Para dar um exemplo de automatos para os meus alunos, resolvi montar algo diferente dos tradicionais robôs. O motivo de construir uma parte de uma linha de produção é mostrar aos leitores, alunos e modelistas, que o kit também pode ser usado para apresentar processos industriais. Espero que este exemplo de montagem traga aos futuros engenheiros de automação um aprendizado útil para sua carreira profissional.

 

O Projeto

A ideia inicial era desenvolver um projeto que representasse algumas linhas de produção utilizadas nas indústrias de manufatura. Como uma linha de produção inteira é muito extensa para se fazer com apenas um kit educativo, usarei o material para montar somente uma etapa do processo.

Na figura 1 temos o exemplo de uma etapa do processo de enchimento dos pacotes de produtos alimentícios da empresa Stival. Notem que as embalagens são levadas pela esteira (garras que seguram as embalagens) e são cortadas, abertas e preenchidas por um enorme funil, que adiciona a quantidade certa de produto dentro delas.

 

Uma etapa de produção de empacotamento de alimentos.
Uma etapa de produção de empacotamento de alimentos.

 

Outro exemplo que podemos lembrar é o tratamento por lavagem que ocorre com garrafas e latas de bebidas, onde uma esteira leva os recipientes até uma máquina que borrifa determinados líquidos sobre elas e depois aplica jatos de vapor para secagem.

Tomando este exemplo como base, comecei a elaborar como seria a linha de produção e quais os tipos de materiais precisaria para montar este projeto.

O primeiro passo foi montar a esteira, mas qual tipo de material poderia representar o produto que seria produzido? Como o kit não possui nenhum tipo de cinta elástica que possa ser utilizada como esteira, e o desafio era de empregar somente o material que o kit oferece, tive que pensar em algo que utilizasse a força da gravidade para empurrar os produtos que desceriam por um trilho que faria o papel da esteira.

Considerando que os produtos manufaturados deveriam ter um atrito reduzido para que não oferecessem resistência à força da gravidade, optei por utilizar bolinhas de gude, por serem redondas, terem um bom peso e serem facilmente encontradas em papelarias. Porém o leitor poderá usar bolinhas de ping-pong, de borracha ou outras que possam rolar pelo trilho.

 

A “Esteira”

Como é possível ver na figura 2, juntei duas chapas “L’s” de 11 furos através de uma chapa reta de 10 furos, fazendo assim um lado do trilho de coleta e repeti o mesmo procedimento para fazer o trilho do lado direito, ambos os trilhos estão presos por duas chapinhas de 3 furos dobradas em “C”.

 

A base da esteira.
A base da esteira.

 

Notem que estes trilhos estão inclinados devido ao fato das chapinhas dianteiras que prendem os trilhos à base serem menores do que as de trás, além de também estarem inclinadas.

Na base da esteira temos uma chapa larga presa em um dos lados, que servirá de apoio na hora de colocarmos o mecanismo de seleção, pois sem ela a base irá tombar.

Na mesma lateral onde temos a chapa reta, que serve de apoio ao mecanismo de seleção, colocamos no primeiro e no nono furo uma chapa de 4 furos em L, a qual servirá para prender o mecanismo de seleção à esteira.

No lado oposto, na parte superior, coloquei uma chapa de 3 furos em “L” e mais a chapa curvada, esta última é a mesma que utilizamos na garra do nosso robô anterior, cuja função é prender o LED que servirá como tratamento das bolinhas de gude.

No final da esteira montamos um depósito onde as bolinhas serão armazenadas. Nos processos normais este depósito pode ser um outro passo na manufatura do produto, ou simplesmente o empacotamento. Por enquanto, nos limitaremos ao depósito para não ficarmos com um projeto tão extenso, mas melhorias poderão ser incrementadas conforme a preferência do leitor.

Este repositório é uma chapa longa de 15 por 5 furos em “C”, presa à esteira por uma chapa reta de 10 furos. Na parte que toca o chão adicionei uma chapa de 7 furos em “C” para bloquear a saída das bolinhas.

O mecanismo de seleção

Neste mecanismo utilizei seis chapas retas de 7 furos, uma de 5 furos, quatro de 11 furos, duas de 5 furos em “C”, duas de 7 furos em “C”, duas de 3 por 5 furos em “C”, um conector “T”, um motor, um extensor, duas engrenagens pequenas, uma média e finalmente uma grande.

Comece a montagem com a catraca do mecanismo de seleção (figura 3), semelhante a uma estrela. Será entre as pontas da estrela que as bolinhas serão encaixadas para receber a luz do LED. No centro da estrela adicionei uma chapa de cinco furos que servirá de apoio para fixarmos o conector “T”, que será preso no eixo que receberá a engrenagem maior.

 

A catraca de seleção.
A catraca de seleção.

 

Para a base montei uma caixa retangular presa por quatro chapas retas de 11 furos, porém duas chapas retas foram adicionadas ao centro da parte superior e inferior, justamente para servir de guia para os eixos das engrenagens. Isto é importante pois se um dos eixos não ficar em paralelo as engrenagens podem engripar. Na parte superior desta caixa acrescentei duas chapas de 7 furos em “C” para servir de suporte ao motor, conforme visto na figura 4.

 

A base do mecanismo de seleção.
A base do mecanismo de seleção.

 

As engrenagens servem para reduzir a rotação do motor. Deste modo, na extremidade do eixo onde se encontra o motor acrescentamos uma engrenagem pequena, a qual transfere a rotação para a engrenagem média que, por sua vez, está no mesmo eixo de uma outra engrenagem pequena. Esta segunda engrenagem pequena transfere a rotação a engrenagem maior que está no mesmo eixo que a catraca de seleção. (figura 5)

 

As engrenagens de redução.
As engrenagens de redução.

 

O motor utilizado foi o mesmo empregado em uma das rodas do nosso robô da edição anterior, porém removi a roda que estava presa por um parafuso e adicionei um extensor, conforme ilustra a figura 6.

 

O motor
O motor

 

Depois de todo o mecanismo de seleção estar devidamente montado, acoplei-o na esteira. Esta parte da montagem exige um certo grau de paciência, pois devido a quantidade de peças, inserir um parafuso em um local bem estreito é complicado e requer calma. (figura abaixo)

 

Acoplando o mecanismo à esteira.
Acoplando o mecanismo à esteira.

 

 

O Modelexino

O Modelixino é uma boa solução montada pela Modelix para adicionar controle lógico, usando a eletrônica nos projetos mecatrônicos. Ele é composto por um Arduino (Diecimila) e uma matriz de contatos, ambos presos a uma base com a furação nos padrões Modelix.

O kit acompanha um CD, com o software de programação do Arduino e um cabo de conexão USB, para transferirmos o programa compilado pelo computador ao microcontrolador.

O funcionamento do Modelixino é bem simples, e como se trata de um Arduino, é possível achar exemplos de programação e de aplicações em vários sites, como também no próprio endereço da Modelix.

O Arduino é um projeto free (gratuito), portanto é possível encontrar o esquemático e a PCI em diversos sites, como também as ferramentas necessárias para a sua programação. O microcontrolador utilizado para o gerenciamento dos sinais, tanto recebidos quanto enviados, é o Atmega 8 ou 16 da Atmel.

É importante para quem vai começar a programar o microcontrolador conhecer a pinagem do Arduino para não causar curtos e danificar a placa. Na figura 8 temos a sua pinagem, notem que temos as saídas digitais, as analógicas, as conexões de alimentação, referência, USB e da fonte.

 

Pinagem do Arduino.
Pinagem do Arduino.

 

A conexão com o computador se dá através do cabo USB. Ao lado do conector USB, temos um jumper que “seta” o Arduino para receber a alimentação através do USB ou da fonte. Vamos deixá-lo “setado” para que receba a energia pelo do cabo USB, uma vez que este projeto não sairá rodando por aí como um robô e pode ficar ao lado do computador.

Dividi os módulos do sistema que irá controlar o mecanismo de seleção da esteira em três partes. A primeira é composta por uma chave que enviará o sinal de habilitação para o funcionamento do sistema. Note que não é uma chave para o acionamento de ligar e desligar, pois o Arduino já estará em funcionamento no momento em que conectamos o cabo USB.

O segundo módulo é o acionador do motor e, por fim, o terceiro módulo é o que acionará o LED que fica sobre as bolinhas de gude selecionadas.

Temos na primeira parte a chave de habilitação, que utiliza os pinos de 5 V, o GND (terra) e o pino 2 de entrada/saída digital. O pino 2 precisa ser configurado como entrada em sua programação, como mostrado no código abaixo. Na figura 9 temos o esquema do módulo da chave.

 

CODIGO FONTE
int chave = 2; // atribui a variável “chave” o valor 2
void setup()
{
pinMode(chave, INPUT); // seta o pino 2
como entrada
}

void loop()
{
if(digitalRead(chave) == HIGH) // o pino 2 está recebendo sinal?
{
// executa determinadas funções
}
}

 

O outro módulo é o acionador do motor e como o motor que temos no kit é de corrente contínua fica difícil aplicar precisão sem utilizarmos o recurso de PWM, pois, além da precisão ganhamos torque para movimentar todas as engrenagens empregando este recurso.

PWM (Pulse Width Modulation) é um recurso que faz com que pulsos rápidos com alta corrente acionem o motor, e o intervalo de tempo entre estes pulsos determina a velocidade que o motor irá girar. Para aumentar a potência aplicada ao motor, usamos 4 pilhas pequenas de 1,5 V para alimentarmos o motor, cujo acionamento é feito através do pino 5, o qual, por sua vez envia os sinais para o Darlington TIP122, amplificando o sinal.

Vale lembrar que para proteger o circuito é necessário colocar um diodo 1N4007 em paralelo com o motor, pois as paradas deste geram um campo muito forte. Na base do TIP122 colocamos um resistor de 220 O. Na figura 10 temos o esquema completo do módulo do motor.

 

O módulo de controle do motor.
O módulo de controle do motor.

 

No programa do microcontrolador, devemos setar o pino de saída do sinal, lembrando que somente alguns pinos trabalham com recurso PWM, são os pinos 3, 5, 6, 9, 10 e 11. No projeto utilizei o pino 5 como mostrado no código a seguir.

 

CODIGO FONTE
int motor = 5; // atribui o valor 5 a variável motor void setup() { pinMode(motor, OUTPUT); // seta o pino 5 como saída }
void loop()
{
for (int i=0; i<=5; i++) // loop utilizado para gerar 5 pulsos
{
digitalWrite(motor, HIGH); // aumenta a corrente no pino 5
delay(250); // deixa o pino 5 em alta por um breve tempo
digitalWrite(motor, LOW); // corta a corrente do pino 5
delay(250); // deixa o pino 5 sem alimentação por um breve tempo
}
delay(1000); // temporizador de 1 ms.
}

 

O último módulo e o mais simples: é aquele que faz acender o LED no momento em que a catraca para. Um resistor de 220 ? em série com o LED, que por sua vez é conectado ao pino GND (terra).

No código mostrado abaixo temos somente o acionamento do LED e o seu esquema é exibido na figura 11.

 

Módulo do LED.
Módulo do LED.

 

 

CODIGO FONTE
nt LED = 13; // a variável LED recebe o valor 13
void setup()
{
pinMode(LED,OUTPUT); // o pino 13 é setado como saída.
}

void loop()
{
digitalWrite(LED, HIGH); // aumenta a tensão do pino 13
delay(1000); // o LED ficará acesso por 1 ms
digitalWrite(LED, LOW); // corta a tensão do pino 13
delay(1000); // o LED ficará apagado por 1 ms
}

 

A partir do momento em que o funcionamento dos módulos se torna claro, fica fácil montar o módulo completo. Para isto, pegaremos o Modelixino (Arduino + Matriz de contato) e os componentes constantes na lista de materiais

para começar a montagem conforme o esquema dado na figura 12. O programa completo do sistema de controle é explicado abaixo.

 

CODIGO FONTE
int chave = 2;
int led = 13;
int motor = 5;

void setup()
{
pinMode(led,OUTPUT); // Seta o pino 2 como saída
pinMode(chave, INPUT); // Seta chave como entrada
pinMode(motor, OUTPUT); // Seta motor como saída (PWM)
}

void loop()
{
if(digitalRead(chave) == HIGH) // Chave ligada?
{
for (int i=0; i<=15; i++) // executa o loop de 16 pulsos
{
digitalWrite(motor, HIGH); // envia sinal ao pino 5
delay(150); // deixa o pino 5 setado
digitalWrite(motor, LOW); // corta o sinal ao pino 5
delay(150); // deixa o pino 5 sem sinal
} // aqui o motor para depois de 16 pulsos
digitalWrite(led, HIGH); // Acende o LED
delay(5000); // deixa o LED aceso por 5 ms
digitalWrite(led, LOW); // apaga o LED
} // finaliza o processo, se a chave estiver acionada executa o processo novamente.
}
 

Dependendo do estado das pilhas usadas, o valor de “i”, utilizado no comando “for” deverá ser aumentado ou reduzido; outro fator que faz o motor girar mais ou menos rápido está na precisão da montagem das engrenagens, quanto mais livres e paralelos os eixos estiverem, menos esforço o motor sofre e menos passos serão necessários.

 

 

 

O software de programação

Dentro do CD que acompanha o kit temos o software que compila o código-fonte digitado em arquivo binário, para ser enviado ao microcontrolador. Este software é mostrado na figura 13. O CD contém também alguns PDFs interessantes que auxiliam o usuário na sua jornada na utilização do Modelixino.

 

Editor do Arduino
Editor do Arduino

 

O próprio programa possui diversos exemplos de códigos comentados que facilitam o seu uso, além da internet que possui exemplos de diversos outros colaboradores.

 

Aperfeiçoando o projeto

É possível fazer melhorias no projeto. Realizei alguns testes neste sentido, observei que ficaria complexo demais a explicação de sua montagem e funcionamento. Como costumam dizer os programadores veteranos aos novos programadores: “Comece programando o Olá Mundo, quanto ao resto você terá que quebrar a cabeça”. O “Olá Mundo” está neste artigo, o demais fica fácil para o leitor implementar.

O que recomendo ao usuário que optar por fazer a linha de montagem, até mesmo como um desafio aos seus conhecimentos, é adicionar mais LEDs no processo. Considerando-se que o kit tem LEDs de outras cores, é possível utilizá-los para representar outras etapas no processo. Outro recurso que pode ser alterado no projeto é o emprego de uma chave magnética colocada na catraca selecionadora, onde o motor freia quando a chave é acionada, dando assim mais precisão ao processo, só que neste caso alguns ímãs serão necessários, como os de geladeira.

Um outro recurso é a utilização de um sensor de luz no lugar da chave de habilitação, onde o sistema só opera se alguma bolinha parar na frente do sensor, cortando a luz e avisando que existe algum objeto para ser “tratado”.

E, por fim, um recurso ainda mais avançado que pode ser implementado é a utilização dos outros dois motores que vêm no kit, além de fazer uma outra esteira que movimenta uma caixa cheia de divisões onde em cada divisão caiba um número N de bolinhas. Após lotar este espaço, o motor gira e empurra a caixa, alocando outra divisão vazia, até lotar. A contagem das bolinhas pode ser feita baseando-se no número de paradas que a catraca dará.

 

Conclusão

Espero ter contribuído com mais uma ideia prática (figura 14) para os usuários utilizarem o seu kit Modelix RS 55, bem como passar aos professores da área tecnológica mais uma experiência educativa, além dos tradicionais e divertidos robôs, pois sabemos que a Mecatrônica não se limita apenas aos robôs.

 

Montagem completa
Montagem completa