Nas décadas de 30, 40, 50 até 70 o rádio predominou como a principal mídia que podia alcançar todos os pontos da terra, era barata e eficiente. A faixa de ondas curtas era a mais explorada, se bem que as estações de ondas médias e depois de FM também tinham uma posição importante nos meios de comunicação. Assim, desde o começo da era do rádio os principais fabricantes cuidaram para ter os melhores rádios e a posse de um deles significava muito. No Brasil tivemos diversos fabricantes e diversos modelos, mas sem dúvida o melhor de todos foi o Transglobe da Philco. O que tinha de incomum em seu circuito? Por que era o melhor? É o que analisaremos neste artigo.

 

Nota: O artigo é na realidade um resumo da live que fizemos sobre o assunto em 19 de julho de 2024.

 

Não tive um Transglobe na minha juventude, pois tive o privilégio de conseguir na época em que já estava economizando para comprar um, um rádio de características excepcionais do qual tratei num artigo e que também na época em que escrevo este artigo estava planejando uma live.

Tive um rádio militar da Segunda Grande Guerra (1939 a 1945) que equipava um avião de transporte, o C47. Meu receptor valvulado era extremamente sensível e me satisfez por muitos anos. Até hoje o tenho e se quiser ver um vídeo sobre ele vá aos links:

https://www.youtube.com/watch?v=B1JKUfeMNg8 

https://www.youtube.com/watch?v=xJT6JRj-nI4 

 

Figura 1 - Meu rádio da Segunda Grande Guerra
Figura 1 - Meu rádio da Segunda Grande Guerra | Clique na imagem para ampliar |

 

Mas, vamos ao que interessa. Recentemente ganhei de um amigo, o Reginaldo Resistronic um Transglobe que ele simplesmente achou num descarte, pois não funcionava. Veja a figura 2.

 

 

Figura 2 – O rádio Transglobe
Figura 2 – O rádio Transglobe

 

 

Estava até com o manual original. Dei uma examinada e consegui colocá-lo para funcionar. Ainda precisa de um pequeno reparo. Seu potenciômetro de volume está interrompido não se conseguindo o ajuste perfeito.

Mas, serviu para que eu analisasse o circuito e verificasse a maravilha que era, o porquê de ser considerado o melhor rádio da época.

Na figura 3 temos uma vista interna desse receptor, com especial atenção à chave de onda que mudava suas faixas de onda, indo das ondas médias às ondas curta.

 

Figura 3 – Por dentro do receptor
Figura 3 – Por dentro do receptor | Clique na imagem para ampliar |

 

 

As chaves de onda desses receptores sempre foram um ponto crítico para os fabricantes, pois influíam muito na qualidade do aparelho. Também eram o ponto em que os defeitos mais apareciam. Desgastavam-se dando maus contatos e com isso afetando a recepção.

Mas, partindo do manual, e analisando o diagrama vamos ver como ele funcionava e observar alguns dos seus pontos fortes no projeto e também os pontos fracos para os quais os possuidores e técnicos deviam estar atentos num eventual diagnóstico, ajuste e até simples limpeza.

Na figura 4 temos então o diagrama do receptor que vamos dividir em partes para fazer uma análise com a possibilidade de ampliar os elementos do circuito que dever]ao ser focalizados.

 

Figura 4 – O diagrama completo dividido em dois dada sua complexidade.
Figura 4 – O diagrama completo dividido em dois dada sua complexidade. | Clique na imagem para ampliar |

 

 

Obs: No artigo do link temos o manual completo com o diagrama em maior definição.

 

 

Funcionamento Básico

 

O rádio Transglobe que analisamos é o Modelo B-481-3 de 9 faixas.

 

Figura 5 – Foto do receptor
Figura 5 – Foto do receptor

 

 

Temos dois manuais deste receptor, o manual do proprietário que dá instruções sobre o uso e o manual de serviço para o técnico com o diagrama, identificação de componentes e processo de calibração. Mas, vamos a análise.

 

Figura 6 – O manual de serviço
Figura 6 – O manual de serviço

 

 

Nota: Disponibilizamos este manual no link DT01.

 

Começamos pelo diagrama completo, dando uma pequena prévia de sua arquitetura com os diversos blocos separados de modo a facilitar a análise e diagnóstico, além do processo de calibração, bastante trabalhoso pelo número de faixas.

Para cada faixa de onda temos um conjunto de bobinas que devem ser alinhadas, havendo para isso uma descrição detalhada que parte do uso de um osciloscópio e de um gerador de varredura. Explicaremos mais adiante.

 

 

Análise do circuito:

Para facilitar a análise vamos fazer a divisão em blocos, conforme indicado no manual. Podemos dividir o circuito em 4 blocos principais (grupos) e 3 blocos menores que analisamos.

 

Figura 7 - Diagrama de blocos
Figura 7 - Diagrama de blocos

 

 

Conforme podemos ver, o receptor é do tipo super-heteródino com FIs de 455 para a faixa de ondas médias e curtas e de 10,7 MHz para a faixa de FM.

Isso exigia o emprego de conjuntos de bobinas diferentes e também de modos de detecção diferentes, tudo isso devendo ser comutado por uma chave.

Assim, conforme podemos observar pelo diagrama, um dos pontos críticos deste receptor é o número de faixas de onda que ele possui e a necessidade de se fazer sua comutação através de uma chave mecânica. Naquela época não havia um modo de se fazer isso digitalmente, como em um receptor moderno.

Assim, conforme mostra a figura 8, havia uma chave mecânica com 9 seções que era encarregada de fazer a comutação das diversas faixas de onda selecionando as bobinas e eventualmente o circuito que deveria entrar em ação, no caso AM ou FM.

 

Figura 8 - A chave de onda
Figura 8 - A chave de onda

 

 

As faixas de onda sintonizadas eram:

 


 

 

 

Um ponto importante na manutenção do bom funcionamento do receptor era ter sempre os contatos limpos. Com o tempo o desgaste e o acúmulo de sujeira levavam à problemas que se manifestavam na dificuldade de se selecionar uma faixa ou na perda de rendimento em determinadas faixas, principalmente de ondas curtas.

Uma maneira de se fazer a limpeza era usando o WD-40 com bastante cuidado. Na figura 9 já mostramos a posição desta chave dentro do aparelho.

Esta chave é acoplada a um tambor rotativo que tem as escalas com as frequências, num mecanismo bastante interessante que pode ser visto na figura 9.

 

Figura 9 – A chave de onda e seu acoplamento ao mostrador
Figura 9 – A chave de onda e seu acoplamento ao mostrador

 

 

Esta figura do manual mostra a posição dos parafusos para a desmontagem.

Um ponto interessante nesta figura é a presença da caixinha com 8 marcas redondas. O rádio tinha a versão normal que funcionava com 6 pilhas grandes e também a versão que vinha com a fonte de alimentação para ligação na rede de energia.

Assim, começamos nossa análise justamente com a etapa do circuito que levava o maior número de conexões à chave seletora.

 

a) Sintonizador de AM

Na figura 10 temos o bloco que representa o sintonizador de AM com as conexões às bobinas de antena, bobinas da etapa de amplificação e às bobinas osciladoras

 

Figura 10 – O sintonizador de AM
Figura 10 – O sintonizador de AM | Clique na imagem para ampliar |

 

 

Neste ponto podemos observar já uma diferença em relação aos circuitos comuns que não possuíam etapa amplificadora de RF em sua maioria. Os sinais sintonizados eram aplicados diretamente ao misturados sem amplificação.

No Transglobe tínhamos na entrada um amplificador de RF que antes de aplicar o sinal ao misturador o amplificava. As bobinas de antena, conforme a faixa eram então selecionadas pelas 5 primeiras seções da chave indicadas no diagrama.

Observe que a primeira posição da chave para a faixa de ondas médias incluía a presença de uma bobina com núcleo de ferrite. Também era prevista na entrada a conexão de uma antena externa para ondas curtas e entrada uma antena de FM.

Realmente, sabendo usar as entradas das antenas era possível usar uma antena externa para ondas curtas levando o receptor a uma sensibilidade capaz de captar estações fracas e distantes nesta faixa.

Para cada faixa selecionada deveria então ser colocada no circuito a bobina da etapa amplificadora de RF, a bobina da etapa misturadora e a bobina osciladora. A bobina osciladora de cada faixa é indicada neste bloco.

Veja que no ajuste do receptor. O conjunto das três bobinas deveria se sintonizado separadamente segundo um procedimento que exigia a localização dessas bobinas com precisão.

Além do cuidado ao mexer, deveria ser empregada a ferramenta de ajuste não metálica. Madeira ou plástico pois ferramentas metálicas influem na indutância. Na figura 11 temos as ferramentas de ajuste.

 

Figura 11 – As ferramentas de ajuste
Figura 11 – As ferramentas de ajuste

 

 

Pois bem, na saída deste bloco, qualquer que fosse a estação sintonizada deveríamos ter a frequência de 455 kHz para a faixa de ondas médias e curtas.

Para a faixa de FM, o sinal vinha do outro bloco e tinha uma frequência de 10,7 MHz, conforme veremos a seguir

 

b) Sintonizador de FM

Na figura 12 mostramos o circuito do sintonizador de fm.

 

Figura 12 – Sintonizador de FM
Figura 12 – Sintonizador de FM

 

 

A parte de entrada tinha 4 transistores que recebiam o sinal da antena. No canto direito superior temos a posição da chave que fazia a comutação desta etapa colocando o bloco em funcionamento.

Assim, depois da etapa amplificadora de RF formada por T101, o sinal era levado ao terceiro transistor que consistia no misturador (T103). O segundo transistor T103 funcionava como oscilador.

Observe que os dois primeiros transistores operavam na configuração de base comum, onde se obtém maior ganho com sinais de altas frequências. Para o misturador, a configuração era de emissor comum, pois a frequência encontrada nesse ponto era 10,7 MHz, correspondia à frequência intermediária.

O sinal de TR104 e TR105 vindos de T103 era levado a uma etapa amplificadora de FI inicial, que operava apenas em FM, formada por T104 e o transformador TR106 e TR107. Ela também tinha o transistor na configuração de emissor comum pois operava com 10,7 MHz.

Os transformadores em amarelo deveriam ser ajustados cuidadosamente em 10,7 MHz. Veja a posição no chapeado.

Uma característica deste ponto do circuito é o acoplamento feito por dois circuitos sintonizados que aguçavam a sensibilidade na faixa a ser recebida.

Desta etapa o sinal passava para a etapa de FI que operava tanto com os sinais de AM como FM.

 

c) FI de AM e FM

Os leitores poderiam se perguntar o motivo de ter no receptor etapas separadas de RF, mas uma etapa única para a frequência intermediária de AM e FM.

Neste caso, vemos uma engenhosa solução dada pela Philco e que também podia ser encontrada em outros receptores que tinham AM e FM.

A ideia é simples. Podemos ligar as bobinas de FI de AM e de FM que operam em frequências de FM, conforme mostra a figura 13.

 

Figura 13 – Bobinas em série na etapa de FI.
Figura 13 – Bobinas em série na etapa de FI.

 

 

Assim, quando o sinal é de 455 kHz, a bobina de 10,7 apresenta uma baixa impedância para ela e com isso ela o desconhece e ele passa direto. O sinal é reconhecido pela bobina de 455 kHz e ele passa para a etapa seguinte por ela, depois de ser amplificado.

Da mesma forma, o sinal de 10,7 MHz não é reconhecido pela bobina de 455 kHz, passando para a etapa seguinte pela bobina dessa frequência. Não é preciso comutar as bobinas.

Conforme podemos ver então pela figura 14, a etapa de FI para as duas frequências usava duas etapas com dois transistores amplificadores e mais 7 bobinas para desespero dos ajustadores.

 

Figura 14 – A etapa de FI
Figura 14 – A etapa de FI

 

 

Existe um ponto importante para se observar na parte final desta etapa. Nela está o circuito demodulador dos sinais que extraem o áudio da RF modulada que chega a esse ponto.

Assim, para o AM das faixas de ondas médias e curtas temos um circuito detector com base em D201 e para o FN temos um circuito discriminador com base em D202 e D203 conforme mostra a figura 15.

 

Figura 15 – O detector e o discriminador
Figura 15 – O detector e o discriminador | Clique na imagem para ampliar |

 

 

Depois de passar pelos diodos, o áudio é separado da RF através de um filtro e uma das seções da chave seletora é usada para escolher o sinal.

Nesta seção encontramos ainda um componente importante do circuito, o controla automático de ganho com base em D204 operando nas faixas de AM.

Conforme sabemos, os sinais das faixas de AM oscilam muito de intensidade no fenômeno denominado fading o que afeta a qualidade da recepção. É o vai e vem da estação fraca, principalmente de ondas curtas.

O que este circuito faz é procurar manter o ganho constante, amplificando mais quando os sinais enfraquecem e menos quando estão fortes (veja no site o que é fading digitando essa palavra na busca).

Observe na figura 16 que a linha do controle automático de ganho (CAG) é retirada entre TR202 e TR206 vinda de C116 do detector de AM.

 

Figura 16 – O CAG
Figura 16 – O CAG

 

 

d) Etapa de áudio

Chegamos à etapa final do Transglobe, onde o sinal de áudio obtido tanto do detector de AM e do discriminador de FM são aplicados para reprodução. Temos aqui uma etapa muito bem elaborada com 6 transistores. Mostramos essa etapa na figura 17.

 

Figura 17 – O grupo 400 do amplificador de áudio
Figura 17 – O grupo 400 do amplificador de áudio

 

 

Começamos com o transistor preamplificador que aplica o sinal a dois potenciômetros sendo um deles para o controle de tonalidade e o outro para o controle de volume.

Observe que na saída desta etapa temos um jaque onde podemos tirar o sinal para um gravador ou ainda para um amplificador externo. Este sinal de boa intensidade não passa pelo controle de tom. (figura 18)

 

Figura 18 – A saída para gravador, controle de tom e volume
Figura 18 – A saída para gravador, controle de tom e volume

 

 

O sinal do controle volume é então aplicado a mais um transistor preamplificador e de depois à etapa de potência com o driver T404.

Um ponto importante se destaca logo de início nesta etapa. A não indicação de valor do resistor R413 (Indicações gerais 2).

O que ocorre é que nas etapas de saída deste tipo com transistores complementares, o desempenho do circuito está ligado a uma obtenção de corrente de repouso ideal. Com corrente abaixo do especificado não temos rendimento e podem ocorrer distorções e acima do especificado temos distorções e consumo excessivo da pilha. Na figura 19 temos a posição deste resistor.

 

Figura 19 – O resistor de ajuste de polarização
Figura 19 – O resistor de ajuste de polarização

 

 

Assim, este resistor é escolhido no momento da produção para casar as características dos transistores usados podendo ter valores entre 470 ohms e 1 k.

Uma dica importante para o reparador que eventualmente troque um transistor desta etapa é verificar no manual o consumo indicado e experimentar resistores nesta faixa para obter a corrente recomendada.

Outro ponto que chama a atenção nesta etapa do Transglobe é o uso de PTCs nos emissores dos transistores de potência.

Assim R419 e R420 de 0,4 ohms visam manter a corrente ajustada na etapa compensando as variações que possam ocorrer com a temperatura. Um desequilíbrio tem consequências desagradáveis indo da distorção e ao alto consumo das pilhas até a queima dos transistores de saída.

 

 

Dicas

Para os reparadores, seguir rigorosamente as especificações do manual é importante em relação aos capacitores e resistores.

Para os transistores tipos atuais de RF, uso geral e potência podem ser experimentados. No caso dos transistores da etapa de áudio podemos ter a necessidade de ajustar R413 de modo a ter a corrente ideal de funcionamento.

Na etapa de FI temos também R116 cujo valor é obtido no processo de fabricação para se obter o melhor desempenho.

E, é claro temos a calibração que deve seguir os procedimentos indicados do manual.

Como o gerador de varredura é um instrumento pouco comum hoje, os ajustes podem ser feitos de forma mais simples com um gerador de sinais ou ainda oscilador montados para esta finalidade como os que temos no site.

 

 

Links

https://www.newtoncbraga.com.br/usando-os-instrumentos/10934-gerador-de-455-khz-para-ajuste-de-radios-ins308.html 

https://www.newtoncbraga.com.br/banco-de-circuitos/2459-cir032.html 

https://www.newtoncbraga.com.br/usando-os-instrumentos/10889-gerador-de-rf-para-calibracao-de-receptores-ins291.html 

https://www.newtoncbraga.com.br/usando-os-instrumentos/10907-calibrador-de-fi-ins296.html 

https://www.newtoncbraga.com.br/mini-projetos/173-osciladores/9038-oscilador-de-10-7-mhz-min478.html 

https://www.newtoncbraga.com.br/banco-de-circuitos/11226-oscilador-de-10-7-mhz-cir3111.html 

 

Finalmente, existe uma possibilidade mais acessível que é a de se retirar o sinal da FI para ajuste de um radinho comercial que esteja funcionando bem e empregar estações de frequência conhecida como referência.

 

 

Fichas de service

Na nossa seção de service temos diversas fichas de defeitos neste receptor e que podem servir de referência. Dentre elas:

https://www.newtoncbraga.com.br/aparelhos-de-som/128-philco/1211-radio-super-transglobe.html 

https://www.newtoncbraga.com.br/aparelhos-de-som/128-philco/7345-radio-transglobe-b481-482-ser284.html 

https://www.newtoncbraga.com.br/aparelhos-de-som/128-philco/11101-radio-super-transglobe-b481-b482-ser305.html 

https://www.newtoncbraga.com.br/aparelhos-de-som/128-philco/1353-ser059.html 

E outras...

 

 

Conclusão

Teríamos ainda muito a analisar neste receptor, inclusive os procedimentos de análise e diagnóstico e defeitos. No entanto, o que vimos neste artigo já deve ter sido suficiente para dar uma amostra do que era realmente um bom rádio dos anos 60 e até hoje.

Uma peça de colecionador que deve ser mantido funcionando, para que se mostre aos mais jovens um produto de ouro dos anos 60 e seguintes.