, como temporizadores e mesmo osciladores.

Analisaremos a seguir alguns dos circuitos típicos dos SCRs, mas antes veremos seu princípio geral de funcionamento.

 

A ESTRUTURA DO SCR

O SCR é um semicondutor de quatro camadas, formando uma estrutura PNPN, conforme mostra a figura 1.

 

Figura 1 - A estrutura do SCR
Figura 1 - A estrutura do SCR

 

 

Nesta mesma figura temos o símbolo usado para sua representação e o circuito equivalente, formado por dois transistores, um PNP e outro NPN. Veja como eles se ajustam na estrutura indicada.

Levando em conta a estrutura equivalente formada por dois transistores, podemos entender muito mais facilmente como funciona o SCR.

Os dois transistores são ligados de modo a formar uma “chave regenerativa", ou seja, um circuito que se realimenta quando excitado, de modo a admitir apenas dois estados: conduzindo ou não conduzindo.

Assim, partindo da situação inicial em que não haja sinal de excitação na comporta (G) e que ambos os transistores estejam no estado de não condução (sem corrente fluindo entre o anodo e o catodo), aplicamos um pulso positivo na comporta. (figura 2)

 

Figura 2 – O pulso de disparo
Figura 2 – O pulso de disparo | Clique na imagem para ampliar |

 

 

Este pulso polariza a junção base/emissor do transistor NPN no sentido direto, de modo que ele entra em condução. Uma corrente maior de coletor torna-se disponível neste transistor e esta corrente polariza no sentido direto a junção base-emissor do transistor PNP, que também entra em condução.

Ora, com a condução deste transistor, passa-se a dispor de uma corrente de coletor que realimenta o transistor NPN no sentido de manter sua base-emissor polarizada no sentido de condução.

Um transistor mantém o outro conduzindo, mesmo depois que o sinal de disparo tenha desaparecido. (figura 3)

 

Figura 3 – A realimentação
Figura 3 – A realimentação

 

 

De fato, esta é uma característica importante dos SCRs no circuito de corrente contínua indicado: uma vez que seja levado à condução, ele assim permanece enquanto houver tensão de alimentação, mesmo desaparecido o estímulo.

Do mesmo modo, não podemos desliga--lo por uma aplicação “inversa" de um pulso em sua comporta, ou seja, aterrando-o ou aplicando um sinal negativo.

Na verdade, aplicar este sinal negativo é “proibido" num SCR comum, pois pode até provocar sua queima.

Para desligar o SCR temos duas possibilidades: ou desligamos momentaneamente a alimentação, de modo que a tensão entre o anodo e o catodo caia a zero, ou, o que dá no mesmo, curto-circuitamos momentaneamente os terminais de anodo e catodo, conforme mostra a figura 4.

 

   Figura 4 – Desligando o SCR
Figura 4 – Desligando o SCR

 

 

Nas aplicações práticas é importante notar que o SCR tem um comportamento todo especial, justamente em função deste seu princípio de funcionamento.

Podemos citar algumas de suas principais características para orientar os leitores:

a) Para polarizar a comporta do SCR no sentido de dispará-lo temos de vencer a junção base-emissor do transistor NPN, o que significa que precisamos de uma tensão da ordem de 0,6 V. A intensidade de corrente que provoca o disparo depende do tipo, estando em torno de 200 uA para o TIC106 e seus equivalentes.

b) A queda de tensão entre o anodo e o catodo do SCR no estado de plena condução é da ordem de 2 V para os tipos comuns, valor este que determina a dissipação de calor do componente. Por exemplo, se ele tiver de conduzir uma corrente de 5 A, a potência dissipada será de 2 x 5 = 10 W.

c) O SCR conduz a corrente num único sentido, ou seja, comporta-se como um diodo semicondutor, fato este que deve ser levado em conta nos circuitos de corrente alternada. Se quisermos que um SCR controle os dois semiciclos de uma corrente alternada, podemos empregar um artifício, como o mostrado na figura 5, que consiste no emprego de uma ponte de diodos.

 

Figura 5 – Usando uma ponte de diodos
Figura 5 – Usando uma ponte de diodos

 

 

d) Não devemos deixar que pulsos negativos sejam aplicados à comporta do SCR quando ele estiver polarizado no sentido inversa, conforme mostra a figura 6.

 

Figura 6 – Situação proibida
Figura 6 – Situação proibida

 

 

Se isso acontecer, o componente pode queimar. Para evitar este problema, nos circuitos de corrente alternada em que o SCR está sujeito à polarização inversa, usamos um diodo de proteção na comporta

Lembramos então que, com a presença deste diodo, para ter o disparo devemos vencer os 0,6 V da junção emissor/base do transistor NPN equivalente de sua estrutura e também os 0,6 V da junção do diodo, o que significa uma tensão de pelo menos 1,2 V, em média.

e) Quando o SCR está “desligado", praticamente toda a tensão de alimentação aparece entre seu anodo e o catodo. O SCR deve estar apto a suportar esta tensão. Nos manuais esta tensão é indicada como VDRM e deve ser sempre maior que a tensão de alimentação usada no circuito. Se o leitor estiver trabalhando num circuito de corrente alternada, o valor de pico é que deve ser levado em conta. Assim, para uma tensão de rede de 110 V teremos um valor de pico de aproximadamente 155 V. Um SCR para esta rede deve ter uma tensão máxima VDRM de pelo menos 200 V.

f) Corrente máxima: esta é a corrente máxima que o SCR pode conduzir quando está ligado e seus limites devem ser respeitados. Para um SCR como o TIC106, esta corrente tem um valor médio de 3,2 A, e para correntes contínuas puras pode chegar a 5 A. Nos projetos é muito importante respeitar estes limites, principalmente levando em conta que, quanto maior a corrente, maior a quantidade de calor gerado. O SCR precisa, nos casos indicados, ser dotado de radiador de calor.

g) Temos ainda a corrente de manutenção, que é a menor corrente que o SCR pode conduzir sem desligar “sozinho". Se a corrente conduzida pelo SCR for muito baixa, ele não consegue mantê-la e desliga. Existe um valor mínimo, denominado “corrente de manutenção" ou "holding current", representada nos manuais por IH e que no caso do TIC106 é de aproximadamente 8 mA.

h) Em alguns casos, conforme o tipo de SCR considerado, é preciso levar em conta uma polarização de comporta De fato, com tensões elevadas entre o anodo e o catodo, a própria corrente de fuga entre as junções PN da estrutura pode provocar a realimentação que leva ao disparo.

 

Assim, nos casos em que existe esta tendência como, por exemplo, no TIC106, precisamos cancelar este efeito interno com a ligação de um resistor, cujo valor típico é 1 k, entre o catodo e a comporta. (figura 7)

 

Figura 7 – Resistor de comporta
Figura 7 – Resistor de comporta

 

 

TIPOS MAIS COMUNS

Os SCRs mais usados em nossas montagens são os da série 106, pela sua sensibilidade, capacidade de corrente, baixo custo e possibilidade de trabalhar com tensões numa faixa que vai de alguns volts até 400 V.

Na figura 8 temos os principais tipos e denominações dos SCRs da série 106.

 

Figura 8 – SCRs da série 106
Figura 8 – SCRs da série 106

 

 

A tensão máxima é dada por sufixos que dependem do fabricante. Assim, para o TIC106 da Texas temos:

TIC106-Y = 30 V TIC106-B = 200 V

TIC106-F = 50 V TIC106-C = 300 V

TIC106-A =100 V TIC106-D = 400V

 

Para o MCR106 da Motorola temos:

MCR106-1 = 30 V MCR106-4 = 200 V

MCR106-2 = 60 V MCR106-6 = 400 V

MCR106-3 =100 V

 

APLICAÇÓES PRÁTICAS

Começamos pelos circuitos de corrente contínua. Na figura 9 temos um circuito típico que pode operar com tensões contínuas na faixa suportada pelo SCR, conforme o circuito de carga alimentado.

 

Figura 9 – Circuito de aplicação básico
Figura 9 – Circuito de aplicação básico

 

Relês, lâmpadas, circuitos completos podem ser usados como carga para esta aplicação.

O disparo pode ser feito de diversos modos. Na figura 10 damos algumas possibilidades de circuito de disparo.

 

Figura 10 – Circuitos de disparo
Figura 10 – Circuitos de disparo | Clique na imagem para ampliar |

 

 

A primeira consiste no emprego de transdutores resistivos, como um LDR, um NTC, ou uma sonda para operar com a condutividade da água num sensor de nível.

Ligado entre a comporta e o catodo, o sensor opera quando a sua resistência aumenta. Ligado entre a comporta e o anodo, o sensor provoca o disparo do circuito quando sua resistência diminui. O potenciômetro serve como controle de sensibilidade.

Na função em que o sensor está entre a comporta e o catodo, o potenciômetro tem valores típicos na faixa de 10 k a 1 M e normalmente deve ser 10 vezes maior que a resistência normal do sensor.

Já, na ligação entre a comporta e o catodo, com o sensor entre a comporta e o anodo, o potenciômetro deve ter um valor muito baixo, pelo menos 10 vezes menor do que o do sensor. Se o sensor apresentar resistência muito baixa, que produza uma corrente muito maior do que a necessária ao disparo, devemos proteger a comporta do SCR com um resistor Iimitador.

Na figura 11 temos uma aplicação em circuito de corrente alternada.

 

   Figura 11 – Circuito de corrente alternada
Figura 11 – Circuito de corrente alternada

 

 

A carga é ligada entre o anodo e a alimentação, devendo ser lembrado que neste caso temos a condução de meia onda.

O disparo pode ser feito por um dos circuitos da figura 12.

 

Figura 12 – Circuitos de disparo
Figura 12 – Circuitos de disparo | Clique na imagem para ampliar |

 

 

No primeiro caso temos a operação como um simples interruptor de baixa corrente. Um reed-switch ou ainda um relê de baixa corrente de contacto pode ser usado para disparar o SCR.

Os resistores limitam a corrente de disparo e seu valor típico ficará entre 47 k e 220 k. O diodo na comporta impede sua polarização inversa quando o anodo estiver negativo em relação ao catodo.

No segundo caso temos o uso dos mesmos sensores dos circuitos anteriores, caso em que deve ser prevista sua capacidade de operar com tensões maiores.

Entretanto, conforme mostra a figura 13, nada impede que o circuito de disparo opere com baixas tensões contínuas, enquanto o circuito principal trabalhe com altas tensões alternantes.

 

   Figura 13 – Disparo SC
Figura 13 – Disparo SC

 

 

Entre os dois existe apenas um ponto em comum, que é dado pelo catodo, por onde temos o retorno da corrente de disparo e também o retorno da corrente de carga.

Temos, finalmente, na figura 14, um controle de potência ou dimmer, que pode ser empregado para dosar a luminosidade de lâmpadas incandescentes ou então para controlar a velocidade de motores universais.

 

Figura 14 – Controle AC de potência
Figura 14 – Controle AC de potência

 

 

Este circuito funciona tendo por base o disparo do SCR “atrasado" em relação ao semiciclo da alimentação alternada que deve ser conduzida para a carga.

Se retardamos pouco o disparo do SCR em relação ao semiciclo, quase todo ele é conduzido e a carga recebe plena potência.

Se retardamos mais, a carga já recebe apenas uma parte do semiciclo e sua potência é menor. Se retardamos muito mais o disparo, fazendo-o ocorrer quase no final do semiciclo, a carga recebe uma parcela muito pequena da alimentação e sua potência é mínima.

Para uma lâmpada teremos o mínimo de brilho e para um motor, o mínimo de velocidade.

O retardo do disparo é feito normalmente por um circuito RC, em que R é variável (um potenciômetro). O tempo que o capacitor leva para carregar até atingir o ponto de disparo do SCR é que dá o retardo.

Para ajudar no disparo do SCR existem componentes auxiliares que podem ser usados como, por exemplo, uma lâmpada neon ou então o “diac", conforme mostramos na figura 15.

 

Figura 15 – O controle de potência e as formas de onda
Figura 15 – O controle de potência e as formas de onda

 

 

A lâmpada neon só conduz com uma tensão de 80 V, aproximadamente, entre os seus terminais, enquanto que o diac conduz com tensões típicas de 35 V.

Completamos esta pequena série de exemplos com um circuito oscilador de relaxação usando um SCR. (figura 16)

 

Figura 16 – Oscilador de relaxação
Figura 16 – Oscilador de relaxação

 

 

Neste circuito os pulsos agudos produzidos pelo SCR, em frequências na faixa de fração de hertz a alguns quilohertz, podem excitar transformadores elevadores de tensão em inversores ou fontes de MAT (muito alta tensão).

O funcionamento deste circuito é o seguinte:

O resistor de polarização de comporta (R2) determina a tensão mínima que deve ser aplicada entre o anodo e o catodo para produzir o seu disparo.

Veja que o SCR também pode ser disparado pela elevação da tensão entre o anodo e o catodo. Esta é uma característica usada quando desejamos seu funcionamento como oscilador.

Com a carga do capacitor C1 através do resistor R1, a tensão entre o anodo e o catodo do SCR se eleva até o instante em que é atingido o ponto de disparo. Neste momento, o SCR “liga" e a carga do capacitor escoa através do circuito de carga.

Quando a tensão entre o anodo e o catodo cai abaixo do ponto de manutenção da corrente, o SCR desliga e um novo ciclo se inicia.

Obtemos, desta forma, o sinal “dente de serra” característico do oscilador de relaxação.

Os valores dados no circuito permitem a produção de pulsos no primário do transformador da ordem de 60 V e numa frequência que, dependendo de C1, pode ficar entre alguns hertz e centenas de hertz.

C1 deve ter uma alta tensão de isolamento, já que pode chegar a carregar-se com os picos da rede, dependendo de R2.