Não poderíamos de começar esta seção por outro artigo que não fosse o Micro Transmissor de FM, publicado na Revista Saber Eletrônica número 56. Talvez tenha sido o nosso maior sucesso, com milhares de pessoas montando esse pequeno transmissor e não apenas, se divertindo com a novidade, mas também começando sua vida no mundo da eletrônica, despertando seu interesse pela tecnologia. É da história e dos bastidores desse artigo que tratamos agora.
A Revista Saber Eletrônica já era um sucesso nessa época, mas todos os meses nos sentávamos na sala de reuniões para definir a pauta da revista seguinte e, se possíveis, das revistas que viriam depois.
Como sempre estava constantemente pesquisando o que outras revistas faziam pelo resto do mundo, o que me levou a uma biblioteca com mais de 10 000 delas, mesmo sendo japonesa.
Não leio em japonês, mas os diagramas eram feitos da mesma maneira que os nossos. Seguiam o padrão americano. Assim, bastava olhar para o circuito e saber o que fazia.
Muitos me davam inspiração para fazer coisas novas aqui. Trocando componentes, transistores japoneses pelos disponíveis aqui, alterando valores de componentes e até combinando com outras configurações, isso me permitia criar coisas novas.
Desta vez, o que me chamou a atenção foi um microfone sem fio de FM que usava pouquíssimos componentes. Mas, havia dois problemas para a montagem. A bobina e o microfone.
Resolvi o problema com engenhosidade para experimentar um primeiro protótipo. Para o microfone pensei em usar um foninho de ouvido de cristal, facilmente encontrado no comércio a preço muito baixo (e isso até hoje), e para a bobina tive uma ideia.
Bastava desatarraxar o pequeno tubo para encaixe no ouvido e pronto. Ele podia facilmente ser usado como um sensível microfone.
Tinha visto em alguns aparelhos da época, principalmente televisores, que as bobinas para as frequências mais altas eram impressas na própria placa de circuito impresso.
Funcionaria?
Depois de fazer alguns cálculos para uma bobina plana que ressoasse com um trimmer de porcelana comum na época de uns 10 pF em 100 MHz, consegui um valor e resolvi montar o protótipo. Funcionou.
Quando fiz a demonstração do pequeno transmissor funcionando, enviando claramente os sinais para um radinho perto todos se maravilharam, principalmente quando todas suas possibilidades de uso foram analisadas.
Microfone sem fio, intercomunicador, espionagem, baba eletrônica, interferidor em rádios, etc. podiam ser usos para a pequena maravilha.
Então veio a ideia que tornaria um sucesso maior ainda. Naquela época, a maioria das montagens que descrevíamos era feita em ponte de terminais, o que as tornava acessível a todos. Fazer placas era para poucos.
A placa era bem pequena. Porque não a dar como brinde, grudando-a na capa da revista.
É foi isso o que ocorreu. A pequena placa de circuito impresso era então presa na capa da revista, o que tornava possível a montagem por qualquer um.
É claro que os problemas dos montadores ocorriam, pois nem todos tem a mesma habilidade.
Recebemos muitas consultas de leitores que “montaram e não funcionou” e um problema, que também ocorre hoje, é que não podemos ver o aparelho detalhadamente para saber o que deu errado e encontramos muitos casos que servem de alerta para quem faz a montagem.
O primeiro deles, mais comum era a inversão da posição do transistor.
O segundo estava nos capacitores. Era comum que na loja em lugar de 4,7 pF, o capacitor cerâmico entre o emissor e o coletor do transistor, e que poderia ter a marcação 7J7, 4p7, 4K7 (K maiúsculo) fosse usado 4k7 (k minúsculo) que era 4 700 pF e o transmissor não funcionava.
Quando pegávamos na mão a montagem, também constatávamos soldas mal-feitas, componentes trocados (principalmente os resistores) e muito mais.
Curiosidades
Além de muitas pessoas que encontrei depois de muitos anos e que se interessaram pela eletrônica por causa desse transmissor, também encontrei pessoas que relataram alguns episódios interessantes que envolveram a pequena montagem.
O primeiro, eu mesmo conto.
Logo depois da publicação do artigo, o responsável pela editora me procurou preocupado. Tinha recebido um telefonema do gabinete do então Presidente da República João Batista Figueiredo. Queria saber quem era o responsável pela publicação do projeto.
Mas, logo o responsável pela ligação o acalmou. Não há nada de mais. O problema é que encontramos um desses transmissores no gabinete do Presidente. Sabemos que se trata de um projeto experimental que visa aprender eletrônica, mas seu uso pode ser mal dirigido... Gostaríamos de ter mais informações para poder localizar os responsáveis.
Ficamos aliviados, mas serviu de alerta...
Outra peripécia nos é contada por nosso colaborador Márcio José Soares que pegou 7 dias de suspensão em sua escola por ter colocado um transmissor oculto num vaso e presenteado a professora que o colocou na mesa da sala dos professores.
Os alunos ouviam tudo que eles conversavam! Mas a coisa não foi muito longe. As flores começaram a murchar uma a uma, exceto a que era artificial e servia de antena...
A farsa foi descoberta e como ninguém que assumir a responsabilidade, na classe de eletrônica foram todos suspensos.
Muitas outras estórias podem ser contadas de aventuras de alguns que interferiam no equipamento de FM do vizinho, ou ainda “apagavam” a novela da TV no horário nobre causando desespero nas mães, tinas e avós, e muito mais. Sim, bastava deslocar um pouco a frequência de ajuste do pequeno transmissor e a uma distância até uns 10 metros ele interferia na TV, produzindo linhas na imagem, tirando do sincronismo e afetando o som.
O que não fez esse transmissor.
Ao longo dos anos publiquei diversas versões desse transmissor, com nomes coo Scorpion, Ventura, Spyfone e outros. Perdi a conta, pois saíram na própria Saber Eletrônica, Eletrônica Total, Poptronics, Eletronique Pratique e Livros. Todas elas se encontram no site e a última é a que faz uso do celular como receptor. Vejam o vídeo