Na edição anterior, começamos uma análise detalhada do princípio de funcionamento dos circuitos de um telefone celular comum. Naquela ocasião analisamos toda o setor de transmissão, com ênfase para o modo como os sinais digitais são codificados. Nesta segunda parte de nosso artigo focalizamos os circuitos receptores. O telefone tomado como exemplo é o básico e o artigo é baseado em material da Texas Instruments. (2004)

A finalidade do circuito receptor de um telefone celular comum é exercer as seguintes funções:

Amplificar o sinal de rádio recebido

Super-heterodinar o sinal de RF baixando-o para uma freqüência que seja mais fácil de trabalhar.

Demodular o sinal

Equalizar ou compensar o sinal pata diminuir ou eliminar os efeitos de distorção introduzidos no canal de rádio

Detectar erros

Decodificar o sinal de palavra

Converter o sinal de volta para a forma analógica e aplicá-lo ao alto-falante para reprodução.

 

Essas funções são exercidas pelos seguintes blocos funcionais:

Amplificador receptor de RF

Bloco de mixagem

Demodulador

Decodificador de canal

Decodificador de palavra

 

Analisemos em pormenores esses blocos.

Lembramos que o telefone celular em sí é também chamado tecnicamente de “unidade móvel”.

 

Amplificador receptor de RF

Este bloco do receptor amplifica o sinal da portadora de RF de baixo nível DQPSK. Este sinal pode ser tão fraco como alguns picowatts, algo em torno de -116 dBm. O amplificador de RF aumenta a intensidade de sinal levando-o a um nível que possa ser trabalhado antes de ser aplicado ao bloco seguinte.

Este bloco consiste numa etapa amplificadora de banda larga dotado de um ganho variável o qual é controlado por um controle automático de ganho ou CAG (AGC se adotarmos termo inglês Automatic Gain Controller).

O CAG ou AGC tem por finalidade compensar a grande faixa dinâmica do sinal recebido que é de aproximadamente 70 dB. O AGC ou CAG também tem por finalidade reduzir o ganho do amplificador de RF, que émuito sensível, caso o sinal de entrada aumente demais.

Na figura 1 temos os blocos que formam este conjunto de circuitos do telefone celular.

 


 

 

 

Mixer

A faixa de freqüências recebida pelo telefone celular comum está entre 869 MHz e 894 MHz. Esta faixa de freqüências, mesmo se conveniente amplificada, não é apropriada a aplicação numa etapa de demodulação.

Assim, os sinais desta etapa, como em qualquer receptor de rádio super-heteródino comum, são convertidos para uma freqüência fixa mais baixa, uma freqüência intermediária ou FI (IF se adotarmos a sigla em inglês).

Isso é conseguido com a utilização de um oscilador local. Esse oscilador produz um sinal de freqüência tal que, combinado com a freqüência do sinal recebido produz uma freqüência fixa, a freqüência intermediária.

É comum o uso de uma arquitetura de dupla conversão. Assim, o sinal de freqüência intermediária obtido na primeira etapa de FI, é misturado com o sinal de um segundo oscilador, obtendo-se assim uma segunda freqüência intermediária ainda mais baixa.

O uso de freqúências mais baixas simplifica o projeto destas etapas e permite o uso de filtros de banda estreita.

 

Demodulador

A finalidade do demodulador DQPSK é extrair os dados contidos no sinal de FI. Para isso utiliza-se normalmente um oscilador com um sinal deslocado de 90 graus. O demodulador determina então qual é o ponto de decisão que a fase se move e determina através dele qual é o símbolo que está sendo transmitido. Isso é feito calculando-se a diferença entre a fase atual do sinal e a fase anterior (lembre-se que o transmissor é um modulador diferencial).

Uma vez que o símbolo tenha sido identificado, o próximo passo consiste em se decodificar os dois bits correspondentes. Entretanto, devido ao ruído, efeito Doppler e desvanecimento de Rayleigh, o sinal precisa ser compensado ou equalizado.

O desvanecimento ou fading ocorre quando o mesmo sinal chega ao receptor em tempos diferentes devido a diversas trajetórias causadas por reflexões.

O efeito Doppler ocorre quando a freqüência do sinal recebido varia em função do seu movimento em relação à estação base. Este efeito faz com que a freqÚ6encia varie tanto mais quanto maior for a velocidade relativa do telefone celular em relação à estação base.

Normalmente, com velocidades baixas como a de uma pessoa andando o sistema não precisa ser tão complexo para compensar este efeito quanto um que opere numa velocidade maior como num veículo.

 

Equalizador

O equalizador tem por função operar de modo inverso ao de um filtro compensando as distorções que ocorrem no canal. Como um canal de RF não é constante como um canal físico, é necessário adaptar as mudanças do canal utilizando um “equalizador adaptativo”.

Na figura 2 temos o diagrama de blocos de um equalizador deste tipo, onde as diversas funções são mostradas.

 


 

 

A especificação IS-54 não recomenda nenhum algoritmo específico para a equalização. Atualmente, dois tipos de algoritmos são mais comuns.

- Decision Feedback Equalizer (DFE)

- Maximum Likehood Sequence Estimulator (MLSE)

 

O equalizador que mostramos na figura 2 opera adaptativamente no modo “training” no começo de cada salva e no modo “tracking” durante a detecção da mensagem. Nele existe um filtro casado e um processador de Viterbi modificado. Este equalizador é usado no sistema GSM europeu mas é similar aos tipos encontrados em operação em outros países.

Depois da demodulação e da passagem por um filtro passa-baixas, as componentes x(t) e y(t) do sinal são amostradas e convertidas por um A/D numa velocidade de amostragem igual a taxa de bits.

Então as amostras de sinal são filtradas através de um filtro transversal N-tap que aproxima o filtro MF mostrado.

Teoricamente um MF faz o receptor insensível as fases da portadora e do clock usado para demodular e amostrar o sinal recebido, proporcionado pelos coeficientes MF corretamente ajustados e se o espalhamento do MF no tempo for suficientemente longo para incluir a resposta de impulso do canal.

Para esta finalidade, deve-se escolher o número de “taps” N do MF de modo a ficar de acordo com o número máximo de intervalos de éco que se espera obter no ambiente operacional do telefone.

Veja que os pulsos de saída do demodulador são espalhados em três períodos de bits. Tipicamente N = 6 parece ser suficiente para a maioria das aplicações. As amostras da saída MF finalmente são processadas de acordo com o processador modificado de Viterbi que opera num número de estados igual a S – 2N – 1. A complexidade do processador de Viterbi varia exponencialmente em relação a N.

 

Decodificador de Canal

O decodificador de canal detecta o fluxo de bits, demultiplexa os dados de controle e aplica os dados ao decodificador de palavra. Como isso é feito pode ser melhor visualizado pelo diagrama de blocos da figura 3.

 


 

 

 

O decodificador de canal possui os seguintes estágios:

1 – Demultiplexador do sinal de controle

2 – Detector de erro

 

Analisemos esses dois blocos funcionais:

 

Demultiplexador do SInal de controle

A palavra, e dados SACCH, FACCH e DVCC di demodulador são demultiplexados para separar os diversos tipos de informação de sinal. Os dados SACCH e DVCC são demultiplexados simplesmente direcionando os bits correspondentes de cada salva para as suas locações de controle.

Os dados FACCH e a palavra exigem um desafio maior para serem decodificados. Como os dados FACCH podem substituir a palavra a qualquer momento, esses dados são atraídos inicialmente para detectar erros nos dados de palavra. Se o CRC aparece para ser corrigido como um slot de palavra, os dados são roteados para a etapa do codec de palavra.

Quando o CRC é no erro, os dados são então decodificados como uma mensagem FACCH. Se o CRC aparece para ser corrigido, esta mensagem de FACCH é roteada para sua locação de processamento.

 

Detector de Erro

DVCC são palavras de erro detectadas e comparadas com o sinal de referência DVCC para determinar a interferência no canal adjacente e enviar ao bloco transmissor para retornar a estação base.

O decodificador de canal fornece informação BER e RSSI quando comandado pela estação base. Este recurso é denominado MAHO.

 

Estratégia de Mascarar Frames Ruins

A estratégia de mascarar os frames ruins é baseado num mecanismo de estado. Para cada decodificação de um frame de palavra, o mecanismo de estado muda de nível. O estado 0 ocorre quase sempre e implica que a comparação CRC teve êxito. O estado 6 implica que existem pelo menos 6 frames consecutivos que falharam no teste CRC.

A ação tomada por cada um desses estados varia também. No estado 0 nenhuma ação é tomada. Nos estados 1 e 2 temos simples repetições de frames. Nos estados 3, 4 e 5 ocorre a repetição e uma atenuação da palavra, No estado 6 temos a entrada do circuito em “mute” com o corte da palavra.

A seguir damos uma descrição detalhada do que ocorre em cada estado:

 

Estado 0 - nenhum erro CRC é detectado. O dado decodificado pelo receptor é usado normalmente.

 

Estado 1 – Um erro CRC é detectado. Os valores dos parâmetros R(0) e nos bits LPC do último frame que esteve no estado 0 é repetido. Os bits decodificados remanescentes para o frame passam para o decodificador de palavra sem nenhuma modificação.

 

Estado 2 – Ação idêntica a que ocorre no estado 1.

 

Estado 3 – Ação similar a que ocorre no estado 1, exceto pelo valor modificado de R(0). Uma atenuação de 4 dB é aplicada aos parâmetros R(0) de tal forma que se o R(0) do último frame de estado 0 for maior que 2, então R(0) é decrementado em 2 e repetido neste nível mais baixo.

 

Estado 4 – Similar ao estado 3. Uma atenuação adicional de 4 dB é aplicada a R(0) de tal forma que o nível passe a ser menor em 8 dB que o valor original de R(0).

 

Estado 5 – Similar ao 4, com uma atenuação adicional de 4 dB.

 

Estado 6 – O frame é repetido, mas o timer R(0) é apagado totalmente, cortando a palavra (mute). Alternativamente algum ruído pode ser inserido no lugar do sinal de palavra.

 

Decodificador de Palavra

O decodificador de palavra, VSELP, converte o fluxo dos dados de entrada de 7950 bps num dado PCM de 64 kbps. Em condições desfavoráveis de rádio, a performance do VSELP mostrou-se ser superior a obtida com os celulares analógicos.

Isso se deve às capacidades de proteção contra erros e a de detecção de erros que são apenas possíveis nas transmissões digitais.

Quando os frames de palavras são perdidos devido a erros e não podem ser corrigidos, o codificador de palavra repete o frame anterior de informação. Se o número de frames consecutivos perdidos aumenta, um “mute” gradual é aplicado. Assim, as falhas ou “gaps” são preenchidos usando como base as características do ouvido humano.

Quando os dados transmitidos não são a palavra, mas dados ou ainda fax, então o decodificador é contornado pelo sinal, passando diretamente.

 

Filtro Espectral Adaptativo

A finalidade deste filtro é adaptar o espectro de voz reproduzido de modo que ele seja mais próximo das características do ouvido humano. Isso é feito através da passagem do sinal por um bloco processador.

 

Interface de áudio

Este é o último bloco ou bloco de saída do telefone celular. Os sinais que vêm do bloco anterior consiste num fluxo de 64 kps. Assim, esta etapa do telefone deve conter as seguintes etapas:

- Conversor digital-para-analógico (DAC)

- Filtro de reconstrução

- Ajuste do nível de recepção

 

O filtro de reconstrução minimiza os transientes causados pelo conversor DAC. O nível de recepção ou sensibilidade é definida de tal forma que seja obtido em condições normais um nível de 97 dN no transdutor .

 

Conclusão

O telefone celular que analisamos é o básico. Novas tecnologias que permitem a inclusão de imagens e outros recursos rápidos como o acesso à Internet, implicam na adição de novos blocos nesta configuração básica.

No entanto, para a transmissão da voz vale ainda o que descrevemos.

Sabemos que muitos dos termos técnicos empregados na descrição de alguns blocos podem não ser familiares aos nossos leitores. Com o tempo, acompanhando nosso site esses leitores poderão encontrar artigos em que sua aplicação se torna mais detalhada e assim, trazer maiores esclarecimentos sobre o seu significado.