Um dos fenômenos mais importantes que observamos nos materiais magnéticos é a histerese. Conhecer exatamente o seu significado é fundamental para todos os que trabalham com indutores e transformadores, principamente nos circuitos modernos como, por exemplo, os de fontes chaveadas, inversores de frequência e conversores AC/DC. Neste artigo, revisamos os conceitos básicos de magnetismo e explicamos o que é a histerese.

A partir da descoberta de Oersted de que uma corrente elétrica pode criar um campo magnético, o estudo mais profundo do eletromagnetismo tornou-se de grande importância para o desenvolvimento de diversos dispositivos elétricos e eletrônicos tais como solenóides, eletroímãs, transformadores, etc. Assim, para chegarmos ao ponto central deste artigo, que é a histerese, será importante revisarmos um pouco da teoria do magnetismo para que o leitor possa melhor entender os fenômenos envolvidos.



UNIDADES
Da mesma forma que em eletricidade temos diversas grandezas elétricas tais como corrente, tensão, potência e resistência, em magnetismo também temos, diferentes grandezas que precisam ser definidas e bem diferenciadas para que o leitor entenda bem os fenômenos magnéticos. Estas grandezas são medidas normalmente em unidades diferentes, que recebem nomes dos pesquisadores que contribuíram para o desenvolvimento deste setor da Ciência tais, como Maxwell, Gauss, Oersted, Gilbert, etc. Devemos, então, definir as seguintes grandezas:


a) Fluxo magnético:
Este termo é utilizado para expressar o número de linhas de força de um campo magnético que atravessam uma determinada área de uma superfície, conforme mostra a figura 1.



Figura 1 - Definição de fluxo magnético.


O fluxo magnético é expresso pela letra H e pode ser dado em maxwell no sistema CGS, em weber (Wb) no sistema internacional. O número de linhas de força que atravessa uma superfície por unidade de área é denominado densidade de fluxo magnético, ou simplesmente fluxo magnético, é indicado pela letra B. Sua unidade é o Gauss. Outra unidade de fluxo usada no sistema CGS é o Oersted.


b) Relutância:
A relutância pode ser considerada o equivalente magnético para a resistência: é a oposição que oferece um material ao fluxo magnético. Podemos de uma forma mais precisa definir a relutância como ao fator de proporcionalidade que existe entre a força magnética aplicada e o fluxo que resulta desta força num material.

 

c) Permeabilidade:
O modo como um material reage permitindo o estabelecimento das linhas de força de um campo magnético no seu interior 'é denominado permeabilidade. Podemos comparar esta grandeza à condutividade elétrica dos materiais em relação à corrente. A permeabilidade é indicada pela letra grega ?(mu). Deve-se diferenciá-la da permeância que é o inverso da relutância. Da mesma forma que resistividade e resistência não têm o mesmo significado em Eletrodinâmica, permeabilidade é equivalente á resistividade e permeância é o equivalente da resistência.


MATERIAIS MAGNÉTICOS
Os diversos materiais reagem de formas diferentes quando imersos num campo magnético. Esta diversidade de comportamento nos permite classificá-los em dois grandes grupos: amagnéticos e magnéticos (também chamados ferromagnéticos). Os materiais magnéticos, por suas vez, são classificados em diamagnéticos e paramagnéticos, conforme ilustra a figura 2.



Figura 2 - Classificação dos materiais quanto às suas propriedades magnéticas.


Os materiais diamagnéticos têm uma permeabilidade levemente menor que a unidade (que corresponde á permeabilidade do ar) tendendo assim a resistir á indução magnética através da criação de um campo magnético oposto ao externo. Colocando-se uma amostra de um material deste tipo num campo magnético uniforme, observe a figura 3, as linhas do campo tendem a se dispersar.





Figura 3 - Os materiais diamagnéticos dispersam as linhas de força de um campo magnético.


São materiais diamagnéticos o cobre, ouro, prata, mercúrio, antimônio e o bismuto. Os materiais paramagnéticos têm uma permeabilidade maior do que a unidade. Isso significa que, colocados num campo magnético uniforme, eles se magnetizam na mesma orientação do campo externo, concentrando assim as linhas de força, conforme indica a figura 4.



Figura 4 - Os materiais paramagnéticos concentram as linhas de força do campo magnético.


Dentre os materiais paramagnéticos mais comuns destacamos o alumínio, magnésio, platina, cromo, etc. Temos, finalmente, os materiais ferromagnéticos que são os mais importantes para as aplicações em diversos dispositivos eletrônicos tais como indutores, transformadores, etc. Esses materiais se caracterizam por adquirirem um magnetismo induzido muito grande e com uma orientação que coincide com o campo magnetizante. Possuem então uma permeabilidade, que no entanto, não é constante variando com a intensidade do campo magnetizante. Materiais como o ferro têm permeabilidades de 2000 (dependendo da pureza) e algumas ligas podem alcançar níveis de 50 000 (50 000 vezes maior que a permeabilidade do ar). Um fenômeno importante que ocorre com estes materiais, que em alguns casos podem reter o magnetismo transformando-se em imãs permanentes, é a magnetostrição.Quando submetidos a um esforço mecânico eles têm sua permeabilidade alterada. Assim, se tivermos um imã, ao submetê-lo a esforços mecânicos, seu campo magnético se alterará. Esta propriedade pode ser aproveitada na construção de transdutores, tais como microfones, sensores de pressão ou de esforços mecânicos. Um material que apresenta esta propriedade é o níquel, que apresenta uma característica de magnetostrição negativa. Isso quer dizer, que quando se aplica ao níquel uma tensão mecânica paralela ao campo magnético, a sua permeabilidade decresce, em consequência, também o seu magnetismo.

Da mesma forma, se aplicarmos ao níquel um campo magnético, ele se contrairá, levemente na direção das linhas de forças mas se expandirá no sentido transversal, veja exemplo na figura 5, mantendo deste modo constante o seu volume.



Figura 5 - O fenômeno da magnetostrição.



ELETROIMÃS
A densidade do fluxo magnético que pode ser criado por um eletroímã depende do número de espiras do enrolamento, assim como da intensidade da corrente circulante. Isso significa que a densidade do fluxo depende da força magnetizante ou da intensidade da corrente circulante. Na figura 6 temos um gráfico que representa a intensidade do campo H com a densidade do fluxo B formando o que se denomina uma curva de magnetização e que depende do material usado como núcleo.



Figura 6 - Curvas de magnetização de alguns materiais.


Estas curvas são de extrema importância quando se pretende utilizar um material para o núcleo de um componente eletrônico como um transformador ou um indutor. É através destas curvas são determinadas as dimensões dos núcleos de um transformador para uma aplicação, assim como o número de espiras da bobina e diversos outros parâmetros para a construção do componente.


HISTERESE
Conforme vimos, a permeabilidade de certos materiais não é constante variando com a intensidade do campo, e as curvas de magnetização também mostram justamente isso. De que modo isso interfere no comportamento de um núcleo ou de um material que será usado dentro de um campo magnético variável pode ser melhor entendido a partir de uma experiência imaginária que passamos a descrever a seguir. Para tanto, vamos utilizar uma fonte de alimentação variável que nos permitirá aplicar correntes de qualquer intensidade numa bobina com um núcleo.
Nas proximidades deste núcleo vamos colocar uma balança que permite medir a força de atração sobre um pedaço de material ferroso, tudo isso de acordo com a ilustração da figura 7.



Figura 7 - Determinando as propriedades de um material magnético.


Se variarmos a tensão aplicada à bobina, termos um aumento da densidade do fluxo que depende do material, conforme já vimos no gráfico da figura 6. Este gráfico indica que o aumento do fluxo não é linear, que existe um ponto em que um aumento adicional da indução não corresponde ao aumento deste fluxo. Dizemos que, nestas condições, o núcleo está saturado. Neste gráfico, a saturação começa no instante em que as curvas se dobram, e se torna total quando elas ficam horizontais.

Entretanto, podemos ir além se fizermos um gráfico em que as forças magnetizantes são colocadas em função da densidade do fluxo, tanto quando aumentamos, como quando diminuímos a tensão aplicada à bobina, veja a figura 8.



Figura 8 - A diferença de forças magnetizadoras no processo de magnetização e desmagnetização dá a histerese de um material.


Partimos então de uma tensão nula aplicada á bobina que contém um núcleo de um material ferroso e vamos aumentando esta corrente. Desta forma, partindo do ponto A na figura, a força magnetizante aumenta com a densidade do fluxo, ou seja, com a intensidade do campo produzido pela bobina até o instante em que nos aproximamos da saturação, quando então um aumento adicional dessa força não provoca na mesma escala o aumento do fluxo. Este ponto é indicado por B no gráfico, chegando-se á saturação em C.

O que observamos agora é que, se começarmos a partir de C a diminuir a corrente na bobina de modo a também reduzir a força magnetizante, a forma como o fluxo diminui não será a mesma, mas sim retarda em relação aquela que obtivemos na "ida", mas sim conforme mostra a curva até o ponto D em que se manifesta a ação de um magnetismo remanente positivo no material do núcleo. A causa desta característica de retardo no processo de "volta" da desmagnetização do núcleo recebeu o nome de histerese (que é uma palavra grega que significa retardar).

Continuando a diminuir o fluxo, veremos que a trajetória da curva de desmagnetização ficará deslocada ou retardada em relação à ida, até o ponto D novamente em que teremos de novo a corrente nula aplicada ou em que a magnetização é zero. Neste ponto, mesmo com uma densidade de fluxo nula, existe uma força magnetizante remanente negativa.

Invertendo agora o sentido de circulação da corrente e aumentando sua intensidade, observamos o mesmo efeito até os pontos E e F em, que novamente, chegamos à saturação, mas com orientação do campo invertida. E, da mesma forma, se partirmos do ponto F e formos reduzindo a corrente até que a densidade do fluxo se anule, chegaremos mais uma vez, a um ponto em que teremos um magnetismo remanente positivo no ponto G. Continuando agora com a magnetização no sentido oposto, chegaremos ao ponto H de saturação. Esta curva é característica dos materiais que são usados como núcleos e também é conhecida como curva B-H, já que nos eixos são representadas a densidade do fluxo B e a intensidade do campo H. Na curva indicada, o ponto em que temos a aproximação da saturação é obtido com uma curva acentuada.

Este tipo de comportamento é próprio dos materiais magnéticos de boa qualidade em que os estados de magnetização podem ser mudados bruscamente com uma variação relativamente pequena da intensidade do campo. Os núcleos toroidais de ferrite dos transformadores de fontes chaveadas utilizam materiais com estas características. Os materiais em que a curva é menos acentuada ou existe menor histerese, como os da figura 9, também são úteis sendo usados em reatores saturáveis.



Figura 9 - Os materiais apresentam características diferentes de histerese.

De qualquer forma, o fato de um material apresentar uma característica de histerese significa sempre a existência de um magnetismo remanente, que nem sempre é desejado na aplicação eletrônica. Uma alternativa para anular este magnetismo remanente consiste no uso de bobinas desmagnetizadoras em que se aplica um forte sinal alternado para neutralizá-lo. Isso é feito, por exemplo, em cabeças de gravação e leitura de equipamentos de som e outros. Também é importante observar que a temperatura do material afeta a permeabilidade.

Assim, temos o ponto em que as propriedades magnéticas do material praticamente, desaparecem, sendo denominado Ponto Curie. Da mesma forma, em temperaturas próximas do zero absoluto, a resistência cai a valores praticamente nulos permitindo a elaboração de super-imãs.